“Patada” de Bolsonaro em cidadão camufla sua incompetência

Presidente mandou apoiador que lhe pediu para baixar o preço do arroz ir comprar o alimento na Venezuela. Inflação de outubro foi a maior para o mês desde 1995 – a de setembro já havia sido a mais alta em 17 anos. Senador Jaques Wagner apresenta projeto com medidas emergenciais para conter a alta da cesta básica

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Inflação de alimentos massacra os mais pobres

Sem nada melhor para fazer, o presidente Jair Bolsonaro tirou a manhã de domingo para andar de motocicleta com um grupo de motoqueiros e os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Enquanto promovia a habitual aglomeração na Feira Permanente do Cruzeiro, bairro próximo à região central de Brasília, foi interpelado por um cidadão.

“Bolsonaro, baixa o preço do arroz, por favor. Não aguento mais”, pediu o homem. O presidente então disparou: “Tu quer que eu baixe na canetada? Você quer que eu tabele? Se você quer que eu tabele, eu tabelo. Mas você vai comprar lá na Venezuela”.

Depois da “patada”, Bolsonaro não tocou mais no assunto. Também disse que não responderia a imprensa, pois ela distorce tudo o que é dito. Sua rispidez e grosseria serviram como cortina de fumaça para escamotear o que não consegue justificar: a incompetência de sua equipe econômica para conter o crescente avanço inflacionário, principalmente nos produtos que compõem a cesta básica dos brasileiros

O preço do arroz subiu 51,72% no acumulado do ano até outubro. Em setembro, Bolsonaro já havia avisado que o governo federal não iria agir para baixar o preço do produto nem de qualquer outra mercadoria. “Não vamos interferir no mercado de jeito nenhum, não existe canetaço para resolver o problema da economia”, justificou.

Na época, ele simplesmente prometeu manter conversa com representantes de supermercados, aos quais pediu “sacrifício e patriotismo” para manter “próximo de zero” o lucro sobre a venda dos itens da cesta básica nos estabelecimentos. Se manteve as conversas prometidas, o resultado foi o oposto: a inflação continua alcançando marcas históricas, mês a mês.

Nesta segunda (26), os operadores de mercado aumentaram as projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2020. O indicador que mede a taxa oficial de inflação estava estimado em 2,65% há uma semana e passou para 2,99% no último cálculo. Pela terceira semana consecutiva, os analistas também ampliaram a expectativa para a cotação do dólar. Passou de R$ 5,35 para R$ 5,40 na última semana.

As estimativas constam do Boletim Focus, relatório do Banco Central que entrevista analistas do mercado financeiro para acompanhar os principais indicadores da economia. O reajuste na projeção deste ano foi feito depois que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) surpreendeu em outubro, ao chegar a 0,94%.

Trata-se da maior taxa para o mês desde 1995 e da maior alta mensal desde dezembro do ano passado. O preço do arroz contribuiu para elevar o índice: subiu 18,48% apenas no período analisado. O indicador – que é considerado uma prévia da inflação oficial do país – mostrou forte aceleração em relação ao índice de setembro, quando ficou em 0,45%.

No ano, a prévia da inflação acumulou alta de 2,31%, e em 12 meses atingiu 3,52%, acima dos 2,65% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores. O único grupo a apresentar queda em outubro foi educação (-0,02%).

O resultado do IPCA-15 de outubro veio acima do esperado pelo mercado. Pesquisa da agência Reuters com economistas estimava alta de 0,81% para o período. A maior pressão de alta veio dos alimentos, que representaram praticamente metade da variação do IPCA-15 no mês.

O grupo alimentos e bebidas subiu 2,24%, com impacto de 0,45 ponto percentual no índice de outubro. O item que mais pesou individualmente foi carnes (aumento de 4,83% no mês). Após a quinta alta consecutiva, os preços da carne acumulam no ano avanço de 11,4%. O índice também foi puxado pelo aumento dos preços do óleo de soja (22,34%), do arroz (18,48%), do tomate (14,25%) e do leite longa vida (4,26%).

