Paim pede que golpistas devolvam a Previdência aos trabalhadores
Em entrevista, senador protesta contra o desmonte das estruturas de Estado criadas nos governos do PT para construir políticas públicas inclusivas
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Em meio às mudanças iniciais que o governo golpista de Michel Temer impôs à sociedade brasileira, a que incluiu o Ministério da Previdência no rol de atribuições do Ministério da Fazenda representa a vitória da lógica financista no tratamento da Seguridade Social.
Na prática, é submeter as decisões sobre a Previdência aos interesses econômicos poderosos que querem restabelecer no Brasil o receituário neoliberal. O senador Paulo Paim (PT-RS) protesta: “Devolvam o Ministério da Previdência aos trabalhadores”.
“O Ministério não é de vocês [os golpistas] para destruírem como estão fazendo, transformando-o num puxadindo do Ministério da Fazenda”, diz, pontuando claramente os interesses de classe em conflito no processo que culminou com o golpe.
Paim está há 30 anos no Congresso Nacional. Deputado federal constituinte, em 1988, ele lamenta o processo de impeachment contra a presidenta eleita, Dilma Rousseff, sem nenhuma prova de crime de responsabilidade, e critica a parcialidade que mira o Partido dos Trabalhadores e o transforma em alvo de violência.
“Olhando a conjuntura toda, os maiores envolvidos não são do Partido dos Trabalhadores. Na escala, vem PMDB, PP, PSDB e outros”, afirma. “É um quadro muito preocupante a forma como o PT é atacado como se fosse culpado de todos os males. Fizemos muito mais acertos que erros ao longo dessa caminhada. Ninguém fez tanto pelo povo e pela nossa gente como nós do PT e a Frente Brasil Popular.”
O senador concedeu entrevista à Agência PT e avaliou que é preciso ampliar o debate, os encontros, os atos e as manifestações para oxigenar o país contra o golpe. “O que querem é que não se debata política para eles continuarem a defender somente o interesse da elite deste país”, diz.
E o prisma do debate, segundo Paim, é comparar os modelos e as prioridades dos governos do PT com as ações do governo golpista. “Vamos mostrar nos debates que faremos daqui para frente: o que surgiu no nosso governo e o que surgiu no governo deles. Por exemplo: ProUni. Quando o filho do negro, pobre, trabalhador iria para a universidade?”.
Estatuto da Igualdade Racial, da Pessoa com Deficiência, do Idoso, propostas de reforma política e as tentativas de silenciar o debate sobre o golpe também fizeram parte do cardápio da entrevista com Paulo Paim. Leia a íntegra a seguir:
O sr. foi deputado constituinte em 1988. Como vê o atual processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff que golpeia a Constituição Cidadã?
Esse processo ataca a Constituição de forma contundente e o próprio processo democrático. Ver a democracia como está hoje é triste para nós que estamos há 30 anos no Parlamento. Acompanhei aqui dentro todo esse tempo, e este é, sem sombra de dúvida, o Congresso mais conservador de todos os tempos.
Um Congresso fisiologista, oportunista, cuja maioria não tem compromisso com nosso povo, nossa gente, com as causas de combater preconceitos, do mundo do trabalho, dos aposentados, dos deficientes, dos idosos, das políticas de igualdade, as políticas que respeitam a história bonita das mulheres.
Houve erros, e precisamos fazer uma autocrítica, mas isso não quer dizer que milhões de militantes e dirigentes que não têm nada a ver com esses erros sejam também criticados, atacados. Até porque, olhando a conjuntura toda, os maiores envolvidos não são do Partido dos Trabalhadores. Na escala, vem PMDB, PP, PSDB e outros. É um quadro muito preocupante a forma como o PT é atacado como se fosse culpado de todos os males. Fizemos muito mais acertos que erros ao longo dessa caminhada. Ninguém fez tanto pelo povo e pela nossa gente como nós e a Frente Brasil Popular.
Há relatos de cerceamento do debate sobre o golpe nas escolas e até numa universidade em Minas Gerais houve esse veto. Que prejuízos isso traz ao futuro do país? As pessoas estão percebendo esse processo de silenciar o debate?
