Protagonismo do Judiciário na política tem um viés autoritário, analisa Wadih Damous
Em entrevista à Fundação Perseu Abramo, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) falou sobre o que chama de “espetacularização da Justiça”, do misto de tolice e ingenuidade de jovens que pedem a volta da ditadura e do “DNA golpista” da mídia brasileira
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No último dia 19 de agosto, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), durante o evento Estado Democrático e Judicialização da Política, organizado pelas fundações partidárias do PT, PCdoB, PMDB e PDT, a tevê FPA (Fundação Perseu Abramo) conversou com o deputado Wadih Damous (PT-RJ). O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) falou sobre o que chama de “espetacularização da Justiça”, do misto de tolice e ingenuidade de jovens que pedem a volta da ditadura e do “DNA golpista” da mídia brasileira.
Wadih Damous é advogado trabalhista. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro entre 2007 e 2012. No último período, presidiu a Comissão da Verdade do Rio e a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB. É mestre em Direito Constitucional e do Estado pela PUC-RJ e graduado em Direito.
FPA – Qual a importância hoje de um debate sobre a judicialização da política?
Wadih Damous – É preciso uma profunda reflexão sobre o papel do poder judiciário e do Ministério Público como protagonistas hoje da cena política. É papel do Ministério Público e do poder judiciário serem protagonistas da cena política? Eu entendo que não. Eu entendo que o poder judiciário é o poder que julga e o Ministério Público é o órgão que denuncia. O que vem acontecendo nos últimos anos por uma série de fatores históricos e políticos é um protagonismo indesejável por parte dos juízes e de membros do Ministério Público no cenário político. Isso tem um viés autoritário. Nós percebemos hoje um processo que chamamos de espetacularização da Justiça, em que o que vale é a versão, o que vale é a manchete, o que vale é o noticiário.
E com isso, uma série de valores e princípios fundamentais da Constituição da República estão sendo desrespeitados. Está se adotando em nome do combate à corrupção a regra da prisão, quando a prisão é uma exceção. Nós temos hoje no Brasil cerca de 200 mil presos provisórios e isso se dá em detrimento do amplo direito de defesa, isso se dá em uma escalada autoritária legislativa, aqui inclusive, nesta Casa. Muito por inspiração desses juízes e desses jovens membros do Ministério Público. Então, um debate como esse, que conta com a participação de dirigentes da OAB, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, de juristas e de cidadãos em geral é muito importante por conta dos dias que nós estamos vivendo.
FPA – Como o senhor analisa o momento atual, onde grupos pedem abertamente a volta da ditadura. Falta entendimento sobre o que é a democracia? Isso põe em risco nossa democracia?
WD – Existe um misto de ingenuidade e tolice por parte de jovens que empunham essas bandeiras, porque não sabem o que é uma ditadura, não viveram uma ditadura. Não conseguem entender que a ditadura não só matou, torturou e fez desaparecer, mas também era essencialmente corrupta. Aliás, a ditadura aperfeiçoou o processo de corrupção no país, com a diferença de que naquela época a ditadura censurava a imprensa, tutelava o poder judiciário e o ministério público, tão valentes hoje, mas inteiramente acoelhados durante a ditadura. E os mais velhos… esses… eu posso dizer que aqueles que viveram a ditadura e têm saudades dela são uns bobalhões, não merecem a menor credibilidade. Não são essas as pessoas que devem pautar a linha política a ser seguida pela sociedade brasileira. Mas, infelizmente, a nossa sociedade tem pouca educação cívica, tem pouca educação democrática. É preciso explicar a democracia, sobretudo às novas gerações, para que elas não precisem perder a democracia para entender a sua importância.
FPA – Os meios de comunicação não têm um peso grande na amplificação dessas teses?
WD – Infelizmente, a grande imprensa brasileira tem DNA golpista, a imprensa brasileira teve um papel muito importante no golpe de 1964, na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas, na tentativa de golpe contra o presidente João Goulart, em 1961. E agora o golpe sob outros nomes, impeachment, renúncia contra a presidenta Dilma Rousseff. Acho que os últimos dois governos, Lula e Dilma ,perderam a grande oportunidade de debater e de fazer a sociedade ver a necessidade de regulação da mídia, de democratização dos meios de comunicação. E agora é o que nós estamos vendo aí, uma imprensa que diz o que bem entende, de forma irresponsável, deseducando o povo brasileiro, fazendo com que o povo brasileiro tenha pouco apreço pelo rito democrático. E esse é um problema que vai ficar para as próximas gerações enfrentar.
Da Fundação Perseu Abramo