Dilma: Objetivo final da PEC 241 é acabar com valorização do mínimo
Presidenta eleita diz estar “preocupada” porque a pauta do governo golpista do Michel Temer apresenta reformas extremamente drásticas contra a população
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Para a presidenta eleita Dilma Rousseff, o objetivo final da PEC 241, conhecida também como PEC da Maldade e PEC do Fim do Mundo, é acabar com a política de valorização do salário mínimo. Criada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A política de valorização foi consequência de uma campanha lançada pelas centrais em 2004, com a realização de marchas conjuntas para Brasília. Em 2007, foi fixada uma política permanente, que consiste em aumento tendo como base a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes e o INPC do ano anterior.
A afirmação da presidenta foi feita durante entrevista para a Rádio Guaíba, de Porto Alegre, nesta quinta-feira (13). Ela falou sobre o golpe que a retirou da Presidência e a relação desse processo com a PEC 241 e as propostas de reformas trabalhista, da Previdência e do ensino médio.
Dilma ainda avaliou o processo de eleições municipais, a perseguição ao ex-presidente Lula, o atual estado do Congresso Nacional e o processo de reestruturação do Partido dos Trabalhadores.
PEC do Mal
“Eu acho que a PEC 241 é uma PEC que, se for aprovada pelo Congresso Nacional, da forma como ela está, vai se transformar no que estão chamando de “PEC do Mal’ ou da ‘PEC contra os pobres’. Porque é uma PEC que pretende durar por 20 anos. Então, até 2036, ela vai produzir seus efeitos. Vamos ver os investimentos tanto na área de saúde e da educação cair progressivamente em relação ao crescimento da economia e ao crescimento do PIB pelos próximos 20 anos.
O gasto per capita, ou seja, o gasto por pessoa também vai cair, pois a população vai aumentar em 20 milhões no período em que a PEC estiver em vigência, nos 20 anos. E também nas outras áreas, cultura, segurança, esportes, direitos humanos, agricultura familiar e agricultura em geral os recursos minguarão.
Para as pessoas entenderem, se ela estivesse vigente desde 2006, o que aconteceria na saúde: em 2016 o orçamento foi de R$ 102 bilhões, com a PEC, se ela estivesse em vigência há 10 anos, seria só de R$ 65 bilhões, ou seja, a metade.
Na área da educação é muito pior. Se ela estivesse desde 2006, hoje ao invés de gastar R$ 103 bilhões, se gastaria R$ 31 bilhões, ou seja, corte de um terço.No caso do salário mínimo é ainda é pior. Pelo cálculo da FGV, o salário mínimo hoje seria de R$400, ou seja, metade do que é hoje o salário mínimo de 880.
A gente tem noção olhando de 2006 para cá, qual é o efeito dela na vida das pessoas. Acho que o mais grave, é que por exemplo na saúde temos uma população de idosos que está crescendo e a maioria vive de aposentadoria e pensão.
Com a PEC em vigência, teremos uma situação bastante difícil porque vai diminuir os recursos para saúde, vai aumentar o número de pessoas idosas no país, e como em qualquer outro país do mundo essas pessoas vão demandar mais gastos em saúde para poder ter uma velhice melhor. Então, você tem consequências gravíssimas.
Na educação, ao contrário do que dizem, nós temos que aumentar. Não tem ‘gasto a mais’ na educação, não tem ‘gastança’ na educação. Pelo contrário, no Brasil se gasta menos em educação e saúde que se gasta na vizinha Argentina e no Uruguai, em termos proporcionais. A educação no Brasil é uma forma de garantir duas coisas. A primeira: todo esse esforço que tivemos nos últimos 13 anos de incluir as pessoas e de fazer com que mudassem de vida através da renda, essas pessoas precisam de uma melhoria na sua educação para tornar esse ganho de renda permanente.
Acabaram com o Pronatec, que é um programa de formação que garantia para trabalhadores e estudantes de ensino médio acesso a uma formação profissional que traria renda, garantiria um patamar melhor, impediria que a desigualdade continuaria crescendo, daria esperança para essas pessoas, ao contrário do que disse aquela liderança do governo, que ‘quem não tem dinheiro não tem educação’. Pelo contrário, quem não tem dinheiro tem que ter educação de qualidade, para que o país possa crescer.
E tem outra coisa, precisa de educação porque no Brasil você precisa elevar o grau de formação de cientistas e tecnólogos, para o país entrar na economia do conhecimento. Por todas essas razões a PEC da maldade, a 241, vai ser um retrocesso grave para o país”.
Ensino médio
“Primeiro, uma questão dessas não pode ser feita por MP. Tem que ser amplamente discutida com a sociedade. Segundo, é fato que o ensino médio precisa de uma reforma, mas entre essa necessidade e a proposta do governo Temer há uma imensa gama de possibilidades. Por exemplo, uma das questões que nós pensávamos, era a criação do Pronatec, que nós construímos. Pronatec, programa nacional de ensino técnico para um conjunto da população formado pelos estudantes do ensino médio e para os trabalhadores. Que são coisas diferentes.
