Segurança ameaçada: Bolsonaro instituiu a desordem no controle de armas

Exército nega novo pedido de informações alegando não saber quantas armas os CACs detêm nos estados. “Você não pode presidir um país para instigar a confusão”, diz Lula

A corrida armamentista de Bolsonaro ameaça a população, sobretudo as mulheres, vítimas do feminicídio (Reprodução)

Em nome da liberdade, Jair Bolsonaro corrompeu o Estatuto do Desarmamento para instituir a desordem institucional nos sistemas de controle de armas do Brasil. Embora sete em dez brasileiros discordem do mantra “povo armado jamais será escravizado”, paulatinamente o inquilino do Planalto vai transformando lares e ruas do país em um faroeste caboclo. E com a complacência das corporações responsáveis pelos sistemas.

Mais uma vez, o Exército Brasileiro se detém em minúcias técnicas para negar um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI), alegando não saber quantas armas existem em cada cidade do país nas mãos de caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs), o “braço armado” do bolsonarismo. E com a chancela da Controladoria-Geral da União (CGU), que aceitou a justificativa da Força para negar um pedido via LAI.

“Isso mostra a baixíssima capacidade do Exército de fazer o controle das armas de forma eficiente”, criticou no portal UOL a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo. “Ter dados por município é muito importante para planejar ações de fiscalização mais efetivas, a partir de inteligência. Com o aumento significativo de armas em circulação, não saber o número por município se torna ainda mais grave”, afirma.

Não é a primeira vez que a entidade recebe um não ao cutucar o vespeiro das armas nas mãos dos CACs, que já passam de um milhão – quatro vezes mais que em 2019, quando Bolsonaro iniciou o “liberou geral”. São aproximadamente 15 armas para cada colecionador, atirador ou caçador no Brasil.

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Em julho, a Folha de São Paulo revelou que o Exército admitiu a incapacidade de produzir relatórios detalhados sobre tipos de armas dos CACs, alegando “falta de padronização no registro”. A Força também reconheceu que erros no preenchimento do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), banco de dados dos arsenais dos CACs, levaram à inclusão nas planilhas de armas não permitidas, como morteiros e canhões.

Agora, a desculpa é de que seria preciso consultar os registros um a um para levantar o total de armas por município. Isso custaria 180 dias úteis do trabalho de 12 militares, causando “prejuízo no cumprimento de outras atividades, como regulamentação, fiscalização e autorização referentes a Produtos Controlados pelo Exército”.

“Isso se resolve com facilidade. Acredito que o Exército tenha técnicos competentes para lidar com isso. Se é tão capacitado para opinar sobre as urnas eletrônicas, como não tem capacidade de fazer gestão de um banco de dados?”, questiona no UOL Ricardo Ceneviva, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo o professor da Uerj, especialista em uso de dados na construção de políticas públicas, “o problema não é técnico, mas político: a ausência de uma legislação clara que obrigue os órgãos de segurança pública a prestar contas sobre essas informações”.

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Os repórteres do UOL também solicitaram o número de armas por município à Polícia Federal (PF). Responsável por conceder posse e porte de armas a civis, a PF administra o Sistema Nacional de Informação de Segurança Pública (Sinesp) do Ministério da Justiça, que pode ser acessado por polícias estaduais e Polícia Rodoviária Federal (PRF).

No entanto, a PF também negou o acesso aos dados. “Observa-se um crescimento da criminalidade associada ao domínio de cidades ou novo cangaço; a divulgação de informações que venham a possibilitar o dimensionamento da quantidade de armas em determinadas localidades (…) não seria aconselhável do ponto de vista da segurança da sociedade”, afirmou a corporação à CGU, que também chancelou essa decisão.

Apagão de dados, desordem institucional e “caneta assassina”

O apagão de dados sobre armamentos e seus proprietários no Brasil é resultado direto de ação deliberada de Jair Bolsonaro. Além de publicar 15 decretos presidenciais, 19 portarias, dois projetos de lei e duas resoluções que flexibilizam regras para acesso a armas, ele, os filhos e demais cúmplices operam em diversas frentes institucionais.

Em pelo menos 23 estados há projetos de lei que propõem alteração do ICMS para a aquisição de armamentos, aponta estudo do Sou da Paz. Dos 35 projetos de leis apresentados, 21 são voltados a profissionais da segurança pública. Os outros 14 beneficiam os CACs. Apenas quatro foram criados antes do desgoverno Bolsonaro.

