Neofascismo é resultado da ilusão do andar de cima de que é possível construir país sem povo

Lula acerta ao criticar esforço das classes dominantes de querer reconstruir o Brasil com a agenda de Guedes. País não vai avançar se mantiver histórica desigualdade e política econômica sem inclusão social e distribuição de renda aos pobres

Ricardo Stuckert

O PT se mantém na linha de frente da oposição ao governo, vem sendo atacado pelo bolsonarismo e os radicais neofascistas desde antes da ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. O partido saúda quem chegou agora na luta contra o autoritarismo do presidente da República. Mas é preciso ter clareza: a luta para retirar Bolsonaro do Palácio do Planalto tem de resultar também numa guinada na política econômica adotada no país desde o Golpe de 2016, que levou à destituição de Dilma Rousseff.

O futuro do Brasil não depende apenas do impeachment de Bolsonaro, mas da construção de uma agenda que permita ao país crescer com inclusão social, distribuindo riqueza e combatendo a desigualdade. É preciso colocar o povo no centro do debate da reconstrução do Brasil. A democracia passa pela soberania popular e pelo povo brasileiro.

Essa é a posição esboçada pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e reforçada pela presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann. As diretrizes foram discutidas na reunião do Diretório Nacional do PT, na segunda-feira, 1º de Junho. O partido reitera que a luta passa pelo impeachment do presidente e a convocação de eleições para presidente da República, 90 dias depois do afastamento de Bolsonaro. Com Bolsonaro-Guedes, o país continuará sem saída.

“Estão querendo reeducar o Bolsonaro, mas não querem reeducar o Guedes”, denunciou Lula. “Tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora nos manifestos. O editorial do Globo é uma proposta de acordo pra manter o Bolsonaro”, alertou, ao se referir à veiculação do texto “Os democratas precisam conversar”, com a opinião do jornal acenando com a manutenção do presidente no cargo para a pacificação do país. Para Lula, nem um governo sem Bolsonaro, mas com a mesma agenda que atende apenas aos interesses do rentismo, sem tocar na questão da desigualdade, vai levar o país a qualquer lugar.

Dilma Rousseff: “O governo de Jair Bolsonaro reflete o acordo neoliberal e neofascista e não houve ruptura profunda na relação entre esses interesses”

Um acordo por cima 

Dilma ressalta que o acordo que permitiu a eleição de Bolsonaro, num acerto entre conservadores na política e na economia, incluindo líderes religiosos pentecostais, empresários ligados ao mercado financeiro e ao agronegócio, foi fruto de uma simbiose de interesses que agora dão sinais de desencontro. “O governo reflete o acordo neoliberal e neofascista e não houve ruptura profunda na relação entre esses interesses”, lembra a ex-presidenta.

Dilma diz que há dissidências agora no consórcio que sustenta o governo. “Exemplo? A Globo, que defende a pauta neoliberal, que insiste que temos de olhar os gastos públicos em plena pandemia, quando o mundo inteiro – até a União Europeia – faz pacote de ajuda para salvar empresas e empregos”, observa a ex-presidenta.

Aqui, a promessa de socorro financeiro de Paulo Guedes e Bolsonaro esbarrou na má-vontade de bancos e na própria burocracia. O dinheiro para crédito está empoçado e não chega aos micro e pequenos empresários. Daí o desconforto de agora. “Há segmentos importantes do mercado, obviamente, que podem vir a sair, mas que hoje ainda o sustentam”, destaca Dilma.

Vale lembrar que o governo destinou R$ 1,3 trilhão para o sistema financeiro, que bate recorde de lucros, mesmo com a economia brasileira afundando. Enquanto isso, falta dinheiro para microempreendedores individuais, pequenas e microempresas. E os recursos do auxílio-emergencial de R$ 600, destinado aos autônomos, informais e famílias do Cadastro Único saem a conta-gotas, mas não para todos. E 16 milhões de brasileiros aguardam o auxílio, que Guedes quer reduzir a R$ 200.

Nesta terça-feira, 2, parte da imprensa questionou a posição de Lula ao alertar os dirigentes petistas de que não é necessário garantir participação orgânica do PT em manifestos, se estes não tocam na questão da desigualdade e na recuperação de empregos e renda. Ou seja, não dá para falar em saída para a crise política se a formulação de outro modelo econômico a ser adotado não estiver presente na pauta da reconstrução nacional. Que país queremos?

Povo no centro do debate

O que Lula, Dilma e Gleisi ressaltam é que alianças democráticas são bem-vindas e devem ser estimuladas pelo PT, mas a legenda precisa construir uma frente que recoloque o povo no centro do desenvolvimento econômico e no projeto de reconstrução do país. “Estamos do lado do povo, não dá para compactuar com a agenda econômica que impõe arrocho e miséria à maioria da população”, diz a presidenta do PT.

Desde a saída de Dilma em 2016, quando o impeachment foi aprovado pelo Congresso mesmo sem a existência de crime de responsabilidade cometido pela então presidenta da República, a agenda econômica imposta ao país teve objetivos claros: desmontar direitos sociais e trabalhistas, assegurados pela Constituição de 1988, privatizar empresas estatais e submeter o pré-sal a interesses estrangeiros.

A legislação trabalhista, assegurada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) criada nos anos 30, foi desmontada no governo Temer sob o pretexto de que era hora de criar mais empregos. Veio Bolsonaro e aprofundou a mudança na legislação, retirando ainda mais direitos. Mas os empregos não vieram. Pelo contrário. O país tem 12,8 milhões de desempregados agora. E mais de 40 milhões de brasileiros na informalidade. Pior. Quase 5 milhões de pessoas perderam postos no mercado de trabalho, incluindo o informal, com a pandemia.

E o que propõe o governo para reverter o quadro? Mais “reformas estruturais”, tal qual a previdenciária, sugerida por Paulo Guedes em 2019, aprovada pelo Congresso em seguida, aplaudida por parte da mídia, que detonou aposentadorias sem entregar uma melhora da economia. Nem a propalada economia nos cofres públicos foi conseguida.

Gleisi Hoffmann: “Estamos do lado do povo, não dá para compactuar com a agenda econômica que impõe arrocho e miséria à maioria da população”

Nau sem rumo

O Brasil de 2020 – com o autoritarismo de Bolsonaro, a submissão do país aos interesses dos Estados Unidos e o aumento da desigualdade, como apontam o IBGE e a FGV – é resultado direto da saída de Dilma do poder e do modelo econômico em vigor nos últimos quatro anos, que só trouxe mais pobreza, aumento da desigualdade e piora nas condições de vida do povo.

Antes da pandemia, cerca de 100 milhões de brasileiros viviam no país com R$ 413 por mês. E a situação social só piorou de março para cá, quando o país passou a enfrentar o flagelo do governo Bolsonaro-Guedes combinado com a paralisia da atividade econômica por conta da pandemia. E agora, em plena curva ascendente do contágio, Bolsonaro pressiona estados e municípios a reabrir negócios, sem ligar para as 30 mil vidas perdidas, e sem planos para conter a expansão da doença, que atinge mais de 500 mil brasileiros.

Manter a política econômica atual, sem ao menos se propor a discutir a necessária retomada de investimentos públicos como forma de minimizar os impactos do Covid-19 sobre o país e a economia, é manter a rota do país para o abismo. Não haverá futuro a ser discutido se o país permanecer na direção do precipício com Jair Bolsonaro e Paulo Guedes no timão. Como disse Lula, há poucas semanas, em entrevista à emissora argentina C5N, o Brasil é hoje uma nau sem rumo.

Da Redação

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