Os estudantes do ensino médio teriam dois anos de formação técnica e tiveram com o Pronatec. E para os trabalhadores adultos um tempo menor para criar oportunidades diferenciadas de trabalhos e formá-los nas áreas que o Brasil tinha necessidade.
Portanto, defendíamos uma base curricular comum. Em cima dela, faríamos a reforma necessária. Não pura e simplesmente riscar do mapa um ensino daquilo que é importante. Por exemplo, é importante ter ensino de história, sociologia e etc, agora, isso teria de ser construído de forma a não comprometer a formação em matemática, português e também humanidades.
É impossível supor que estender para o ensino médio essa visão completamente deturpada da escola sem partido, que é uma visão completamente ideologizada, porque achar que as pessoas não têm opinião a respeito de algo, ou impedir o debate.
Essa camisa de força que é a escola sem partido está na reforma do ensino médio, que é cortar a reflexão sobre o mundo, a sociedade, entendimento da vida, visão histórica da realidade. Uma discussão sobre a base curricular comum tem que ser feita sim. O Brasil precisa de um ensino médio mais adequado a necessidade de formação científica, mas também de formação crítica dos adultos de amanhã”.
Eleições
“A questão é entender o que leva no Brasil a esse processo de demonização que aconteceu. Ele é restrito a um segmento do espectro político, no caso, o PT. É como se o PT fosse o depositário de todos os pecados do mundo, o que não é verdade. Se não entendermos o que aconteceu com o sistema político brasileiro, nós não vamos entender o que aconteceu com o PT, pois ele é fruto também do sistema político.
Não tem como você, participando de uma determinada situação conjuntural, você ser o puro e o resto ser pecador. Nem o resto ser puro e você o pecador. Ou seja, ninguém é pecador e ninguém é puro. Acredito que o sistema político brasileiro estimula o fisiologismo, a visão parcial dos problemas e acaba com as propostas programáticas. Acredito que os erros eventuais que o PT cometeu são bastante ligados a ele ter entrado neste meio ambiente político e não ter mantido a sua tradição.
Por exemplo, hoje o brasil é talvez o país que tem o maior número de partidos, são 25 partidos. Em torno de 25% são partidos mais programáticos com perfil de esquerda. Outros 25% são mais conservadores, mas também ideológicos, com programa. E você tem o chamado ‘centrão’, que é fruto da dissolução de partidos de direita como o Arena, que se caracteriza pelo fato de nunca apresentar candidatos à presidência, tanto que quando o PMDB chega ao poder é por meio de um golpe.
Reformas
“Estou muito preocupada porque segundo a pauta do governo golpista do Michel Temer eles tem ainda algumas reformas extremamente drásticas contra a população. Uma é a reforma da previdência. Nós queríamos uma reforma da previdência com um tempo bastante significativo para que você pudesse ancorar direitos adquiridos sem comprometer a expectativa de direitos que a população em idade de aposentadoria tem legitimamente.
A gente achava que era possível fazer essa transição. O que é visível e mostra um dos aspectos mais terríveis é que aqueles que defendem a aposentadoria aos 70 anos foram aqueles que fizeram a pauta bomba do fim do fator previdenciário, que somava tempo de contribuição e idade. Acredito que vêm aí reformas muito duras, da previdência, cuja maior dureza é o objetivo da PEC 241, de acabar com a política de reajuste do salário mínimo. Isso vai afetar profundamente aposentados.
Se você considerar que 70% dos aposentados ganha um salário mínimo e isso dá aproximadamente 23 milhões de pessoas, essas pessoas tem o reajuste da aposentadoria pelo mínimo, e ao perderem esse reajuste, terão uma perda, e elas vivem disso. Milhares de cidades tem uma população de aposentados significativa, vai perder poder de compra e também a situação de saúde dessas pessoas.
Outra coisa gravíssima e é a reforma trabalhista, a história de acabar com a CLT na mão grande significa criar o negociado se sobrepondo ao legislado. Ou seja, a lei deixa de valer e o que se negociar passa a valer. Se a legislação trabalhista manda que você pague 50% de hora extra a mais e 100% a mais nos fins de semana, você acaba com isso se você negociar.
Uma porção de categorias que não são fortes, não tem condições de segurar a negociação com os patrões, ainda mais em situação de desemprego. Também é gravíssimo sacar o Fundo de Garantia só ao se aposentar.
Existe uma lenda que a PEC 241 vai atrair investimento estrangeiro, mas o investidor não vem só por ajuste fiscal, ele vem se o país está crescendo, se tem demanda, se as pessoas podem comprar. É uma situação que não sabemos como ficará o Brasil nos próximos dois anos”.
