Artigo: O que se esconde na privatização da BR Distribuidora

Em 50 anos, atuando em mercado de concorrência, a BR Distribuidora formou um dos maiores patrimônios públicos, afirma em artigo ex-diretor da BR Distribuidora e diretor da AEPET

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Depois do ano 2016, a palavra privatização e suas correlatas tornaram-se propositadamente vulgares, de uso tão corriqueiro pela mídia, fazendo importante parte da ideologia dos últimos governos, que a indiferença ao seu real significado apossou-se da maioria dos cidadãos, impedindo-os de reagir e de formular questões sobre o que também essa palavra esconde.

Este artigo tem por objetivo responder o que significava a BR Distribuidora, como instrumento estratégico de uma politica soberana para a sociedade brasileira, praticando preços justos compatíveis com a renda média do brasileiro consumidor.

Origens

A BR Distribuidora foi criada em 12/11/1971 para romper com o cartel formado pelas multinacionais, que controlavam o mercado de distribuição de combustíveis, o quarto maior mercado de consumo de derivados do mundo.

Era necessário possuir um parâmetro confiável dos custos envolvidos na atividade e que seriam levados ao Conselho Nacional de Petróleo (CNP) para fixar os preços dos derivados para o mercado.

Calculado os custos das atividades e fixado o preço justo, com base nos novos parâmetros, o mercado deixou de ser atrativo para várias multinacionais que abandonaram o país, destacando-se entre elas: Texaco, Atlantic e Esso.

Durante um longo período, de mais de 30 anos, o “mercado” aceitou os preços praticados como compatíveis com os objetivos maiores da política da Petrobrás em busca da autossuficiência de petróleo para o País. Não há registro de movimentos grevistas dos consumidores, embora mais de 70% fosse de petróleo importado.

Criação da logomarca: BR Petrobrás Distribuidora

Ela é o resultado da ação de um grupo de brasileiros nacionalistas que buscaram, com sensibilidade artística e profundo conhecimento técnico, oferecer um símbolo que resistisse à ação predatória das multinacionais.

O renomado intelectual, poeta e famoso “designer” Aloisio Magalhães aceitou criar um símbolo comercial que, simultaneamente, representasse e espelhasse a nossa nacionalidade, o nosso País: BR, de Brasil, de PetroBRás, indicativo de rodovias – BR 100 – e de tantos outros achados como: oBRigado, luBRificado etc. Essa logomarca deveria estar envolvida com as cores que mais nos simbolizam: Amarelo, Verde e Azul, cores da nossa bandeira.

Com essas definições para a logomarca, o criador do Pasquim, Ziraldo, criou a primeira folhinha a ser distribuída para todos os caminhoneiros e consumidores da BR. A conceituada pintora Djanira também criou uma folhinha com base em suas obras para distribuição no Natal de 1971, para as famílias.

O cartunista Henfil estudava a criação de uma cartilha para ser distribuída entre os frentistas sobre higiene e limpeza dos postos de serviço. O poeta concretista Décio Pignatari foi o autor da criação da palavra LuBRax para os óleos lubrificantes. A logo BR Distribuidora com cores nacionais causou forte impacto no mercado e na sociedade em geral.

A Petrobrás adotou-a e repintou suas bases, seus navios, suas refinarias com as novas cores, integrando todas as atividades a uma só imagem, ou seja, do Poço ao Posto.

Em paralelo, revolucionou a arquitetura dos postos, nas rodovias, nas áreas nobres de cada estado, integrando-se às paisagens locais.

Esse nosso símbolo constituiu-se em Ativo Intangível, de vida útil indefinida, inegociável e intransferível, caso houvesse respeito ao que é propriedade pública.

50 anos da BR Distribuidora

Ao celebrar o cinquentenário ostentou e manteve o galardão de ser a segunda maior empresa comercial do País controlando 27% do mercado de diesel e 25% do mercado de gasolina.

Em 2018 registrou um faturamento de R$ 98 bilhões e Lucro Líquido de R$ 3,2 bilhões. O Relatório de Atividades deste ano registra: “O Estatuto Social foi reformado de modo a contribuir para o interesse público que motivara a sua criação.” Esse faturamento representava 10% do faturamento da Petrobrás e era incorporado ao seu Balanço reforçando os indicadores contábeis e o seu fluxo de Caixa.

