Nilmário Miranda: O recado das urnas

Ex-secretário de Direitos Humanos analisa os resultados das eleições municipais de 2020, fala das dificuldades do PT e dos desafios que a legenda e as esquerdas têm pela frente. “Há imensos desafios para 2022. O PT, como a principal força da esquerda, tem maiores responsabilidades e não vai se omitir. O Brasil precisa de um PT forte, preparado e na linha de frente”, afirma

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Nilmário Miranda: "É inegável o agressivo sentimento antipetista, visível na reação silenciosa de recusar o debate político e um aparente cansaço de ver tudo igual num horizonte sem possibilidades de mudança"

Nilmário Miranda

O que aconteceu com a esquerda? A esquerda se recuperou parcialmente e isso não depende de corroboração da grande mídia. Alguns dados: a esquerda teve 16% dos votos em São Paulo em 2016, cidade na qual não houve segundo turno, e teve 40% dos votos agora. O segundo turno em Porto Alegre em 2016 foi entre a direita e a centro-direita, já nesse ano a esquerda teve 45% dos votos. Em Fortaleza derrotou o candidato da extrema direita. Além disso, o PT esteve no segundo turno em quinze cidades e ganhou 4, uma taxa baixa de 27% de sucesso. Só que em 2016 ela foi zero. A isso devemos somar a vitória do Psol em Belém, o que dá à esquerda um desempenho muito melhor em 2020 do que em 2016, onde ela elegeu entre as 100 principais cidades do país um prefeito, o de Rio Branco.

O que então criou esse sentimento de derrota? Penso que foi o fato de ter chegado tão perto de algumas vitórias que não aconteceram. E aqui temos um fato novo: o centro está disposto a utilizar o arsenal que a extrema direita criou, fakenews, moralismo religioso e acusações de corrupção. A esquerda concorreu com o centro sem se preparar para isso, e esse foi o motivo de derrotas evitáveis que não tornam a esquerda perdedora nessas eleições.” (Trecho de texto do cientista político Leonardo Avritzer publicado no Facebook do autor).

As vitórias de Marília Campos e Margarida Salomão jogam por terra a suposta decadência do PT mineiro. Vêm se somar às reeleições nas duas maiores cidades governadas pelo PT: de Luizinho, em Alfenas, e Daniel Sucupira, em Teófilo Otoni. A eleição do Dr. Laércio em João Monlevade, cidade da melhor tradição na construção da CUT e do PT, é auspiciosa. Ganhamos eleições em Lima Duarte, Luz, Acaiaca, Divino, Itamarati de Minas, Bom Jesus do Galho, Imbé, Pavão, Crisólita, Frei Gaspar, Comercinho, São João da Ponte, São Romão, Manga, Espinosa, Juvenília, Sabinópolis, Cordisburgo, Pedra Bonita, Serranópolis e Campanha. O PT elegeu muitos vice-prefeitos, aliados, e vereadoras e vereadores. Disputou com coragem em centenas de cidades. O PT está de pé em Minas.

BH não é uma ilha. Aqui, em Betim, Ribeirão das Neves, Montes Claros, Uberlândia, Governador Valadares, Vale do Aço, tivemos reeleição de prefeitos que possuíram conduta minimamente responsável, sem dificuldades. As regras eleitorais favoreceram a reeleição: campanha encurtada para 42 dias, tempo reduzido de TV, a decisão das emissoras de não realizar debates, pulverização de candidaturas (em BH foram 16!). Eleições sem participação popular, apáticas, despolitizadas.

Felizmente, o bolsonarismo enfraquecido teve derrotas. O candidato apoiado por Bolsonaro teve apenas 11 por cento em BH. Procuramos falar do desemprego, da carestia dos alimentos e do gás, da redução do auxílio emergencial, do fim dos programas de moradias, das privatizações e suas consequências nefastas para BH, dos ataques a democracia. Tinha que ser feito, mas teve pouco impacto eleitoral. Prevaleceram os temas locais.

