Planos Populares de Saúde: acessíveis ou invisíveis?
“Nós que estamos a construir os SUS, nestes últimos 30 anos, temos como nos contrapor a essa estratégia econômico-financeira do setor saúde”
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A proposta de planos populares de saúde, divulgada já no início da invasão do Ministério da Saúde pelos golpistas, não tem sido proposta de fácil consolidação, quiçá de execução pelos próprios golpistas. A redução do tamanho do SUS, para eles, não foi suficiente com o congelamento do orçamento público pela Emenda Constitucional 95 (EC 95) querem agora gastar o que temos, precificando os serviços de saúde. Fazendo da saúde uma mercadoria, desconsiderando a saúde como direito humano.
Em agosto de 2016, foi constituída uma comissão para elaborar uma proposta de planos de saúde acessíveis, composta pela Agência Nacional de Saúde (ANS) e Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG). No início desse debate a ANS, dirigida pelo ex-presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNS) [1], posicionou-se contrária a essa intenção do ministro golpista. Veja que a CNS representa o setor privado da saúde que vende serviços para o SUS, que participa do Conselho Nacional de Saúde e que cotidianamente trabalha pelo aumento de recursos do SUS para o setor privado por meio dos reajustes de tabelas de procedimentos. Talvez temessem, neste momento, que a proposta trouxesse prejuízos ao setor.
Em setembro de 2017, um ano depois, a ANS, já com outro presidente à frente da agência, posicionou-se favorável a proposta sustentando-se em “pilares constitucionais “, informando que no SUS, a prestação de serviços de saúde no país está assentada em dois pilares básicos: Governo (esferas federal, estadual e municipal) e prestadores de serviços de saúde privados (lucrativos ou filantrópicos). Talvez tenham chegado a um denominador comum de como manter o repasse de recursos públicos para os prestadores de serviços, com ou sem planos populares.
Em abril de 2018, aconteceu um seminário sobre uma suposta e carcomida “ousadia” de propor um novo sistema de saúde para o Brasil, tendo como entidade promotora do evento uma tal de “Federação Brasileira dos Planos de Saúde (Febraplan)”, que nunca foi protagonista de formulação de políticas de saúde. Nós, que atuamos na área de saúde, não conhecemos, nem queremos conhecer.
Conhecemos, sim, a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), criada em 1963. A Federação Brasileira de Hospitais (FBH), fundada em 1966. A Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), criada em 1978. A Confederação Nacional de Saúde, criada em 1994. A Unidas Auto-Gestão em Saúde, criada em 2002. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), criada em 2007 [2].
Com tantas entidades a representar esse setor porque uma “Febraplan” vem apresentar uma proposta de sustentação do setor privado de saúde, pelo SUS, como uma chamada de “novo sistema”?
Os representantes do setor privado de saúde, no Congresso Nacional, velhos conhecidos, lideraram a aprovação da EC 95, que congela o orçamento da saúde por 20 anos. Como vão pedir reajustes de tabelas SUS, diante desse cenário? Podem pedir, sim, mas estarão diante do espelho, que reflete as suas próprias ações de desmonte das finanças do SUS.
O Relatório Anual de Gestão do Ministério da Saúde indica que no ano de 2017, o gasto com média e alta complexidade foi de 53,1 bilhões. Sendo que 29,1 bilhões foram repassados fundo a fundo para os municípios, 16,3 bilhões para os Estados e 7,7 bilhões, foram alocados no Ministério da Saúde (Secretária de Atenção à Saúde), para os gastos com assistência médica e ambulatorial de serviços próprios e serviços privados ou conveniados. O gasto com atenção básica, no mesmo período, foi de 21 bilhões.
Portanto, o interesse do setor econômico da saúde seria o de promover o acesso direto aos recursos públicos de alta e média complexidade, neste caso, 53,1 bilhões, de forma direta, travestidos de planos populares de saúde?
Estão jogando com os dois pés? As entidades representativas do setor, relacionadas anteriormente, atuam para manter os serviços que já prestam ao SUS, e pelos quais são remunerados, e, para mobilizar os debates sobre funcionamento do SUS, aparece a “fakefebraplan”, vocalizando o fim do SUS.
Não haverá ampliação do acesso aos serviços com planos populares. Pretendem-se inverter a forma de encaminhar os usuários do SUS para a realização de exames e internações no setor privado. Pretendem que encaminhamentos feitos pelos profissionais de saúde na unidade de saúde sejam direcionados aos serviços privados conveniados que serão os mesmos que atendem hoje, mas que se apresentarão como “planos”. Quer dizer que para dar certo, o profissional da unidade deverá encaminhar, mais ou menos, assim:
Profissional: Senhora, você tem plano de saúde?
Usuária: Não, não tenho não.
Profissional: A senhora não contratou o plano do Governo?
Senhora: Plano do Governo?
Profissional: Sim, agora para fazer esses exames, para fazer essa internação, vamos mandar a senhora para o Plano Popular.
