Plano Real: 30 anos depois, Brasil ainda sofre os efeitos colaterais

Economistas citam eficácia do plano contra a hiperinflação, mas, ao contrário da mídia neoliberal, reconhecem que a medida trouxe juros altos, desindustrialização e desemprego

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Reverter os danos da política neoliberal é um dos compromissos do governo Lula

Os 30 anos do Plano Real, completados nesta segunda-feira (1), inspiram uma discussão sobre as consequências dessa política econômica para além do discurso neoliberal da mídia corporativa, limitado a festejar a importante conquista que foi a derrubada da hiperinflação. Afinal, todos os remédios, por mais eficazes que sejam, podem provocar efeitos colaterais. E com o Real não foi diferente.

Artigos e postagens nas redes sociais, por exemplo, afirmam que a estabilização dos preços trouxe alívio para a população, mas que o objetivo maior do Plano Real foi alinhar o país com os princípios do chamado “Consenso de Washington”, inseri-lo na globalização financeira e comercial, atendendo a interesses externos e das elites econômicas do país. Um modelo totalmente na contramão dos princípios da Constituição cidadã de 1988.

Uma das vozes nesse debate é a do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, ele reconhece que o Plano Real teve sucesso em acabar com a alta inflação, ao reduzir o grau de indexação da economia brasileira. 

O economista afirma ainda que a Unidade Real de Valor (URV) permitiu a saída de forma criativa e organizada da alta inflação inercial, sem congelamento de preços. Outro elemento crucial, segundo ele, foi a renegociação e a securitização da dívida externa pelo Plano Brady.

A herança dos juros altos

Mercadante lembra que, na preparação do Real, o governo renegociou a dívida externa velha, abriu a conta de capitais e elevou brutalmente o juro real, para evitar fuga de capitais domésticos e atrair capital de curto prazo, o que viabilizou a transição da URV para o Real.

“A valorização inicial do câmbio foi essencial para a rápida redução da inflação, mas trouxe um alto custo: o início da era de elevados juros reais. De 1994 a 1999, a taxa básica média de juro real foi de 22% ao ano”, pontua o presidente do BNDES, sobre um dos principais entraves ao desenvolvimento do país, persistente até os dias de hoje.

Mercadante lembra que, para atrair recursos externos e promover o ajuste fiscal, o governo de então, liderado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, liquidou ativos estatais por preços reduzidos, sem o planejamento de uma política industrial e sem avaliação estratégica dos desdobramentos. 

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De olho nas urnas

O economista afirma também que o lançamento e os efeitos do Plano Real sobre a inflação foram importante trunfo para a reeleição de FHC.  

“Depois de 30 anos, a história mostra que o Plano Real teve êxito ao reduzir a inflação, mas não em garantir a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Para reeleger FHC, a âncora cambial foi prorrogada, com a apreciação do câmbio e a deterioração das contas externas, empurrando o país para grave crise cambial, econômica e social”, diz o presidente do BNDES.

“Do lado financeiro, o déficit em transações correntes aumentou de 2,5% do PIB, em 1995, para 4,5% do PIB, em 1999. Do lado social, o arrocho monetário e fiscal produziu alta no desemprego, de 4,6%, em 1995, para 7,6%, entre 1995 e 1999”, sublinha Mercadante.

Ele lembra também que o governo FHC expôs o país a um ataque especulativo decorrente do desequilíbrio das contas externas, recorreu ao FMI e se submeteu ao “Consenso de Washington”. 

“Mesmo assim, não evitou nova crise cambial e novo pedido de ajuda ao FMI (2002), selando o destino dos governos do PSDB, que não venceram mais eleições presidenciais e amargaram uma crise partidária, agravada pelo apoio ao golpe de 2016 e pela adesão de lideranças ao bolsonarismo”, ressalta Mercadante.

Lula e a estabilização

O presidente do BNDES lembra ainda que “a estabilização do Plano Real só se completou no governo Lula, quando o país quitou a dívida com o FMI e começou a acumular reservas internacionais, que até hoje nos dão autonomia de política econômica”.

Já pelo lado fiscal, observa o economista, a estabilização está incompleta, pois “esgotaram-se as estratégias de queima de patrimônio público e de metas de resultado primário ambiciosas, que geraram uma política fiscal pró-cíclica que aprofundou as flutuações da economia”.

Mercadante acrescenta que, ao analisar o Plano Real, o PT reconheceu o mérito da desindexação da economia, mas denunciou a manutenção da âncora cambial, com a apreciação do câmbio e a deterioração das contas externas, e o elevado custo econômico e social, que precarizou a vida da população – um cenário que tem sido revertido pelas políticas públicas do governo Lula.