Percebo que está havendo uma mudança, a sociedade está percebendo que esse ataque à democracia tão forte, truculento, é ruim para o presente e para o futuro. Fiz um discurso na tribuna de denúncias que recebi de Minas Gerais, Paraná, diversos Estados, de que querem proibir nossa juventude de discutir política dentro das escolas.
Saúde é política, Educação é política, Infraestrutura é política, debater a corrupção é política. Vamos ter uma juventude castrada, amordaçada, como foi no passado na ditadura?
É isso que nós queremos? Dar um outro visual para ditadura? Não permitir que nosso povo conheça mais, mais cultura, tenha mais entendimento de para onde nosso país está indo, que a juventude tenha mais participação? É como se política fosse uma coisa feia, mas não é. O que querem é que não se debata política para eles continuarem a defender somente o interesse da elite deste país.
O sr. preside a comissão de Direitos Humanos num momento de interrupção do processo de expansão de políticas na área. Como a comissão pode atuar para que as conquistas em direitos humanos não sejam comprometidas?
Temos feito nosso papel. A partir do momento em que percebi um ataque violento à democracia, comecei a fazer debates, fiz mais de 40 debates, com o título “Saúde e democracia”, “Terceirização e democracia”, “Trabalho escravo e a democracia”, “As cotas e democracia”…e fomos aprofundando.
Trouxe a juventude para debater na comissão, os idosos, os servidores públicos. A Comissão de Direitos Humanos cumpre esse papel, embora eles não queiram, de ser uma tribuna livre para que as pessoas demonstrem como estão vendo este momento nacional.
Fui aos 27 Estados, não deixei de ir a um Estado, fazendo questão de ir à Assembleia Legislativa, porque com seus acertos e erros, o Legislativo é o coração da democracia. Ruim com o Congresso, pior sem ele.
Em cada assembleia, participaram deputados, vereadores, prefeitos, senadores e muito movimento social. Todas as centrais, federações, congregações, associações, servidores, juízes, promotores, procuradores, todos participaram desse debate. E querem que voltemos para fazer esse debate e incorporando o ataque à Previdência. Um desmonte.
Já discuti na minha vida parlamentar como melhorar a vida dos idosos, de quem se aposenta. Agora estou discutindo manter o Ministério da Previdência. Eles acabaram com o Ministério da Previdência, transformando-o num puxadindo do Ministério da Fazenda. Isso está levando a uma mobilização muito grande.
Nunca vi tanta frente como agora no Congresso, são tantas frentes que estou chamando de Frente Ampla Brasil em favor da Democracia, porque cada lugar que vou tenho que falar de todos os temas.
O sr. mencionou a sanha de ataque do governo golpista à Previdência…
Nosso objetivo não é nem avançar, é resistir. É não deixar que esse governo provisório, que chega pela terceira vez pela porta dos fundos, eles sempre chegam assim, nunca chegam pelo voto direto, é não deixar que continuem o ataque a direitos.
Se pegar a Reforma da Previdência que querem, já falam em 70 anos para aposentadoria. Se for isso, ninguém mais se aposenta, porque a média da aposentadoria nacional, praticamente ninguém vai se aposentar depois dos 70 anos. Se pegar o Norte e o Nordeste então, nem pensar que as pessoas vão chegar aos 70 anos.
Querem desvincular o PIB do salário mínimo, uma pelea [briga] de tantos anos que fizemos, que foi costurado com as centrais nos governos Lula e Dilma. Eu fazia greve de fome por salário mínimo de 100 dólares e chegamos a 300 dólares numa época. Claro que isso alavancou, ajudou a tirar da miséria milhões de brasileiros.
Agora querem retirar o PIB de qualquer jeito [do cálculo do salário mínimo], principalmente dos aposentados e pensionistas. Mas se deixarmos, eles tiram dos aposentados e de quem está na ativa também. Dentre os aposentados, 80% ganha o salário mínimo, então, é fundamental que tenham o reajuste pelo PIB.
E o pior de tudo é que estão desconstituindo o Ministério da Previdência e criando uma visão de que o que interessa é somente as finanças. Por trás disso tem o sistema financeiro.
A partir do momento em que desconstitui um instrumento importante de atendimento ao social, que é principalmente o Ministério da Previdência, incentiva as pessoas a irem para a previdência privada. Depois acontece como no Chile, na Argentina e no próprio Estados Unidos, quem entrou nessa se deu mal.