Durante o mandato de Bolsonaro, o número de CACs mais que quintuplicou. Passou de 117 mil, em 2018, para os atuais 673,8 mil, conforme dados do Sou da Paz. No período, a “bancada da bala” recebeu considerável reforço, via atuação de grupos como o ProArmas, que oferece apoio a candidatos em troca de cargos.

Nestas eleições, 18 candidatos declararam à Justiça Eleitoral pelo menos R$ 386,3 mil em armas de fogo, revela o portal Metrópoles. Valor três vezes maior que o declarado nas eleições de 2018, quando cinco candidatos afirmaram ter R$ 118,6 mil em armas.

Em outra frente – o Supremo Tribunal Federal (STF) – Nunes Marques, um dos dois ministros nomeados por Bolsonaro, trata de “matar no peito” ações que questionam decretos bolsonaristas, pedindo vistas e interrompendo julgamentos. Ele paralisou os processos sobre flexibilização de acesso a armas quando três dos dez colegas de plenário já haviam votado para suspender trechos dos decretos.

Parte das medidas já havia sido suspensa por meio de decisões liminares proferidas por Rosa Weber e Edson Fachin, relatores dos casos na Corte. No último dia 5, Fachin atropelou Nunes Marques e atendeu a ações movidas pelo PT e pelo PSB contra decretos de 2019, concedendo medida cautelar suspendendo uma portaria que ampliava a possibilidade de compra de munições.

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Um dia após Fachin conceder a liminar a PT e PSB, o Sou da Paz lançou um vídeo acusando diretamente Bolsonaro de responsabilidade no crescente número de mortes por arma de fogo no Brasil, apesar da redução dos homicídios. “A mão que assina é a mesma que aperta o gatilho”, afirma a entidade no vídeo, batizado de ‘Caneta-Gatilho’.

“Colocar mais armas nas ruas em um dos países que mais mata no mundo significa colocar em risco a vida de muitas pessoas”, afirma nota do instituto. “Depois de mais de 40 regras publicadas desde 2019, chegamos à marca de 1.300 armas compradas por civis por dia, sendo que muitas delas têm parado nas mãos do crime ou ameaçado nossas famílias nas ruas.”

Acesse o site Sou da Paz.

Conforme a entidade, “a irresponsabilidade desse descontrole alimenta um ciclo de tragédias e violência principalmente contra moradores de periferias, mulheres, jovens negros e população LGBTQIA+, os principais alvos da violência armada.”

Nas redes sociais, a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), pediu uma chance à paz. “Precisamos nos livrar da política de armamento do Bolsonaro. Precisamos proteger as mulheres da violência!”, apelou em postagem no Twitter.

Lula: ‘Quem compra arma é o crime organizado, patrocinado pelo presidente’

Cerca de 449 pessoas conseguem licença para usar armas a cada 24 horas no país. E a cada dia surge mais um CAC em investigações de polícias estaduais e Federal sobre o uso que o crime organizado faz de detentores do registro concedido pelo Exército para adquirir armas legalmente – e com preços bem mais em conta.

Nesta segunda-feira (12), em entrevista na CNN, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) responsabilizou Bolsonaro pela situação. “Vamos ter que cuidar da Polícia Federal, da Inteligência, saber o papel das Forças Armadas nas nossas fronteiras, vamos combater o narcotráfico”, disse Lula. “Bom, tráfico de armas não temos que combater mais porque o presidente legalizou”, ironizou.

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“Ele pensa que quem tá comprando arma é o coroinha da igreja, ou o pastor, mas quem compra é o crime organizado, legalizado pelo presidente da República”, acrescentou Luiz Inácio. Ele ressaltou ainda que o estilo violento de Bolsonaro se espalha para outras áreas e vem transformando as eleições em uma disputa violenta.

“Você não pode presidir um país para tentar instigar a confusão. Este país precisa de paz para crescer, para melhorar. E quem pode fazer isso é o presidente da República. É o comportamento dele que dita um pouco as regras do que vai acontecer na sociedade”, argumentou Lula.

Para Lula, “o atual presidente vive de provocar, de instigar, de desrespeitar, de ofender ministro da Suprema Corte”. “Eu não faço isso. Vamos ganhar as eleições para reconstruir a paz neste país, para que a família brasileira possa viver bem e voltar a ter esperança”, concluiu o presidente mais popular da história.

Da Redação, com informações de Sou da Paz, UOL e Folha de S. Paulo

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