Porto Alegre: cais histórico é ameaçado por projeto polêmico

População e pré-candidato petista se organizam contra projeto de shopping no cais do porto que deu nome à cidade, concedido à iniciativa privada por tucanos

Lula Marques

Lula Marques

No entroncamento do rio Jacuí com a Lagoa Guaíba, um porto construído no século XIX permitiu que Porto Alegre se desenvolvesse a ponto de tornar-se capital do Rio Grande do Sul. Agora, essa estrutura que deu nome à cidade pode estar em risco com um projeto de “revitalização” feito na contramão dos interesses da população.

O projeto para o Cais Mauá, como é chamado, foi licitado em 2010 pela gestão da então governadora Yeda Crusius (PSDB). O cais é um conjunto de armazéns do início do século XX, a maior parte deles tombada, cercado por um muro e demandando reparos.

O problema é que a proposta do grupo vencedor, o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A, é criticada pela população, já que ignorou a construção de espaços de convívio, e prevê apenas o uso comercial da área, com torres de escritórios, um shopping center e um estacionamento para 4 mil carros.

Para a construção do centro comercial, seria necessária a demolição de um dos armazéns históricos que não foi tombado. Além disso, seis anos após a licitação, as obras não andaram e o consórcio vencedor está endividado.

“A ideia (em vigor) é que seja um ambiente de consumo e nós queremos um ambiente de sociabilidade. E esse é o espaço mais importante da cidade, Porto Alegre se criou em torno dele”,explica a jornalista Kátia Suman, que está à frente das mobilizações contra o projeto. Outras personalidades gaúchas, como o diretor Jorge Furtado, também participam das atividades.

Nos últimos anos, o movimento tem promovido atos e atividades culturais com o intuito de chamar a população para debater o futuro do cais – cujo acesso foi proibido para o público pelo consórcio vencedor.

Em julho, 14 deputados estaduais – 11 deles do PT – pediram que a licitação fosse refeita, para que a nova proposta partisse do debate popular. Como provocação, a população enviou um questionamento sobre a necessidade de um novo contrato para os 55 deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Estado.

Apenas os 14 que são favoráveis responderam ao pedido. “A população quer se apropriar de novo do Lago Guaíba, é uma área de contemplação”, afirma o pré-candidato do PT na cidade, Raul Pont.

 

Audiência pública feita para discutir o projeto de revitalização, e que teve maioria contrária ao projeto

Audiência pública feita para discutir o projeto de revitalização, e que teve maioria contrária ao projeto

Segundo o arquiteto Rafael Passos, vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), o projeto atual não partiu de uma discussão popular, mas sim de um plano de negócios feito junto à governadora tucana em 2009.

“Foi feito um plano de negócios antes de se pensar um projeto para a cidade”, explica ele. Passos afirma que o IAB não tem uma proposta pronta para a área, mas acredita na necessidade de um debate conjunto com os porto-alegrenses. Segundo ele, existe uma demanda grande na cidade por mais espaços de cultura, por exemplo.

O tema estará entre as pautas do debate eleitoral deste ano, afirma Pont, que apoia as mobilizações e quer recuperar o diálogo com a população. Suman lembra que Porto Alegre já foi referência pelo Orçamento Participativo – instituído na gestão do petista Olívio Dutra– , que justamente incluiu a população no debate sobre as ações na cidade.

Segundo Pont, essa iniciativa foi esvaziada nas últimas gestões e necessita ser recuperada. Apesar da licitação ter sido feita pelo governo estadual, a gestão local de José Fortunati é criticada por não ter participado nessa discussão sobre o centro da cidade.

“O município não se envolveu nesse planejamento, e está aguardando a lógica do mercado”, explica Passos. “Não houve um estudo para a parte central de Porto Alegre”, exemplifica.

 

Problemas financeiros

Para viabilizar as obras, foi necessária a aprovação de uma lei municipal em 2010, validando o projeto. Mas essa lei caducou em 2012. Outro argumento pela nova licitação é o fato de que o consórcio vencedor apresenta dificuldades financeiras, e não teria os recursos necessários para a realização das obras. O investimento previsto é de R$ 500 milhões. Para a revitalização do armazém, porém, seriam gastos apenas R$ 43 milhões.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) apontou diversas irregularidades por parte do consórcio, como o não cumprimento do prazo para a entrega dos projetos, falta de conservação dos armazéns, alteração das empresas que constituem o consórcio após a licitação e recursos insuficientes para fazer a obra.

Pré-candidato do PT, Raul Pont participa de mobilização contra projeto

Pré-candidato do PT, Raul Pont participa de mobilização contra projeto

Passos também afirma que o Estudo de Impacto Ambiental entregue pelo consórcio não propõe alternativas para mitigar o impacto que será criado. Além disso, há uma expectativa de aumento do fluxo de carros para a região sem a criação de alternativas viárias.

Para Suman, o projeto persegue um modelo ultrapassado, baseado no uso do carro e reduzindo os espaços de convívio.

“Num espaço público no ponto mais nobre e mais visível na nossa cidade (minha, nasci e moro aqui desde sempre), o projeto – arquitetônico, paisagístico, etc. – deve ser mais do que conhecido e divulgado, deve ser debatido, e muito. Não podemos deixar que a ganância de alguns produza uma transformação tão radical na cidade, uma transformação para pior, nem que a intolerância de outros deixe tudo como está para ver como é que fica”, escreveu o diretor Jorge Furtado em sua página no Facebook.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

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