Como estão sendo percebidos pelos trabalhadores os ataques aos direitos trabalhistas e à Previdência?
Isso é muito transparente, o povo demonstra com muita clareza que sabe o que está acontecendo. E esse é o debate que temos que estimular. Se avançamos do ponto de vista dos trabalhadores, foi fruto principalmente dos governos Lula e Dilma.
Avançamos na Previdência, os inúmeros dados mostram. Nunca fui tão chamado pelo Brasil para tratar desse assunto. Isso não é apenas comigo, é com todos os que tratam desses assuntos. Foi uma unanimidade para os trabalhadores.
Dou um testemunho pelos pedidos que chegam, esse movimento não tem controle e não tem que ter mesmo. É preciso fluir. Digo “façam todos os eventos que puderem fazer sobre democracia”. Há mais de 180 postos da Previdência ocupados. Por quê? Porque a população está preocupada com o prejuízo que está tendo. Devolvam o Ministério da Previdência aos trabalhadores, o Ministério não é de vocês para destruírem como estão fazendo.
O governo golpista de Michel Temer planeja atacar direitos dos trabalhadores através de uma reforma trabalhista sem discussão e que passa a conta para o trabalhador. Essas medidas devem vir com força adiante. Como se posicionar frente a essa avalanche para cima do trabalhador?
Pelo Diap, temos 63 projetos de ataque aos trabalhadores que estão tramitando. Essa base conservadora foi preparando o lastro e o alicerce para o golpe. Para que quando o golpe viesse, já estivessem com os projetos em andamento.
Mediante a esse número, se aqui somos minoria, é trabalhar de fora para dentro. Fazer assembleias nos sindicatos, fazer atos populares, fazer debate nas câmaras de vereadores, para que com o movimento, trabalhando pelas redes, trazer a população para o debate.
A população tem que saber que estão retirando direitos. Por exemplo, o corte nas políticas de mulheres, mostra que não tem nada a ver com lidar com as diferenças, combater a intolerância. É uma mudança radical em relação ao governo que tínhamos antes.
Que compromisso têm esse governo com a reforma agrária, com os terras, os sem teto, os negros, os índios, as mulheres, com os deficientes? Áreas que nós trabalhamos.
Tenho orgulho de dizer que foi nos governos Lula e Dilma que aprovamos os Estatutos da Igualdade Racial, da Pessoa com Deficiência, da Juventude, a política de salário mínimo, a lei dos autistas, projetos como ProUni, cotas. É isso que eles não aceitam. Avançamos na questão dos quilombolas, na questão da reforma agrária, no número de universidades, Luz para Todos.
O que está por trás do golpe é que estávamos avançando muito no social e melhorando a qualidade de vida, da classe média para baixo principalmente. O que eles querem é garantir mais lucro e riqueza para os que são bilionários. Esse é o grande confronto que temos no país e levou a esse gesto oportunista.
Ninguém acreditava nesse impeachment, nem deputado, nem senador. E quando os deputados do PT, corretamente, disseram que iam votar contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética, ele instalou a comissão do impeachment. E aprovou.
Veja a que ponto chegamos de um Congresso irresponsável que permitiu que, num ato de vingança, se chegasse a afastar uma presidenta eleita legitimamente pelo povo com 54 milhões de votos. Imagine isso em qualquer país do mundo em que impere a democracia, como aqui imperava, por uma questão econômica, o presidente é afastado do dia para a noite por uma maioria eventual. Então, não é uma democracia, é uma república de bananas.
O processo no Senado evidenciou a falta de provas contra a presidenta Dilma. O sr. acredita que os senadores irão se motivar pela defesa da Constituição?
Desde o início, a falta de provas ficou clara. Vi todo o debate na Câmara e só 17 falaram em pedaladas e em decreto. Pedaladas essas que o relator aqui no Senado [Antonio Anastasia, do PSDB-MG] quando era governador praticou.
Não tem nada que prove nos autos do processo que houve crime de responsabilidade. Inventar se inventa contra qualquer pessoa, mas tem que provar. E no processo não há nada que incrime a presidenta Dilma. E eles sabem, eu converso com eles, e eles dizem que a questão é política.
Como numa questão política se faz uma injustiça desse porte? Primeira mulher presidenta eleita neste país ser afastada, num ato de vingança política de uma personagem. Cinco senadores disseram que a questão de mérito seria verificada depois.
