“Superestimaram a eficiência do mercado”, diz Nobel de Economia, sobre crises sistêmicas

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, economista estadunidense Joseph Stiglitz defende atuação do Estado para desenvolvimento dos países e preservação da democracia

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Stiglitz, sobre os efeitos da ausência do Estado: "Vemos um populismo perigoso em locais onde o governo fez muito pouco"

Os pormenores do esgotamento do modelo capitalista não passam despercebidos ao economista estadunidense Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2001. Em entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico nesta quarta-feira (2), ele chega a refutar ideólogos liberais consagrados – como Milton Friedman e Friedrich Hayek – e defende a relevância do Estado para o desenvolvimento dos países e para a preservação da democracia.

Aos 81 anos, Stiglitz aponta para a necessidade de os bilionários pagarem a conta das mudanças climáticas, bandeira defendida pelo governo Lula na presidência rotativa do G20. Tal qual o petista, o economista estadunidense também vê com ceticismo o poder acumulado pelas grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs: sem regulação, elas atentam contra a democracia, que, para Stiglitz, ainda é o melhor sistema político existente.

“Vemos um populismo perigoso em locais onde o governo fez muito pouco, e não muito. Não vemos tanto isso na Suécia, na Dinamarca ou na Noruega. Vemos nos Estados Unidos, e nos Estados Unidos, naqueles lugares onde as pessoas não têm emprego, a saúde é fraca, não há oportunidades”, pondera.

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Ainda sobre o papel do Estado, Stiglitz considera que as principais ideias liberais se tornaram ultrapassadas, porque, entre outros equívocos, superestimaram a eficiência do mercado. “Acho que há vários erros importantes que esses caras cometeram […] Não reconheceram os problemas que já mencionei, a exploração do poder de mercado, exploração de outras pessoas, exploração de recursos naturais. Subestimaram a importância da nossa interdependência”, argumenta.

“Existe esta ideologia que remonta a Hayek, que falava que Estado demais levaria ao caminho da servidão, à subserviência ao Estado. Milton Friedman escreveu num livro chamado ‘Liberdade do capitalismo’ que, se você tiver um Estado grande, perderá sua liberdade. Sabemos que essas ideias agora estão erradas”, conclui Stiglitz.

Mudanças climáticas

Bastante ciente da urgência climática atual, o economista não poupa críticas aos países negligentes com a descarbonização do planeta. Para Stiglitz, “os acontecimentos […] nos fazem entender que não podemos esperar”. “O apelo a uma ação mais forte em relação às alterações climáticas é um em que temos progredido muito devagar”, lamentou, referindo-se aos principais desafios da humanidade hoje.

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Stiglitz elogiou a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no combate ao aquecimento global e enalteceu a presença de instituições financeiras do tipo na atividade econômica: “O BNDES, o Banco Europeu de Investimento, são bancos muito bem-sucedidos e mostram que um banco de desenvolvimento pode realmente funcionar bem”.

“O setor privado tende a ter o problema de ser demasiado míope e demasiado avesso ao risco. Os bancos de desenvolvimento podem ter uma visão de longo prazo e assumir riscos maiores, como o associado ao BNDES, que ajudou a desenvolver a Embraer e alguns dos combustíveis à base de cana-de-açúcar, que são muito importantes para evitar as alterações climáticas”, lembra Stiglitz.

Taxação dos bilionários

As injustiças socioeconômicas resultantes do modelo capitalista estão no centro das preocupações de Stiglitz. Ao Valor, ele indicou que a elisão e a evasão fiscais representam “um grande problema global”. O economista está alinhado com a proposta do Brasil ao G20 para tributar os super ricos. “Aqueles que poderiam fazer contribuições para o desenvolvimento ou justiça social estão evitando a sua responsabilidade. Temos de reformar as leis para evitar isso, ou os segredos dos paraísos fiscais”, defende.

“O dinheiro só pode vir de onde está o dinheiro. Você não vai fazer com que os pobres paguem. São as corporações multinacionais, os bilionários, os muito ricos, que têm de pagar. Em parte, tornaram-se tão ricos porque não pagaram a sua parcela justa de impostos. Ou seja, o sistema serve para aqueles que evitam impostos e ficam cada vez mais ricos, em geral, empresas com poder de mercado, que se envolvem em algum tipo de abuso”, condena Stiglitz.

Big techs

Outro alvo das críticas do Nobel de Economia é a ausência de regulação das big techs. Stiglitz considera as plataformas “um perigo real” para os países democráticos. “Acho que estão abusando do seu poder. Uma maneira de pensar sobre isso é que nunca tivemos uma posição absolutista sobre a liberdade de expressão”, rebateu.

“Você não pode acender fogo em um teatro lotado. Restringimos pornografia infantil. A Alemanha, por uma boa razão, restringe o discurso de ódio porque tiveram uma experiência muito má na Segunda Guerra Mundial. As novas tecnologias ampliaram a capacidade de espalhar erros e desinformação, alguns dos quais muito perigosos para a nossa sociedade, de uma forma ou de outra”, prossegue.

O economista reprovou também as condutas do empresário sul africano e dono da plataforma X, Elon Musk, que costuma, ao mesmo tempo, atentar contra as democracias, a exemplo do embate com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e condescender com ditaduras quando lhe convém, como no caso da Arábia Saudita, onde o bilionário, tido como o homem mais rico do mundo, pretende construir uma fábrica da Tesla, outra companhia de sua propriedade.

“Então, nenhuma pessoa, seja Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo, ou quem quer que seja, deve se considerar acima da lei. E Musk disse basicamente que está acima da lei. Ele diz: ‘Você não tem o direito de me regular’. E está absolutamente errado”, censurou.

Nova ordem global

Stiglitz falou ainda sobre o cenário geopolítico atual, com guerras deflagradas no Oriente Médio e na Europa. O economista pregou mais colaboração entre os povos, especialmente entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores potências econômicas do mundo. “Teremos que aprender a cooperar e competir ao mesmo tempo. Esse é particularmente o caso com a China. Precisamos cooperar com a China nas alterações climáticas”, pontuou.

A cooperação, contudo, não significa abrir mão dos valores democráticos ocidentais, de acordo com Stiglitz. “Temos de expressar a nossa visão de que consideramos que a democracia é um sistema político melhor. Acredito no proselitismo. Deveríamos tentar convencer os países da América Latina e da África de que a nossa forma de fazer isso é melhor, mas em parte mostrando que o nosso sistema funciona melhor para nós.”

Da Redação, Valor Econômico

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