Cobertura parcial da mídia

Já o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, ressalta, em post na rede social X, que “os 30 anos do Plano Real têm sido notabilizados exclusivamente pela versão neoliberal na mídia comercial, sem sequer ocasionar constrangimentos, pois laudatória e acrítica, própria do pensamento único dominante no Brasil contemporâneo”.

O economista lembra que o lado neoliberal foi o grande vencedor da disputa travada no interior do governo Itamar Franco entre os anos de 1992 e 1994. “Mesmo sabendo que a história contada não contempla, em geral, a versão dos derrotados, cabe insistir no registro de que houve um outro lado, o social-democrata em disputa para além da estabilização monetária, a soberania do desenvolvimento econômico nacional”, escreve o presidente do IBGE.

Pochmann cita, entre os “derrotados” nessa disputa interna, os sociais-democratas na área social, como Walter Barelli, no Trabalho, Luiza Erundina, na Administração, e Jamil Haddad, na Saúde, além de Celso Amorim, nas Relações Exteriores.

Pochmann recorda que, àquela época, como assessor especial do ministro Barelli, acompanhou de perto a batalha em torno da montagem do Plano Real, quando dois aspectos principais nortearam as discussões e decisões acerca dos fundamentos originários da estabilização monetária almejada. 

“O primeiro, de natureza política, estava intrinsecamente vinculado à candidatura de FHC na sucessão de Itamar, quando Lula já liderava o cenário eleitoral. O segundo, de natureza econômica, seria consequência do primeiro, pois terminaria por aprisionar e condicionar –  para sempre – a estabilização monetária aos requisitos da elevadíssima taxa real de juros e da supervalorização cambial”, diz.

“Com isso, a trajetória econômica possível asseguraria a via da desindustrialização e, em consequência, a prevalência da desestruturação do mercado de trabalho e o adeus ao projeto de sociedade salarial protagonizada pela Era Vargas, com a precarização e a informalização generalizada das ocupações”, lembra o presidente do IBGE.

Ele acrescenta que, “enquanto a prevalência dos altos juros reais desde então garantiriam uma vida longa e tranquila ao rentismo, a supervalorização cambial patrocinaria a velha tese dos conservadores na política nacional definida pela ‘natural vocação agropecuária’”.

Segundo Pochmann, em pleno ano de 1994, o Plano Real concedeu ao lado neoliberal o poder de sufocar e massacrar o caminho social-democrata. “Para que pudesse oferecer resultados imediatos e favoráveis à campanha presidencial de FHC – que se mostrou vitoriosa, como se sabe, por sua estreita vinculação à contenção hiperinflacionária -, várias medidas de modernização democráticas foram deixadas para trás”, ressalta.

Como exemplo, Pochmann cita as proposições construídas na forma de participação tripartite no âmbito do Ministério do Trabalho, como a defesa da introdução do contrato coletivo, da representação por local de trabalho, da redução da jornada laboral, da ampliação das férias, entre outras propostas presentes na pretensão da regulamentação da Constituição Federal de 1988 e em continuidade do projeto de sociedade salarial.

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Sem milagre

Por sua vez, Pedro Rossi, economista e professor da Unicamp, afirma que não houve milagre algum com o lançamento do Plano Real, já que vários países latino-americanos estabilizaram no mesmo período histórico, em razão da disponibilidade de divisas externas. Ele cita como exemplo Argentina, México, Uruguai e Chile.

“A verdade é que o plano real falharia se fosse aplicado em meados dos 1980, pois a estabilização dependia de divisas estrangeiras para sustentar a âncora cambial”, afirma o economista, em post na plataforma X.

“A estabilização da inflação teve um alto custo. Os juros estratosféricos implicaram em um alto custo fiscal e moldou uma economia rentista. O câmbio excessivamente valorizado transformou a estrutura produtiva e desindustrializou o país”, pontua Rossi, lembrando que o governo ignorou alertas sobre o desequilíbrio externo e o aumento do passivo externo.

“Havia uma crença furada no ‘crescimento com poupança externa’ como se a melhora de produtividade viesse automaticamente da entrada de capitais externos. Dívida pública aumenta e se dolariza”, acrescenta.

Segundo o professor da Unicamp, “as comemorações efusivas dos 30 anos do Plano Real, no fundo, escondem a defesa do Projeto neoliberal”.

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Da Redação

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