Com a máquina montada pelo governo que entrou pela porta dos fundos, e que nunca chegaria lá com a “ponte para o inferno”, nunca seria eleito, não sabemos o que pode acontecer.
Estou num grupo para a reforma político-partidária que inclui a convocação de uma assembleia exclusiva de notáveis, com vida ilibada, ficha limpa, que seriam eleitos em 2 de outubro para elaborar uma reforma política. Assim, teríamos em 2018 um outro marco, uma outra matriz, para não reeleger um Congresso como o que está aqui lamentavelmente.
O sr. é autor da PEC 15/16, que altera o sistema político brasileiro. Quais os pontos centrais dessa proposta?
É uma proposta que divide por quatro o número de parlamentares, o que dá 128, que seriam eleitos exclusivamente para fazer a reforma. Não poderiam concorrer depois de concluído o processo, de seis meses de trabalho, teriam que ser ficha limpa e não poderiam ser parlamentar, nem prefeito, governador. Enfim, não ter cargo no Executivo, nem no Legislativo.
A partir daí, começaríamos a construir a proposta, só fiz a estrutura daqueles que seriam eleitos para a reforma. Poderia passar por um referendo depois essa proposta. Eu me convenci, por tudo o que tenho visto, de ter o Executivo com mandato de cinco anos sem reeleição. E o Legislativo por cinco anos com reeleição.
Não vejo motivo de ter oito anos de mandato para senador e quatro para deputado, isso é coisa que vem lá de trás e foi mantida.
E, claro, não pode haver financiamento privado de campanha, que é uma porta para a corrupção. Muita gente usa o dinheiro para os interesses próprios, então, o financiamento privado é um absurdo. Fidelidade partidária. Estou me convencendo das listas, porque não atende o individual, é o coletivo que prevalece. Podemos avançar numa democracia mais sólida no Brasil.
O sr. mencionou o financiamento privado. O ministro do STF Gilmar Mendes deu declarações aventando a possibilidade de retornar o financiamento privado.
É um absurdo que isso possa acontecer, não acredito que aconteça, porque a população já percebeu. O que não pode é cada vez mais avançar no Congresso o número de parlamentares com compromisso apenas econômico. Pergunta quantos presidentes de central sindical tem aqui no Congresso? Deve ter um ou dois.
Agora, pega os presidentes das confederações de empresários. Deve ter mais de 20. Mais de 20 a dois. Veja como é a desproporção entre os líderes com poder econômico e os líderes dos trabalhadores.
O número de mulheres, com pessoas com deficiência também. Esse corte que unificasse a sociedade, permitindo que todos tivessem espaço dentro do Parlamento, não existe. São setores que, em comparação com os que chegam pelo poder econômico, chegam na campanha do tostão.
A Lei Federal 13.146/15, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, chamada Lei Brasileira de Inclusão, completou um ano no final de junho. Que avaliação se pode fazer dessa legislação e no que se pode avançar?
Tal qual o Estatuto da Igualdade Racial, o do Idoso e o da Juventude, o Estatuto da Pessoa com Deficiência é uma verdadeira revolução na forma de ver o outro. Na cidadania, nas pessoas com deficiência que estavam invisíveis e são 45 milhões de pessoas. Tudo fruto da nossa época, do nosso governo.
Tu acha que tinham aprovado se não fosse no nosso governo? O Estatuto da Igualdade Racial? Não tem nem negro, nem pobre nesse governo provisório.
Por isso, o sonho que sempre tive de aprovar esses estatutos e a política do salário mínimo, aprovamos, não ficou nada para trás. Isso vamos mostrar nos debates que faremos daqui para frente: o que surgiu no nosso governo e o que surgiu no governo deles.
Por exemplo: ProUni. Quando filho do negro, pobre, trabalhador iria para a universidade? O Estatuto da Pessoa com Deficiência é uma lei em que cada artigo é um direito, no campo da saúde, da educação, da acessibilidade, do transporte, nos prédios, nas ruas, no trabalho, o combate ao preconceito e à discriminação, tudo isso está no estatuto. As pessoas com deficiência passam a ser vista com outro olhar com o estatuto.
Por Camilo Toscano, da Agência PT de Notícias