Senhora: Mas eu não pago o Plano.
Profissional: Veja lá, no Conselho Municipal de Saúde, se eles já aprovaram o Plano. A Prefeitura pode contratar, se a senhora não puder pagar. O SUS paga.
Senhora: Mas como eu faço?
Profissional: Pode pegar uma senha para marcar o exame, no Plano.
Senhora: Mas eu peguei uma senha para você me atender.
Profissional: Vai ter que pegar a senha, do Plano.
Operação difícil, mas não impossível. Não devemos subestimar o inimigo. Assim, os Planos Acessíveis, vão dificultar e piorar o acesso aos serviços, burocratizando e colocando os usuários em um vai e vem sem fim, em busca de um “plano” que será, na verdade, um plano invisível. O povo colombiano já vive esse dilema, porque o governo daquele país aderiu a proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS) de cobertura universal contra os sistemas universais, que é a vertente de organização do SUS, no Brasil.
Para viabilizarem o Plano Popular terão que ter apoio na ponta do sistema. O gestor terá que compor um sistema de encaminhamentos a um Plano. O profissional de saúde terá que divulgar e encaminhar para um Plano. O usuário, terá que pagar plano. Os conselhos de saúde, mediante o fim dos blocos de financiamento, serão postos à prova para deliberar sobre uso de recursos do SUS, para contratar Planos. Por isso, a “fakefebraplan”, apontou que serão necessários 20 anos para implantar esse sistema. É preciso muita adesão de todos os setores da saúde e da sociedade em geral, para que os golpistas garantam essa mudança. Por isso, a disputa é política.
Mas, nós não somos invisíveis.
Nós que estamos na gestão dos serviços de saúde, no atendimento direto a população, nos conselhos de saúde, vamos aderir a essa estratégia? Não.
Nós que estamos a construir os SUS, nestes últimos 30 anos, temos como nos contrapor a essa estratégia econômico-financeira do setor saúde, ávida por mais dinheiro? Sim.
Somos milhares de brasileiras e brasileiros que nos dedicamos a saúde pública, somos reconhecidos por nosso trabalho e nossa dedicação e, é esse o nosso capital social, o que nos credencia ao diálogo com a sociedade sobre a importância do SUS.
O momento político é crítico. O Golpe de 2016, atinge todos os setores da sociedade e todas as políticas públicas, incluindo a saúde. As lutas compartimentadas, cada um lutando por uma política ou programa desestruturado, é a estratégia que ajuda os golpistas.
Nossa tarefa é mobilizar. Mobilizar para a realização da 8ª + 8 Conferência Nacional de Saúde, que acontecerá no próximo ano, e que terá como objetivo discutir o Direito à Saúde, a consolidação do SUS e o financiamento da saúde.
Mobilizar para as eleições gerais e a construção coletiva do Programa de Saúde do Governo Lula, apontando que os sistemas universais de saúde, como o SUS, é o programa de saúde que pode garantir dignidade e qualidade de vida a sociedade.
Fortalecer a Frente Nacional em Defesa da Democracia, dos Direitos e da Soberania, recentemente lançada, em articulação com os partidos de esquerda, movimentos sociais, centrais sindicais, com o mundo da cultura, forças populares e democráticas.
O movimento concreto de reflexão e o desenvolvimento de ações de base, para enfrentar essas dificuldades é o caminho para a defesa da saúde pública com acesso universal. A fortaleza do SUS somos nós e o SUS depende da nossa concentração de forças de forma integrada. Em defesa do SUS e do Estado Democrático de Direito.
O SUS não sobrevive sem democracia.
Lula Livre.
Eliane Cruz – Coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT
Alexandre Padilha – Vice-Presidente do PT
Coletivo Nacional de Saúde do PT
[1] criada em 1994, é uma entidade sindical de terceiro grau, o mais elevado existente na legislação sindical.Com sede no Distrito Federal, a CNS congrega atualmente 8 federações (Fenaess, Fehosul, Feherj, Fehospar, Fehoesc, Fehoesg, Febase e Fehoesp) e 90 sindicatos de saúde em atividade no país, e representa todos os estabelecimentos de serviços de saúde no país. São hospitais, clínicas, casas de saúde, laboratórios de análises clínicas e patologia clínica, serviços de diagnóstico, imagem e fisioterapia, entre outros estabelecimentos do gênero.
[2] Em 12 de abril de 2018, a Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde, publicou nota esclarecendo que não participou do evento “1º Fórum Brasil – Agenda Saúde: a ousadia de propor um Novo Sistema de Saúde”, realizado no dia 10/04, em Brasília. Informa, ainda que, tendo tomado conhecimento das propostas pela imprensa, esclarece também que não conjuga do mesmo entendimento, inclusive porque as competências e atribuições dos sistemas público e suplementar de saúde estão claramente definidas na Constituição Federal brasileira de 1988 e na Lei 9.656, de 1998. As propostas de aperfeiçoamento do sistema suplementar são claras em todas as manifestações públicas da FenaSaúde.