Paulo Teixeira: Deixa o homem trabalhar
A justificativa para tamanho empenho em tirar Lula de campo não é acabar com a corrupção ou moralizar a política, mas dilapidar sua figura e desconstruir os avanços conquistados em seu governo…
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A justificativa para tamanho empenho em tirar Lula de campo não é acabar com a corrupção ou moralizar a política, mas dilapidar sua figura e desconstruir os avanços conquistados em seu governo
É preciso castigar Lula por seu atrevimento. De preferência com a morte. É o que pensam setores da sociedade imbuídos de ódio por um ex-presidente cujo único crime foi distribuir o poder da elite e promover uma revolução social sem precedentes no Brasil. Como Prometeu.
Prometeu foi um herói mitológico que ousou desobedecer a Zeus, o deus supremo do Olimpo, ao entregar o fogo aos humanos num momento em que somente os deuses tinham acesso a ele. Insubordinado, fez uma importante distribuição, não de renda, mas de conhecimento. Sentindo-se ameaçado, Zeus acusou o golpe. Temia que, dominando o fogo, a Humanidade pudesse se tornar tão poderosa quanto os deuses. Por isso era preciso punir Prometeu. Zeus condenou o herói atrevido a passar 30 mil anos acorrentado e imobilizado no monte Cáucaso. Todas as noites, uma águia vinha lhe bicar o fígado. Prometeu resistiu. A parte do fígado que lhe era abocanhada à noite regenerava na manhã seguinte. Até o dia em que Hércules lhe rompeu os grilhões. O fogo jamais foi confiscado dos homens.
É compreensível, embora inadmissível, que setores da sociedade irmanados com Zeus peçam a morte do ex-presidente. Uma comunidade no Facebook, intitulada Morte ao Lula, reunia 8.619 membros em 17 de setembro. Apesar de incitação à violência ser crime no Brasil, até agora naufragaram todas as denúncias e pedidos para que a comunidade seja retirada do ar. Ainda assim, Lula resiste. E, de acordo com os últimos exames médicos, está longe de sucumbir à ameaça.
O plano B é prender o Lula. A qualquer custo. Para isso, requentam-se denúncias de uma década atrás. Ou criam-se factóides. Crise? A culpa é do Lula. Corrupção? Só pode ter começado com Lula. A cada depoimento na Lava-Jato ouvem-se as mesmas perguntas. Quem comandava? Lula chefiava o esquema? Nada surge que o incrimine. Mesmo assim, estampam-se manchetes de jornais repletas de ilações. São as águias mordiscando Prometeu.
A polarização baseada em ódio e intolerância é tão grotesca que um delegado da Polícia Federal chegou a pedir que o ex-presidente seja intimado sem que pese contra ele qualquer prova ou indício. É evidente que se trata de perseguição. E uma perseguição em tudo perversa, porque não apenas constrange o perseguido como contribui para o clima de insegurança, gerando desconfiança do mercado internacional em relação à nossa economia e ampliando os efeitos da crise num momento em que a responsabilidade nos chama ao bom senso. Sobretudo, o delegado fere a ordem jurídica ao buscar os holofotes e pedir uma investigação com base em nada, adepto do golpe-ostentação.
A justificativa para tamanho empenho em tirar Lula de campo não é acabar com a corrupção ou moralizar a política, como dizem alguns oradores, mas dilapidar a figura de Lula e desconstruir os avanços conquistados em seu governo. A meta é afastar a ameaça de um terceiro mandato. Recentemente, malgrado todas as tentativas de incriminá-lo, abriu-se uma nova trincheira com o objetivo de estender-lhe o cartão vermelho. Uma PEC apresentada pela deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, busca proibir a reeleição no Executivo para mandatos descontinuados. Ou seja: um prefeito, governador ou presidente poderá ser reeleito para um segundo mandato contínuo, mas não retornará ao cargo. O foco é Lula: cassar-lhe um direito antes mesmo de sabermos se ele tem interesse na disputa. Porque, para alguns, nada assusta mais do que a volta do Lula. Os deuses do Olimpo sabem que, depois do fogo, há outros privilégios a distribuir.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 26 de setembro de 2015)
Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP) e vice-líder do governo na Câmara dos Deputados