Wagner cobra da diplomacia brasileira postura de consenso para COP-26
Presidente da Comissão de Meio Ambiente, senador Jaques Wagner (PT-BA) destaca a importância do encontro da ONU sobre mudanças climáticas previsto para o fim de outubro
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Às vésperas da COP-26 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que ocorrerá em Glasgow (Escócia), de 31 de outubro a 12 de novembro, senadores querem saber do governo federal quais as propostas do país para o estabelecimento de uma estratégia internacional destinada ao combate às preocupantes alterações climáticas. A questão foi amplamente debatida nesta quinta-feira (21) em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Presidente da CMA, o senador Jaques Wagner (PT-BA) enfatizou que o tema das mudanças climáticas se tornou emergencial. O mercado internacional está impondo regras e a informação de que o Brasil poderia trabalhar para interditar um eventual consenso é preocupante, segundo o senador.
Nesta semana, o Parlamento Europeu bloqueou avanços na ratificação de acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, numa derrota para a diplomacia brasileira. Ainda na quarta (20), Jaques Wagner repercutiu: “A notícia reforça o que tenho dito: pontos da nossa política precisam de outra abordagem sob pena, infelizmente, desse tipo de retaliação. Em vez de minimizar defeitos, o governo brasileiro potencializa os problemas. Que o episódio sirva de reflexão para o Parlamento Brasileiro”, afirmou.
O senador questionou representantes ministeriais sobre a real e efetiva expectativa acerca do posicionamento governamental. “Vivemos um problema de narrativas que pioram a nossa situação. Sustentabilidade — econômica, social e ambiental — não é de esquerda ou direita, mas de bom senso. Estabelecer uma dicotomia é não enfrentar o problema”, disse Jaques.
Diretor do Departamento de Meio Ambiente do Ministério de Relações Exteriores, Leonardo Cleaver de Athayde lembrou que a COP-26 é o principal foro para negociações de mudanças de clima e que o governo brasileiro tem todo o interesse para que esse acordo aconteça. “Temos margem de manobra, sim, e pretendemos ser mais flexíveis, inclusive. Essa narrativa de que o Brasil estaria isolado é completamente falsa. Se não houver um acordo em Glasgow vai ser ruim para o país”, afirmou o ministro.
Há uma preocupação macropolítica para reafirmar a relevância do multilateralismo no estabelecimento de consenso entre as nações, segundo Athayde. “Até muito recentemente a área ambiental vinha se mantendo alheia a esse esfacelamento do multilateralismo. Mais recentemente começaram a surgir impasses nas negociações dessa mudança do clima”, relatou.
Secretário-adjunto de Clima e Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Marcelo Donnini Freire também negou que haja qualquer postura contrária ao consenso na COP-26. “Temos uma postura construtiva para que a questão climática avance. As COPs não podem se desenrolar sem que tenhamos avanços. O trabalho é de construir pontes para os consensos do multilateralismo”, disse.
A grande preocupação, segundo Leonardo Athayde, é que os compromissos sejam muito bem estabelecidos e amparados nas melhores projeções para evitar retrabalhos e perda de tempo. “Somos uma potência ambiental, uma grande economia verde e temos um potencial incrível a ser desenvolvido. Podemos avançar na economia de baixo carbono e ir muito além”, afirmou.
Mercado de carbono
Entre os grandes temas da COP-26 está a negociação do mercado de carbono, que é esmiuçado no artigo 6 do Acordo de Paris. O Brasil, segundo Athayde, é um dos atores protagonistas nessa negociação que tem ocorrido há seis anos.
A negociação de mercado de carbono visa ao estabelecimento de dois arranjos: o primeiro é referente ao artigo 6.2 que fornece uma estrutura de contabilidade para a cooperação internacional. “Se um país tiver um excedente, poderia transferir esse resultado para outro país deficitário no cumprimento da regra”, disse. Ele salientou que isso precisa ser feito com transparência, para evitar irregularidades como a dupla contagem.
O artigo 6.4, também em discussão, estabelece um mecanismo central da Organização das Nações Unidas (ONU) para comercializar créditos de reduções de emissões geradas. Projetos de redução de emissões seriam realizados até mesmo pelo setor privado, indo além das metas dos países. “Queremos resultados em ambos esses mandatos. São necessários arranjos centralizados e regras robustas aplicados a todos e que promovam transparência”, defendeu.
