Sem base nem projeto, Bolsonaro fica cada dia mais isolado, diz Stedile

Para dirigente nacional do MST, a perda de popularidade e as contradições do governo estão cada vez mais evidentes; “Ele não tem um projeto de nação brasileira

Rafael Stédile

João Pedro Stédile

A rápida perda de popularidade de Jair Bolsonaro (PSL) – apontada por seguidas pesquisas de opinião pública desde o início do governo – deve se acentuar com o tempo e deixá-lo cada dia mais isolado, uma vez que o ex-capitão não conseguiu até agora apresentar um projeto para o país nem dispõe de base social capaz de sustentar por muito tempo seu discurso belicista e antipopular.

A avaliação é de João Pedro Stedile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina Internacional.

“A sociedade brasileira está estarrecida com o discurso e a prática dele. Então, é como se, a cada mês, a população ficasse mais impactada pela forma como o Bolsonaro explicita – de maneira honesta, do ponto de vista dele – sua visão de sociedade, mundo e Brasil. Essa visão explicitada pelo Bolsonaro, todos os dias, choca com a cultura, a política e os costumes do povo brasileiro. Portanto, eu acredito que, inclusive – como é essa tendência – quanto mais passar o tempo, mais isolado o Bolsonaro ficará”, afirmou Stedile em entrevista ao Brasil de Fato.

Para ele, o isolamento se dará em várias frentes, e não apenas no campo popular. “Quem forma opinião pública na sociedade não é só a Globo. São as igrejas, escolas, universidades, vizinhos, bares”, diz. “A ilusão que ele teve de que, pela internet e pelas redes, seguiria manipulando, se desfez. A manipulação, quando é baseada em uma mentira, tem um tempo de duração muito curto”.

Segundo Stedile, a esquerda e as forças populares precisam apresentar ao país um projeto estrutural que garanta emprego, renda e melhores condições de vida. Para que tais ideias cheguem à população, segundo o dirigente, um dos desafios da esquerda é aprimorar sua comunicação com as massas.

“Não há uma receita única, há mil e uma formas de comunicação de massa, que vão desde o rádio, o jornal, o boletim, a pichação, uma música ou uma manifestação cultural”, diz. Mais adiante, completa: “Os movimentos populares e a esquerda em geral têm que renovar os métodos de fazer a pedagogia de massas, ou seja, como trabalhar de forma diferente para conscientizar o povo”.

Confira destaques da entrevista abaixo:

Brasil de Fato: A pesquisa Ibope mais recente, divulgada no último dia 25 de setembro, mostra que a rejeição de Bolsonaro vem crescendo a cada mês. Além de ser a maior porcentagem desde janeiro, ele também bateu um recorde de rejeição em um início de governo desde José Sarney. O que isso indica?

João Pedro Stedile: São apenas os primeiros indícios de que o governo Bolsonaro não tem base social nenhuma. Ele foi fruto de uma manipulação da Globo e das redes sociais que, com apoio da campanha Trump e do Mossad (serviço de inteligência) de Israel, montaram poderosos robôs para atuar nas redes – WhatsApp, Facebook – e criaram todo aquele clima no último mês da eleição que, com a ausência do Lula, levou à possibilidade de o Bolsonaro se eleger. Mas, estar eleito e virar governo não significa representar a sociedade.

A sociedade brasileira está estarrecida com o discurso e a prática dele. Então, é como se, a cada mês, a população ficasse mais impactada pela forma como o Bolsonaro explicita – de maneira honesta, do ponto de vista dele – sua visão de sociedade, mundo e Brasil. Essa visão explicitada pelo Bolsonaro, todos os dias, choca com a cultura, a política e os costumes do povo brasileiro. Portanto, eu acredito que, inclusive – como é essa tendência – quanto mais passar o tempo mais isolado o Bolsonaro ficará.

BdF: Inclusive em relação às alianças políticas?

Stedile: Em tudo. O primeiro passo é a rejeição popular. Em um primeiro momento, ele conseguiu manipular. Por isso, inclusive, eles tiveram que atuar pró-Bolsonaro somente nas últimas semanas pré-eleição. Se eles começassem em abril/maio dava tempo de o povo se dar conta que eram mentiras. Então, ele foi fruto dessa manipulação midiática, que agora está se desfazendo.

BdF: Bolsonaro tem um projeto de país? Se sim, qual seria ele?

Stedile: O lado bom é que ele não tem um projeto de nação brasileira. O Bolsonaro é um mero capitão do mato, para fazer referência a essa figura da história da escravidão. O capitão do mato era um negro que andava armado fazendo o papel de polícia na senzala a mando do senhor de escravos “branquelo” capitalista. Agora, nosso senhor capitalista são os bancos e as grandes empresas transnacionais, cujo foco é os Estados Unidos.

Então, o capitão do mato moderno é o Bolsonaro e ele se subordinou completamente ao seu patrão “branquelo” que está representado na figura do Trump. Mas, não é o Trump como pessoa, mas a simbologia do grande capital dos Estados Unidos, que precisa dominar nossa economia, se apropriar do nosso petróleo, minério de ferro, mercado e das estatais – assim como já se apropriaram da Embraer. Eles querem tomar conta da Eletrobras, da Petrobras e dos Correios.

Quem quer comprar os Correios é a Amazon para poder distribuir as bugigangas deles. Então, o papel do Bolsonaro é simplesmente ser um capitão do mato a serviço dos interesses do capital internacional, seja ele financeiro ou das empresas transnacionais. Nisso há a grande contradição, até por ele ser militar: ele não defende um projeto para a nação brasileira e os interesses do povo brasileiro.

Ele esteve nos Estados Unidos de forma patética: se encontrou com o Trump e disse em inglês: “eu te amo”. Isso é ridículo: dois chefes de Estado se encontram. Na simbologia, são dois povos. E nenhum deles merece esses governantes.

O lado bom disso é que as pessoas vão se conscientizar de que esse governo não tem nada a ver com a nação brasileira e que, portanto, nós temos que construir, com o povo e as forças populares, um projeto de nação.

Leia a entrevista na íntegra

Por Brasil de Fato

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