Falei do vice, que assumiria com a possível candidatura do prefeito ao Governo. Mas não se deve subestimar a vitória do prefeito. Nem a prevenção das enchentes, a péssima gestão nos transporte público, o encolhimento da escola integral (sobretudo prejudicando as crianças de O a 6 anos), suas falhas na saúde, o esvaziamento das regionais, a ausência de participação popular. Fizemos uma campanha propositiva no escasso 1 minuto e 4 segundos. Mesmo assim, o prefeito foi reeleito sem apresentar um projeto para a cidade.

É inegável que o PT sofre uma paulatina exaustão do protagonismo em BH. Temos a memória de quatro administrações exitosas e políticas públicas consistentes. Contudo, os registros eleitorais apontam para cadente desempenho eleitoral em disputas proporcionais. Isso deriva de muitas razões.

É também inegável o agressivo sentimento antipetista, visível na reação silenciosa de recusar o debate político e um aparente cansaço de ver tudo igual num horizonte sem possibilidades de mudança. O PT deixou de expressar isso, as alternativas não contagiaram e o antiapetismo estendeu-se a um sentimento antiesquerda.

Como se sabe, fui convidado a me inscrever como pré-candidato dois dias antes do prazo, e eleito em 4 de julho com 80% dos delegados pelas mesmas regras usadas por todos, inclusive para Marília e Margarida. O PT de BH tinha aprovado, por unanimidade, a tática eleitoral que segui integralmente. Candidatura própria, a busca da frente de esquerda. Todas as reuniões com UP, PSOL, PCdoB, PCB, Refundação Comunista foram realizadas com as presenças do presidente do PT e membros da Executiva.

Reunimos com nossas Regionais, candidatos/as a vereadores/as, com sindicalistas, militantes LGBTQIA+, mulheres, juventude, negros, ambientalistas, usuários de transporte público, povo da luta pela moradia, delegados do Orçamento Participativo, e outros setores organizados da sociedade belo-horizontina.

Mergulhei na produção do Programa de Governo, iniciada desde Arnaldo Godoy. Buscamos incansavelmente a reconexão com as periferias, com nossa base eleitoral e partidária. Defendemos nosso grande legado das 4 administrações em Beagá. Outra missão era a unificação com as correntes internas, com as forças, com nossos deputados estaduais e federais, sobretudo com os que são de BH. Todos gravaram apoio, exceto um.

A escolha da vice Luana mostrou-se uma decisão correta e democrática. O Diretório Municipal, com as regionais, montou uma chapa com 49 candidatos. Não chegamos aos 62 possíveis, mas superou os 29 de 2016. Sem eles não teríamos a eleição das duas vereadoras.

Apuramos, por pesquisas, que haveria cerca de 10 por cento de pessoas em BH que se declaram petistas, mas, que mais de 50 por cento votariam no prefeito. Essa parcela de petistas não deve ser desconsiderada. Tem relevância crítica e sua adesão a um projeto decididamente limitado não pode ser negligencia de vez que colide com a história do PT, com o modo petista de governar e com a construção de uma sociedade justa e igualitária.

Uma parte menor preferia Áurea – nunca buscamos mudar esse voto, por se tratar de companheira de esquerda. Orientamos nossos programas na TV e redes para trazer esses eleitores, mas não conseguimos. De todo modo, cerca de 16 mil não votaram em mim, mas votaram em vereadores do PT. Produzimos propostas que deveriam ser defendidas, como a renda básica municipal, a moeda social, as propostas para as pessoas em situação de rua, a volta das regionais, OP, ciclovias, a oposição às privatizações danosas a BH, nossas propostas para o pós-pandemia. Senti falta da juventude, do pessoal da cultura, achei que a participação da militância negra foi abaixo do potencial. Por outro lado, foi muito boa a participação das mulheres. Esses 25 mil filiados inscritos no TRE são cartoriais, creio que nem votem mais no PT.

De todo modo, fiquei gratificado com a eleição da educadora e militante negra Macaé Evaristo, e da companheira Sônia Lanski, defensora ardente do SUS (aliás, os votos de Bruno Pedralva e Enfermeiro Hudson mostram a militância do povo da saúde).

Há imensos desafios para 2022. O PT, como a principal força da esquerda, tem maiores responsabilidades e não vai se omitir. O Brasil precisa de um PT forte, preparado e na linha de frente.

Antes da pandemia tinha me comprometido a trabalhar com a Formação Política. Mantenho meu compromisso.

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