O marco fortalecido de transparência é também outro ponto em debate e refere-se ao detalhamento de tabelas que os países vão usar para mostrar o que estão fazendo. “Uma preocupação central é que os países em desenvolvimento possam usufruir das possibilidades que lhe foram estabelecidas no livro de regras. Obrigar os países a apresentar novas NDCs [Contribuição Nacionalmente Determinada] a cada cinco anos é o que propomos nesse tema de importância sistêmica para o acordo”, afirmou.
O financiamento climático também preocupa, especialmente a obrigação dos países desenvolvidos de mobilizar US$ 100 bilhões ao ano, meta global de financiamento climático que não tem sido integralmente efetuada.
Outra questão é a da adaptação — medidas adotadas pelos países para fazer frente aos efeitos adversos a mudança do clima. Países em desenvolvimento são os que mais sofrem com a mudança do clima, enfatizou Athayde, ao lembrar que existe uma polarização muito forte entre Norte e Sul.
Por fim, a questão de perdas e danos debruça-se sobre a demanda de países em desenvolvimento — principalmente os que estão em pequenas ilhas — para indenização financeira pelos danos causados ao meio ambiente, em especial, os promovidos pelos países desenvolvidos que, em geral, não aceitam essa proposição.
Créditos
Inserir o Brasil de forma efetiva no mercado de créditos de carbono é um dos maiores desafios impostos ao país. Coordenador do Comitê Sustentabilidade e Bioeconomia da Associação Brasileira do Agronegócio, Eduardo Brito Bastos destacou que o mercado global de créditos de carbono mobiliza US$ 250 bilhões em mercado regulado, amplamente dominado pela União Europeia. “Hoje, boa parte das transações acontecem em valores não superiores a US$ 10 a tonelada, mas esse valor deve chegar a US$ 100. Com 4,5 bilhões de toneladas, teremos de U$S 45 milhões a US$ 450 milhões em negociação. É muito recurso e o Brasil não pode ficar fora disso”, disse Bastos.
Ele lembrou ainda que mais de 99% do desmatamento brasileiro é ilegal, sendo a maior fonte de emissões de carbono. “Não é aceitável que sigamos aceitando o desmatamento ilegal no Brasil”, criticou.
Para a gerente técnica de Clima e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Natália Baraga da Graça Renteria, a economia verde é boa para todos: população, negócios, país, planeta. “O Brasil tem um diferencial muito importante: é talvez o único país que pode atingir suas metas de neutralidade nas emissões sem precisar de tecnologias novas”, afirmou.
Mas o país que vende créditos precisa subir sua meta para promover o ajuste correspondente, segundo a gerente do Cebds. “Historicamente, o Brasil defende a não aplicação de ajustes correspondentes na primeira venda de créditos no artigo 6.4. O Cebds gostaria que ela acontecesse já na primeira venda, de forma integral. Se o ajuste não for aplicado aos nossos créditos vai gerar perda de valor, vai tirar competitividade”, alertou.
Natália defendeu a aprovação do Congresso de substitutivo do deputado Zé Vitor (PL-MG) apresentado ao PL 528/2021, em análise na Câmara, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e abrange a regulamentação equilibrada entre um mercado regulado nacional e outro de natureza voluntária.
Compromisso da indústria
Para o gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, vários países e empresas estão assumindo cada vez mais um compromisso com a neutralidade de emissões.
Ele destacou ainda encaminhamento na direção da expansão de energias renováveis, novos produtos e fontes estratégicas de baixo carbono, a transformação do CO2 como a nova commodity mundial, eletrificação das frotas de veículos, fim dos subsídios a fontes fósseis, entre outras ações que buscam reduzir os danos ao meio ambiente. “A CNI desenvolveu sua estratégia de baixo carbono, com 16 ações em 4 eixos prioritários: transição energética, precificação de carbono, economia circular, conservação da floresta”, explicou.
A indústria propõe, segundo Bomtempo, a criação de uma governança robusta por meio de um órgão colegiado e câmaras temáticas setoriais, a utilização de recursos financeiros da comercialização de permissões de emissões de gases de efeito estufa e a previsão de geração de créditos de carbono. Também seriam essenciais a integração com iniciativas já existentes e sistemas de compensação, cujos créditos podem ser usados pelos entes regulados.
Do PT Senado