Padilha: Águas de março chegando ao sertão

Em artigo publicado na Revista Fórum, Padilha escreve sobre as manifestações do dia 15 de Março e a inauguração popular da transposição do São Francisco

Ricardo Stuckert

Ex-presidente Lula e ex-ministro Alexandre Padilha

E o Brasil está voltando a sonhar. Na última semana duas imagens foram particularmente emocionantes para mim, e tenho dificuldade de escolher qual delas comentar. A multidão na Avenida Paulista lutando contra o fim da aposentadoria e dos direitos trabalhistas ou a multidão em Monteiro, na Paraíba, se esbaldando nas águas que chegaram ao sertão nordestino com a inauguração popular da transposição do Rio São Francisco. Ambas estão interligadas, não só pela predominância do vermelho ou pela presença de Lula, mas porque fazem parte de uma mesma aposta para o desenvolvimento de um país de renda média ainda muito pobre como o Brasil: só seremos um país grande se colocarmos o nosso povo no centro do projeto nacional.

Reduzir a desigualdade é o maior desafio para um ciclo sustentável e duradouro de desenvolvimento do Brasil. Esse foi o conceito cunhado por empresários, trabalhadores, academia e movimentos sociais reunidos no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, ao que tive honra de presidir quando fui ministro da Coordenação Política do presidente Lula.

Essa era abertura da chamada ‘Agenda Nacional de Desenvolvimento’ consensuada por representantes tão díspares dos estratos econômicos, sociais e regionais brasileiros ali reunidos. Proteger a aposentadoria pública, a seguridade social e apostar no Nordeste brasileiro são versos do mesmo cordel. Foi lindo demais ver o povo e Lula, sacudindo para o alto as águas do velho Chico chegando à Paraíba.

Sou filho de Alagoana. Isso por si só já me garantia o prazer de anualmente passar parte das minhas férias no aconchego e ganhando os cheiros de meu avô. Mais do que isso, no início da minha infância, durante a ditadura militar, para fugirmos da repressão, minha mãe botou uma mala em um braço e este ainda menino do outro e vivemos alguns anos entre Maceió e a pequena cidade de Paulo Jacinto, recebendo a solidariedade nordestina. Na universidade, o Nordeste era o destino da maioria dos nossos encontros estudantis e congressos acadêmicos, pela sua combatividade, atuação de tantos especialistas em doenças infecciosas, que é minha área de atuação, e pela beleza da região.

No período que servi aos governos Lula e Dilma, até por orientação clara de ambos, seja quando fui responsável pela articulação federativa, onde acompanhava pessoalmente os desafios dos prefeitos e governadores do Nordeste, ou quando fui ministro da Coordenação Política e ministro da Saúde, onde vi o programa Mais Médicos mudar realidades de unidades antes esquecidas, os olhos, coração e alma de todo o governo estavam sempre atentos as soluções a serem construídas para os desafios do Nordeste. Não à toa derramei-me em lágrimas quando vi a alegria do povo quando as águas chegaram ao sertão.

Até Fernando Henrique Cardoso um dia reconheceu que Lula e o PT foram melhores para o Nordeste. Temer e seus amigos ainda não tiveram essa hombridade. No período de 2003 a 2013 o Nordeste cresceu quase 30% a mais (4,1%) do que a média nacional (3,3%). Em 2002, 28% da população nordestina era classificada como classe média, isso atingiu 45% em 2012. A chamada classe A saiu de 5% para 9% da população. Neste mesmo período, dobrou o número de empregos formais na região e mais que triplicou o numero de estudantes universitários, de 413 mil para 1,4 milhão. Ampliou-se a universalização do ensino e jovens cabeças nordestinas passaram a ocupar as melhores posições nas Provas Brasil, Enem e vestibulares concorridos, como o do ITA.

Projetos de infraestrutura parados ou negados em governos anteriores saíram do apelo e começaram a recuperar o atraso de anos de abandono. Novas empresas se instalaram na região, inclusive no Parque de Tecnologia de Informação, indústrias de saúde e do setor de alimentos. O turismo teve um grande salto, gerando empregos e novas aproximações com a cultura nordestina. Nada como algo isolado, mas sim resultado de uma aposta estratégica de um ciclo de desenvolvimento iniciado por Lula.

Durante o governo, presenciei inúmeras tentativas de convencerem Lula de desistir da obra da transposição do Rio São Francisco. Quantas vezes ela nos transformou em tema de contenciosos, disputa política e ataques por parte de muitos que, agora, tentam colher seus frutos. Mas Lula nunca desistiu. Reformulou o projeto, agregou o conceito de revitalização, incentivou o debate com movimentos locais, estruturou sala de situação para cobrar a execução da obra e até um ministro carioca-baiano-judeu foi enviado para mediar e encerrar greve de fome de um padre contrário à obra. E esta lá, o que muitos diziam que era impossível ou ficaria inacabado, já mudou a paisagem da região. Não apenas os dados de avanços econômicos e sociais, mas a conclusão desta epopeia, mencionada pela primeira vez no segundo império, só nos faz ter certeza de que o povo brasileiro pode superar toda e qualquer dificuldade e suas crises.

Há dias aqui escrevi que estava na hora de Lula ajudar o Brasil a voltar a sonhar. E coincidentemente dizia que tinha que começar pelas margens da transposição do Rio São Francisco. E não podemos parar na festa memorável de 19 de março de 2017, no sertão nordestino. É necessário que os governadores que estavam lá, os parlamentares, as entidades, os movimentos, o povo, dediquem-se ao debate. O que podemos mudar mais com a nova paisagem naquela porção do sertão nordestino? Como continuar avançando? Quais apostas para o desenvolvimento da região? O que mais superar? Que arranjos institucionais para dar sustentabilidade e velocidade aos projetos? O que fazer da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), do Banco do Nordeste? Como os bancos públicos e as sete universidades criadas podem olhar para essa nova realidade? Já mostramos que podemos ir, sim, além.

Do ponto de vista político, foi uma semana de reunião de um determinado campo no país. Aquele que defende a solução democrática, que quer um país menos desigual e sem privilégios. Na Avenida Paulista estavam reunidos, depois de muito tempo, as várias centrais sindicais, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. No sertão, Lula, Ciro, Ricardo Coutinho, parlamentares do PCdoB.

Mas mais importante do que isso, com as duas imagens desta semana, este campo começou a furar sua própria bolha em que se meteu no período de resistência ao golpe. Voltou a falar de uma linguagem, direitos e realizações que o povo entende. Em meio a tudo isso, o PT que um dia enquanto partido político protagonizou liderança deste campo anunciou que mais de 60 mil filados se inscreveram em chapas que disputam as direções desde o seu nível local. Mais uma vez, isso revela o enraizamento desta força política brasileira.

Como transformar este enraizamento para, junto com outras forças políticas deste campo democrático e popular, voltar a apresentar um projeto para o Brasil e uma estratégia para a sua implementação? De novo aparece Lula, o melhor nome para presidir a nova direção do PT que deve sair deste Congresso. Está na hora de Lula unir o PT para ajudar nosso povo voltar a sonhar.

Por Alexandre Padilha, publicado originalmente na Revista Fórum.

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