Lula
“Eu acredito que tem um quadro de golpe continuado. Este quadro tem como objetivo principal impedir que na eleição de 2018, o Lula participe como candidato. Acho que há um objetivo claro de condená-lo na segunda instância para inviabilizá-lo como candidato.
Se ele vai ou não ser atingido é uma questão que a gente não tem como chegar a uma conclusão definitiva hoje. Mas o objetivo é esse. Se prenderem, eu acho que criam uma situação muito difícil para o país. Acho que a prisão do Lula será vista como um ‘corolário do golpe’ que resultou no meu impeachment. Acho uma temeridade em todos os sentidos”.
Congresso
”O Congresso Nacional que eu conheci foi o Congresso que passou a ser hegemonizado pelo Eduardo Cunha. Todo mundo sabe o que é a Câmara sob a presidência do Eduardo Cunha.
Desde o primeiro dia do meu governo o PSDB entrou pedindo recontagem de votos, depois falando que a urna eletrônica estava viciada. Como as duas coisas não vigeram, o que aconteceu, o Eduardo Cunha virou o presidente da Câmara. A partir daí o Brasil precisava de medidas para melhorar a gestão fiscal, mas ao invés disso ela chegou ao cúmulo de, entre fevereiro de 2016 até o dia em que eu saí do governo, a Câmara não funcionar. A imprensa não noticiou isso, a câmara não tinha comissão de constituição e justiça, a Câmara não teve nenhuma ação parlamentar de fevereiro a maio.
Uma câmara hegemonizada por esse senhor era uma Câmara onde você aceitava as propostas indevidas, ou não tinha negociação. Nós não aceitamos as propostas e a própria imprensa dizia que ou a gente aceitava ou ele entrava com impeachment. Disso eu não tenho o menor arrependimento, o que é necessário é que esse tipo de conduta não seja admissível em uma democracia.
É impossível que uma pessoa que negocia legislação, que cobra pedágio para aprovar qualquer tipo de proposta, seja presidente da Câmara. Ele foi bem depois que o necessário tirado da presidência da Câmara, mas provocou estragos graves e controlava o centrão”.
Golpe
“O sentimento que eu tenho é de injustiça. Uma injustiça comigo porque sou vítima de um processo que tinha dois objetivos, sendo que um deles era impedir que a lava jato chegasse até eles, e isso não sou eu quem digo, quem disse foi o senador Romero Jucá.
De outro lado aprovar a PEC, uma reforma da previdência contra o interesse dos trabalhadores e uma reforma trabalhista. Me provoca um sentimento enorme de injustiça, mas de outro lado me provoca indignação, pois é impossível que o Brasil continue sendo governado por uma elite que não tem a sensibilidade mais remota com relação ao interesse dos mais pobres, dos negros, das mulheres. É uma questão muito grave, é um governo de homens ricos e brancos que não leva em conta parte da população.
Não se pode ter ódio das pessoas porque não é no sentido pessoal que elas agem. Elas agem representando interesses e valores que não são os meus. Portanto, faz parte nesta vida você conviver com pessoas com as quais, em alguns momentos, você se espanta com que elas são capazes de atitudes pouco éticas.
Isso não te provoca ódio, te provoca um sentimento de desencanto. Isso também não me paralisa não. Eu não tive ódio de torturador porque eu vou ter ódio de traidor dentro destes processos? Não pode funcionar assim, ninguém pode ser movido a ódio, porque o ódio faz com que você seja capturado pelo objeto que você odeia.
Partido dos Trabalhadores
“Acredito que a reformulação do partido é algo que tem de ser feito. Cometemos erros, mas não é uma questão de se autopunir, é uma questão de procurar novos caminhos, avaliar as decisões incorretas, atitudes incorretas.
Eu acredito que o PT tem um patrimônio, é o patrimônio das lutas sociais no Brasil. Não é essa ou aquela pessoa que vai definir como que o PT vai prosseguir. Acredito que é uma das forças importantes da área progressista do campo popular e democrático, que tem compromisso com a população, mas acho que tem que fazer uma reavaliação.
O que aconteceu é muito grave, e não são só as eleições, o impeachment é muito grave, a ruptura democrática é muito grave, e isso vai ensejar a discussão sobre que caminhos seguir. Acredito que é muito importante essa discussão, e não vejo ninguém no PT que seja contra ela.
Cotidiano após a Presidência
“Eu tenho lido muito e tenho usado a internet para conversar com gente de todo o país, você debate pelas redes sociais. Tenho tido uma vida intensa nessa área, mas é bem mais leve do que antes. Posso ler mais, posso assistir mais filmes, ter convívio com meus netos, tem as suas compensações”.
Da Redação da Agência PT de Notícias