Em outubro, o IPCA-15 subiu em todas as regiões pesquisadas pelo IBGE. “Nos chama atenção que a difusão tem subido de maneira geral ao longo do ano, o que é esperado uma vez que o choque pós pandemia deprimiu muitos produtos, mas começa a chegar a patamares elevados”, avaliou o economista-chefe da Necton, André Perfeito, para o portal ‘G1’.

O indicador refere-se às famílias com rendimento de 1 a 40 salários mínimos e abrange as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além de Brasília e Goiânia. A metodologia é a mesma do IPCA, índice oficial da variação média de preços no país. O que muda é apenas o período da coleta e a abrangência geográfica.

Puxada da mesma forma pela alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis, a inflação oficial de setembro já havia surpreendido o mercado, que passou a rever para cima as previsões para o IPCA de 2020. Segundo o IBGE, o IPCA subiu 0,64%, maior resultado para setembro em 17 anos. Em 2003, o indicador teve variação de 0,78% no mês.

Juro zero em financiamentos do Pronaf

Na última segunda (29), o senador Jaques Wagner (PT-BA) apresentou o Projeto de Lei (PL) 4.760/2020, que prevê medidas emergenciais para conter a alta dos preços dos alimentos da dieta básica da população e garantir sua oferta.

Uma das principais medidas prevê taxas de juros zero, com carência de um ano para custeio e três anos para investimentos, nas operações de financiamento de custeio e comercialização das culturas de arroz, feijão, mandioca e hortigranjeiros com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). As condições valeriam para as safras 2020/2021 e 2021/2022.

Além disso, durante os momentos de baixa dos preços desses itens, o governo poderia fixar preços mínimos especiais para os produtos da agricultura familiar, “em patamares que remunerem efetivamente os custos regionalizados de produção, acrescidos de 15% a título de estímulo pela segurança alimentar”.

O projeto de lei também institui tarifas aduaneiras nas exportações de arroz, milho, soja em grãos, farelo de soja e óleo de soja destinadas a países de fora do Mercosul. Essas tarifas ficariam em vigor até que o abastecimento desses produtos se normalizasse dentro do Brasil.

Ao defender essa medida, Jaques Wagner argumenta que, “neste caso, não se trata de inovação mesmo entre os países do Mercosul, já que a Argentina, por exemplo, recorre recorrentemente à prática da retención, como recentemente imposta pelo atual governo. Durante o governo Kirchner, a retención sobre a soja chegou a 49%”.

O senador lembrou que a Organização Mundial do Comércio (OMC) chancela tal iniciativa quando está em risco a segurança alimentar interna dos países, como no atual caso brasileiro.

Outra medida prevista no texto é a criação de um cadastro nacional dos armazenadores de grãos, fibras e óleos, que ficaria a cargo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Todas as empresas que atuam com armazenagem desses itens seriam obrigadas a se cadastrar — e seus respectivos alvarás de funcionamento ficariam condicionados a esse cadastramento.

O senador afirma que a situação atual, com “esse quadro estrutural de potencial de escassez desses produtos, foi acompanhado no período recente da política deliberada de extinção dos estoques públicos e das exportações desenfreadas”, entre outros fatores. Isso resultou, segundo ele, em um “processo escandaloso de alta dos preços em meio a uma pandemia igualmente pavorosa”, que afeta principalmente as camadas econômicas mais vulneráveis da população.

Para Jaques Wagner, “a trajetória que culminou com a hegemonia do agronegócio exportador no país foi responsável pela fragilização da base produtora dos alimentos essenciais à nossa população”. Ele diz ainda que não se pode aceitar “que a ‘resolução do problema’ ocorra pela perversa contenção da demanda com o fim do auxílio emergencial”.

Da Redação

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