Procuradores usaram imprensa para intimidar suspeitos e obrigar delações

Novos diálogos revelados nesta quinta-feira (29) mostram integrantes da Lava Jato admitindo e planejando vazamentos para forjar ambiente hostil e manipular investigados

José Cruz e Rovena Rosa/Agência Brasil

Novos diálogos publicados na manhã desta quinta-feira (29) pelo Intercept, mostra que os procuradores da força-tarefa da Lava Jato vazaram propositalmente informações para a imprensa como estratégia para manipular suspeitos e obrigá-los a fazer delações. A ideia era fazer seus alvos acreditarem que sua denúncia era inevitável, mesmo quando não era. A reportagem é mais uma da séria Vaza Jato. Além de ética questionável, as conversas mostram que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao negar categoricamente que agentes públicos passassem informações da operação.

Um exemplo desse método, admitido expressamente nas conversas entre procuradores, ocorreu em 21 de junho de 2015, quando o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo privado do Telegram FT MPF Curitiba 2: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.”

Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário.

No chat, Santos Lima assume, sem qualquer constrangimento, que vazava informações para a imprensa. Além disso, o seu próprio comentário, insinua que se tratava de uma prática habitual, dado que ele se refere aos vazamentos no plural — “meus vazamentos”. E o procurador afirma com aparente orgulho e convicção que agia assim com objetivos bem definidos: induzir os suspeitos a agirem de acordo com seus interesses.

O Intercept destaca que o comentário do procurador e o restante das conversas não provocaram nenhuma manifestação dos outros membros da Lava Jato, que o tempo todo permaneceram calados.

A conversa ocorreu dois dias depois da 14ª fase da Lava Jato (voltada às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez). Os procuradores estavam debatendo estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol.

No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa com o repórter do jornal.

A conversa prossegue, e o repórter avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht (que não estava formalizada à época) seria manchete do jornal O Estado de S.Paulo (Estadão) no dia seguinte. Após passar as informações e pedir para ter seu nome mantido em sigilo, Deltan recebeu uma entusiasmada confirmação do ou dá repórter do Estadão, que teve seu nome preservado pela reportagem. “Putz sensacional! !!!! Publico hj!!!!!!!”

A informação vazada pela força-tarefa de fato virou manchete do jornal, e os métodos de pressão sobre o delator são retomados pouco depois, no mesmo chat:

O que faz disso ainda mais relevante, diz o Intercept, é que Dallagnol tem negado publicamente que os membros da Lava Jato tenham feito qualquer vazamento. Numa entrevista para a BBC Brasil, após um discurso que ele proferiu em Harvard, em abril de 2017, Dallagnol disse que “agentes públicos não vazam informações — a brecha estaria no acesso inevitável a dados secretos por réus e seus defensores”. Quando perguntado diretamente se a força-tarefa havia cometido vazamentos, o procurador respondeu: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.

A verdade é que Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos foram planejados, discutidos e realizados.  A reportagem mostra outros episódios em que os procuradores fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou que nunca faziam: vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a mídia desconheciam para atingir seus objetivos.

Por Rede Brasil Atual

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