Nesses cinquenta anos (1971/2021), atuando em mercado de concorrência, formou um dos maiores patrimônios públicos composto dos seguintes ativos:

a) 14 mil de grandes consumidores- indústrias, usinas, agricultura e outros;

b) 7.665 postos com a bandeira BR em todo o território nacional;

c) fábrica de lubrificantes, sendo a maior planta industrial do gênero na América latina;

d) 1.247 Lojas BR Mania presente em quase todos os postos de serviço;

e) 39 Bases próprias, cinco Bases em “pool” administradas pela BR; 17 Bases administradas por terceiros;

f) oito armazenagens em terminais e 17 armazenagens com terceiros;

g) 10 operadores logísticos;

h) 15 depósitos de lubrificantes; e

i) estava estabelecida em 98 aeroportos distribuídos nas cinco regiões do País com 100 postos de abastecimento, com a marca própria BR Aviation.

A empresa construiu esse patrimônio, pertencente ao povo brasileiro, em todo o território nacional, atuando sempre em mercado de livre concorrência e conquistando a confiança dos consumidores pela excelência dos serviços e a garantia dos preços e da qualidade dos produtos.

Transferência de Propriedade da BR DISTRIBUIDORA

O megainvestidor Warren Buffett sempre ensinou aos rentistas: “Preço é o que se paga pela ação, Valor é o que se leva”.

Até a apresente data não sabemos se o preço cotado em Bolsa, em 05/07/21, de R$26,00, que sofreu um desconto de 2,5% sobre o preço de fechamento foi justo ou não, pois foi baseado nele que foram transferidas a totalidade das ações – 37,5% – que ainda estavam sob o controle da Petrobrás, recebendo o valor de R$11,3 bilhões, equivalente ao lucro liquido da BR, em 2018, de três anos e meio.

Não sabemos se, no preço de R$ 26,00, foram apropriados os indicadores contábeis relativos ao patrimônio construído durante cinquenta anos tais como: liquidez geral e liquidez corrente e P/L (preço/lucro); o P/PV (preço/valor patrimonial); o P/EBITDA (preço/Ebitda) e outros que influenciaram o preço da ação naquele dia e o aproximariam do valor patrimonial da empresa.

A análise fundamentalista pode indicar que os ativos da empresa estavam subvalorizados, mantendo válido o questionamento entre valor da empresa e preço das ações pois, como sabemos, em uma economia globalizada, a empresa sofre com variações na taxa de câmbio, nos preços da matéria prima, nas taxas de juros e muitos outros fatores de instabilidade que, sem dúvida, podem refletir no valor das ações, que não é regida apenas pela Lei da Oferta/Demanda.

Os mais destacados compradores do controle, que pagaram aquele preço e levaram o valor para seus cofres, foram:

a) 576 fundos de investimentos nacionais e estrangeiros;

b) 146 investidores estrangeiros; e

c) 4.859 pessoas físicas.

Desse modo, ao baixar o martelo da Bolsa, o País perdeu (temporariamente ou não?) a sua mais expressiva marca comercial – a BR Distribuidora – que, mediante estranho Contrato de Licenciamento, foi assegurado o uso da logomarca BR Distribuidora até 2029 e prorrogáveis por mais 10 anos, enganando o consumidor e encobrindo a empresa que representa aqueles investidores que buscam apenas os Dividendos.

O administrador dessa empresa “de fachada” declarou: “Nós não temos nenhum (sic!) interesse em mudar a Marca BR Petrobrás nos Postos”.

Desse modo, constata-se que os Diretores da Petrobrás e os Conselheiros da empresa, responsáveis por essa estranha negociação, impedem que um novo Governo possa decidir pelo retorno da atividade de distribuição na Petrobrás utilizando sua tradicional logomarca. Não encontro no Dicionário de termos respeitáveis uma palavra que seja aplicada a esses indivíduos, que se valendo de momento fugaz da história, sentem-se confortáveis no balcão de negócios e entregam símbolos nacionais construídos com muito trabalho e dedicação para transmitir às futuras gerações uma pátria soberana.

Noam Chomsky: ”O Brasil pode não estar mais entre nós dentro de algumas décadas”.

Sylvio Massa de Campos, economista aposentado, ex-diretor da BR Distribuidora e diretor da AEPET.

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