Wadih Damous: Um golpe disfarçado

Respondo sem qualquer hesitação: é tentativa de golpe parlamentar a tramitação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A primeira premissa é a de que a soberania popular…

Edilson Rodrigues/Agência Senado

Wadih Damous

Respondo sem qualquer hesitação: é tentativa de golpe parlamentar a tramitação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

A primeira premissa é a de que a soberania popular deve ser respeitada. Não custa lembrar que a investidura no mandato presidencial tem status constitucional de cláusula pétrea.

Nosso regime de governo é presidencialista. Nele, o presidente eleito exerce as funções de chefe de Estado e chefe de governo de forma concomitante. Só pode ser destituído do cargo pela prática direta e dolosa de ato tipificado na lei como crime de responsabilidade. Ou crime comum, o que não vem ao caso.

Apenas os sistemas parlamentaristas permitem que o chefe de governo (primeiro-ministro) seja destituído por razões estritamente políticas.

Uma última premissa: ao contrário do que dizem, o impeachment não é um processo estritamente político. É também e, sobretudo, um julgamento jurídico. Dizer simplesmente que é uma “questão política” significa rebaixá-lo a um jogo de vale-tudo, onde o Congresso poderia julgar contra a Constituição.

E isso nos leva à outra conclusão: alguns sustentam que, como o impeachment está previsto na Constituição, não é o caso de golpe. Ledo engano. Se inexistir a prática de uma das hipóteses de crime de responsabilidade previstas na Constituição, é golpe sim.

O pedido que ora tramita na Câmara é juridicamente inepto. A petição inicial oferece um mosaico de fatos desconexos. Não há qualquer fato, ao menos em tese, atribuível a ela que possa ser tipificado como crime de responsabilidade.

Procedimentalmente, foi violado o devido processo legal: o presidente da Câmara usurpou competência do plenário ao admitir o pedido; violou o contraditório e a ampla defesa ao não intimar previamente a presidente Dilma; por fim, praticou o ato em desvio de finalidade, já que o fez por retaliação.

Sobre as chamadas “pedaladas fiscais”,o argumento é improcedente. Fatos praticados em mandato anterior não podem fundamentar impedimento de mandato posterior.

Igualmente vã é a tentativa de argumentar que as tais “pedaladas” também foram praticadas em 2015, pois o Congresso aprovou a mudança da meta fiscal, autorizando um deficit de até R$ 119,9 bilhões.

Ainda que assim não fosse, no mérito o argumento também não prospera. O que se chama de “pedaladas” consiste em mero adiantamento de pagamento de benefícios sociais por bancos públicos, prática largamente utilizada no Brasil há décadas por todas as esferas de governo e sempre chanceladas pelos Tribunais de Contas.

Dessa forma, o TCU (Tribunal de Contas da União) jamais poderia ter considerado ilegais as contas de 2014, a bem da segurança jurídica. Poderia, no máximo, sinalizar que tais práticas contábeis não seriam mais aceitas no futuro.

Por fim, a competência para o julgamento das contas do governo é do Congresso Nacional, que ainda não as julgou em relação ao exercício de 2014. Mais uma razão, portanto, para que tal fato não possa ser considerado para fins de impeachment.

A presidente Dilma é reconhecidamente honesta. Não furtou, não roubou, nem embolsou dinheiro do povo. Assim como não depositou dinheiro ilícito na Suíça.

Por essas razões apontadas, não basta que o processo de impeachment seja em tese previsto pela Constituição do país. Se ele for à frente mesmo diante da ausência de seus pressupostos, teremos simplesmente um golpe, ainda que disfarçado, escondido sob o nome impeachment.

(Artigo inicialmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 12 de dezembro de 2015)

Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ)

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