Ramatis Jacino: Dois mil e quinze não é dois mil e treze
As manifestações e ocupação de escolas, protagonizadas pelos estudantes secundaristas contra a “reorganização” que o governo do estado de São Paulo pretendia impor a comunidade escolar representaram um momento absolutamente…
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As manifestações e ocupação de escolas, protagonizadas pelos estudantes secundaristas contra a “reorganização” que o governo do estado de São Paulo pretendia impor a comunidade escolar representaram um momento absolutamente singular na histórica luta por uma educação pública de qualidade e pela democracia. Iniciado a partir da organização dos próprios estudantes como resistência a decisão autoritária do governo do PSDB e ampliado como resposta a truculência da sua polícia, o movimento ganhou proporções gigantescas e seus principais protagonistas – garotas e garotos de 14 à 17 anos de idade – foram ganhando (ou explicitando) um nível de politização elevado, na mesma proporção do crescimento vertiginoso das ocupações e manifestações de rua.
Conscientes que a escola era sua, que a ação unilateral do governo aprofundava a precarização da escola pública e que seu método nada tinha de democrático, esses meninos e meninas tornaram-se do dia para noite a vanguarda de suas próprias entidades representativas. Levaram a luta ao limite, enfrentaram corajosa e organizadamente a violência policial, conquistaram apoio do sindicato dos professores, organizações de estudantes universitários, artistas e de amplos setores da sociedade, impondo ao governador Geraldo Alckmin a sua mais profunda derrota política, obrigando-o a demitir o Secretário de Educação e revogar o decreto que impunha o seu projeto.
A faixa etária dos manifestantes e a maneira como o movimento surpreendeu outros atores políticos leva a que tracemos alguns paralelos com as manifestações de 2013, iniciadas pelo movimento Passe Livre, que também tomou enormes proporções. As semelhanças com 2013, todavia, param por aí. Aquelas manifestações, originadas em protestos contra o aumento das passagens, propugnavam a horizontalidade, rejeitavam lideranças e entidades organizativas. Por causa desse equívoco foram infiltradas por policiais e provocadores, capturadas por segmentos que defendiam bandeiras absolutamente diversas, manipuladas escandalosamente pela mídia e por segmentos da direita organizada, com objetivo único de desgastar o governo federal. Os verdadeiros “flash mob” de 2013, sob a palavra de ordem absolutamente vazia “vêm pra rua” ou despolitizada “sem partido” e com bandeiras genéricas, baseadas no senso comum, deixaram como saldo bandos de marginais mascarados promovendo quebra-quebra, abriu espaço para o ressurgimento da direita e setores que pregam a volta da ditadura militar, racistas, xenófobos, homofóbicos e até mesmo bizarras iniciativas, como a daquele grupo que invadiu um laboratório de pesquisa para “salvar” cachorros, coelhos e… ratos, segundo eles, vítimas de maus tratos. Do ponto de vista institucional, o resultado daquelas manifestações despolitizadas e anárquicas foi a eleição de um Congresso dominado pela chamada bancada BBB, da Bíblia, da bala e do boi, conservador nas questões comportamentais, na relação do Estado com a sociedade e na economia.
Os jovens de 2015, ao contrário, tiveram como marca da sua luta um foco muito claro, a democratização da escola pública e a melhoria da qualidade da educação em São Paulo, reconheceram a legitimidade das organizações estudantis e populares, embora não subordinassem sua luta à lógica das direções dessas entidades. Protagonizaram um movimento extremamente organizado, souberam estabelecer alianças com entidades da sociedade civil e partidos de esquerda, além de isolar segmentos que buscavam impor bandeiras e práticas estranhas ao movimento. Por isso tudo foram vitoriosos.
O saldo da sua luta explicita a profunda diferença do movimento de dois anos atrás: vitória contra um governo que sucateia deliberadamente a educação e têm uma prática antidemocrática. Além disso, o movimento deixa como legado uma miríade de novos atores políticos extremamente jovens, empoderados e conscientes. Uma nova geração de militantes, simpatizantes das mais diversas correntes políticas de esquerda, à quem nós – veteranos das lutas sociais – com uma sensação de alivio e dever cumprido começamos a passar o protagonismo da construção de um país melhor.
Ramatis Jacino, professor da EE Caetano de Campos (ocupada pelos alunos), é conselheiro estadual da APEOESP e membro do Diretório Estadual do PT SP