O Impacto da Concepção Machista na Subjetividade Feminino

Por Olívia Vieira Silva

Neste mês em que se comemora o dia internacional da mulher, constatamos que apesar dos avanços, o machismo perdura, de modo muito marcante em nossa sociedade. Mantém-se a divisão sexuada da mão-obra no mercado de trabalho, permeado pela divisão de classes. É notável a hierarquização sexista do poder institucional, observável, por exemplo, nos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas também em outras instituições públicas, sindicatos e partidos políticos. Quais os efeitos deste contexto na vida das mulheres e na sua subjetividade? Quais os avanços conquistados? E quais as perspectivas rumo a um futuro melhor?

A origem da concepção machista é o sistema patriarcal. Trata-se de um processo de construção social, política, cultural e ideológica de uma identidade feminina e masculina, segundo um modelo que apregoa a subordinação da mulher à supremacia do poder masculino. Esse Processo vai se estruturando nas práticas e atitudes materiais e na subjetividade coletiva e individual nas relações de poder e pela sua institucionalização. Nascemos fêmeas da espécie humana. O “Ser Mulher” é uma construção. O milenar machismo e patriarcalismo se refletem na concepção social sobre o papel da mulher na sociedade, o que leva a uma subestimação das potencialidades da mulher e à aceitação da velha divisão do trabalho por sexo e conseqüentemente do papel tradicional da mulher na família e na sociedade.

O feminismo hoje trabalha com o conceito de Gênero, como uma categoria de análise que procura entender a relação entre a mulher e o homem no seu contexto social e histórico, com o objetivo de desvendar as relações sociais que transformaram a fêmea da espécie humana em mulher oprimida, nos espaços da família, no mercado de trabalho, nas Instituições Públicas e Privadas e na subjetividade humana. Precisamos em um processo de reflexão coletiva responder algumas indagações: estamos conseguindo construir uma nova identidade? Qual é a identidade que queremos para nós, para nossos filhos e nossas filhas?

Evidentemente a situação da mulher na sociedade se insere num contexto maior de divisão desta mesma sociedade em classes sociais, cada classe definida por sua relação com as demais, com relações de interesses antagônicos, hierarquizados e com poder que se expressam em lutas de classes. É o reconhecimento das desigualdades sociais como formas de níveis de vida diferentes, bem como são diferentes os acessos aos meios de produção, à riqueza e ao poder político, com preferências e valores diferentes, com orientação para o consumo desigual e diferente.

A mulher sempre esteve presente na produção social, além de responder sozinha pela reprodução da espécie. Historicamente são várias as formas de participação da mulher no mercado de trabalho em cada momento histórico. Assim, no inicio da era industrial,quando houve a maior corrida da mulher para o mundo do trabalho,veja o pensamento dos patrões capitalistas modernos sobre o trabalho da mulher, expresso  no seguinte relato: “o Sr. E…, manufatureiro, emprega exclusivamente mulheres casadas, chefes de família, que tem em casa aqueles que dependem delas para seu sustento; elas são mais dóceis, são obrigadas a esforçarem-se o máximo para obter o indispensável à vida.”

Mas isso seria uma questão perdida  nos confins do tempo?  Pelo contrário, no Brasil, hoje, pesquisas indicam que mulheres ganham menos que os homens, mesmos quando ocupam funções iguais e com mais escolaridade. O mais recente censo demográfico do país, também, mostra que o rendimento médio salarial das mulheres é cerca de 30% inferior à dos homens, muitas vezes para o mesmo cargo. A contribuição das mulheres representam 58.5% da força de trabalho no mercado, enquanto os homens representaram 41.5%(IBGE 2011 a 2012).

As mulheres foram excluídas do “Mundo Público e Político” fundado na razão e no poder. Existem áreas consideradas próprias da condição masculina, reconhecidas e valorizadas socialmente: economia, órgãos executivos e administrativos, parlamento, direção de sindicatos, partidos políticos. A eleição de uma mulher para Presidência da Republica é o fim para muitos, mesmo na subjetividade. Como se trata de uma mulher de esquerda que não se entregou e reafirma seus compromissos ao lado dos trabalhador@s e pelos mais pobres, e busca consolidar o Estado Democrático de Direito, desperta nos neoliberais, nos mais ricos e nos fundamentalistas a fúria odiosa. Assim, vivemos um cenário de opressão de classe e de gênero, às vezes manifestada na subjetividade.  As mulheres que se engajam e enfrentando os desafios ocupam estes espaços, acabam por assumir a posição de ruptura com o arquétipo da mulher ou com a essência da alma feminina, da sua subjetividade e com a subjetividade coletiva que foram construindo em meio ao mundo, de que este lugar não as pertence.

Mesmo com varias conquistas, após lutas milenares, “a sociedade continua organizada como se nada estivesse acontecendo, como se a mulher estivesse apenas em casa”, segundo Rosiska Darcy de Oliveira.

A mulher convive com uma cobrança maior por resultados no seu espaço de atuação, seja ele no mundo do trabalho, do poder político e assume a maior responsabilidade pela criação dos filhos e do lar. A dupla jornada representa a sobrecarga de trabalho, o eterno dilema trabalho x maternidade, trás um desconforto existencial na sua subjetividade causado pelo sentimento muitas vezes de culpa, resultando em manifestações de distúrbios como síndrome de pânico, depressão, stress e doenças cardiovasculares.

Nesse contexto cabe perguntar: quais os avanços conquistados? Há varias conquistas fruto da organização e das lutas centenárias das mulheres: o direito do Sufrágio Feminino, em 1932; a licença maternidade, no Estatuto da Mulher, em 1937; a Constituição de 1988 garantiu varias reivindicações históricas primordiais para a libertação da mulher. Destacamos ainda, que nos Governos Lula e Dilma ampliou-se a criação de organismos institucionais e de controle social para formulação de políticas públicas que foram implementadas com gestão transversal para garantir direitos, em vários setores: educação, saúde, habitação, trabalho, segurança pública, assistência social. Setores estes, até então, com maior impacto negativo na vida das mulheres, como consequência da prática do modelo capitalista neoliberal no Brasil, por várias décadas.

Os avanços não se resumem apenas às conquistas de direitos constitucionais: o combate à opressão, a violência e o resgate da consciência da mulher acerca do seu exercício pleno da cidadania e do seu papel na sociedade no processo de desconstrução de conceitos e preconceitos, de valores e práticas predominantemente machistas que levam a desigualdades explícitas entre homens e mulheres e na subjetividade individual da mulher e na coletividade social.

Neste mês de março de 2015, constatamos avanços, mas ainda, temos muito a alcançar e precisamos lutar por transformações estruturais que levem à igualdade econômica, política e social da mulher e conquistar o fim da violência, opressão e exploração explicita e subjetiva, para que homens e mulheres passem a compartilhar do mesmo modo e igualmente todas as modalidades de trabalho produtivo, os espaços de poder e reprodutivo, respeitando as diferenças.

Olívia Vieira Silva foi vereadora em Goiânia (GO), secretária municipal de Desenvolvimento Econômica, presidente da  Associação Brasileira de Enfermagem – Goiás (ABEn-GO) e diretora da Central Única dos Trabalhadores

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast