Negros são 84% das pessoas mortas em ações policiais no Brasil
Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta crescimento no número de mortes da população negra em 2021. Estados do Amapá, Goiás e Rio de Janeiro concentram maiores taxas de mortes pelas polícias
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Para Bolsonaro, violência é sinônimo de “fartura”. Em um governo que promove o discurso de ódio, o apoderamento de armas e munições, o preconceito e a discriminação, aumentar o crescimento de mortes da população negra é parte de um plano genocida, que segue em curso desde o início do seu mandato.
No último ano, conforme o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de mortes por policiais de pessoas negras aumentou 5,8%. Entre 2020 e 2021, negros e pardos representaram 84,1% das vítimas de intervenções policiais, o que reflete em 54% dos brasileiros. No caso das pessoas brancas, o número de mortes teve queda de 30,9% no mesmo período, segundo a pesquisa.
O secretário Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT), Martvs Chagas, afirma que o Brasil vivencia também uma pandemia com o cenário de mortes da população negra, que se agrava com o aumento da miséria, do desemprego e com o crescimento da desilusão das pessoas, reforçado por um estado policial que Bolsonaro incentiva e faz com que as pessoas sejam alvos fáceis da violência policial.
“É necessário fazer uma mudança efetiva em como entendemos a segurança pública no país e apresentar uma saída de algo que é crônico: a mortalidade da população negra, principalmente da juventude”.
Ouça, na íntegra, o secretário Martvs Chagas:
“Vítimas pretas não são acidente”
Para o pesquisador do FBSP, Dennis Pacheco, a manutenção do perfil das vítimas pretas não se trata de acidente.
“Portadores dos estigmas de perigosos, improdutivos e indesejados, sintetizados pela polícia na noção de ‘fundada suspeita’ usada para justificar que sejamos desproporcionalmente abordados, presos e mortos”, afirma.
Os pesquisadores responsáveis pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que os argumentos para a prática da violência costumam girar em torno de três afirmações equivocadas: negros seriam mortos mais vezes por serem maioria da população, por serem pobres ou pela atividade criminosa supostamente ser o motor da economia em periferias ou favelas, onde há maior concentração da população negra.
“Somos julgados e mortos por características como nossos tons de pele, a textura de nossos cabelos, nossas origens, a forma como nos vestimos, falamos e andamos. Temos nosso direito à vida, o mais fundamental de todos, negado cotidianamente pelo racismo. A mudança só pode começar por aí.”
“A violência policial contra a população negra mostra que o racismo no Brasil é estrutural. Ele está na raiz das instituições do Estado e em todos os setores da sociedade. É uma cultura de ódio e de violência inaceitáveis. E isso vem de longa data. A abolição de 1888 não foi concluída.
O nosso povo foi deixado à margem, sem um mínimo de condições de vida digna. E os reflexos se dão ainda hoje. Mais de 80% dos pobres no Brasil são negros. Vivem em condições precárias, sem saúde e educação, sem saneamento básico, sem segurança, sem emprego e renda, sem ar para respirar. Esta é a realidade do Brasil: matam o jovem negro, a mulher, o idoso, o homem negro.
É uma realidade das mais cruéis, desumanas. Onde estão os direitos humanos? Dois pesos e duas medidas? O Congresso tem a sua responsabilidade e precisa agir de forma mais contundente. O Senado já aprovou algumas propostas como os projetos da injúria racial e o da abordagem policial. A Câmara precisa seguir esse caminho”.
Senador Paulo Paim
Influência da cor-raça
Ao discutirem a influência de cor-raça na letalidade das forças de segurança do Estado, os pesquisadores do Fórum defendem que é preciso avançar no debate sobre a seletividade do uso da força pelas polícias brasileiras, com foco nos corpos negros, e apontam que o problema não é exclusividade das polícias.
“É necessário também reconhecer que existe uma demanda social por incriminação e eliminação da negritude brasileira historicamente consolidada no próprio projeto de nação do Brasil”, concluem.
O anuário ressalta que o perfil das mortes pelas polícias no Brasil como um todo se mantém: pessoas negras, homens (99%), com idade entre 18 e 24 anos (43,6%).
Para o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, o estudo aponta que mesmo dentro das mortes violentas intencionais, que já tem uma maioria de pessoas negras como vítimas, a distribuição nas ocorrências de mortes por intervenção policial é ainda maior.
“Esse dado de raça e cor nem sempre é tão bem informado nas bases de dados, mas dá para a gente ter uma estimativa a partir deles, e a gente consegue chegar a essa conclusão de que a desigualdade racial na atuação policial vem se deteriorando nesses últimos anos”, pontua.
Amapá concentra o maior número de mortes
Marques destaca que os estados têm dinâmicas muito distintas, mas a postura dos governadores em legitimar e até incentivar a letalidade também acabam corroborando para altas taxas, tanto na comparação por 100 mil habitantes — AP (17,1), SE (9), GO (8), RJ (7,8) — quanto na proporção por mortes violentas intencionais.de morte e mortes pelas polícias).
“Amapá, disparadamente, é o estado com o maior problema atualmente, que é problema recente e assume essa posição nos últimos três anos e amplia a diferença em relação aos demais [estados], e pelo o que a gente acompanha faz parte de um cenário político local, com a ideia de que a polícia atuando desse jeito faz frente às facções criminosas no estado, por exemplo. O estado de Goiás também, na esteira do que veio o caso do Lázaro”.
Homem negro e jovem
O estudo apresenta dados detalhados sobre o perfil das pessoas mortas por policiais em 2021:
- Oito em cada dez são negros
- 99,2% são homens
- 65,2% são jovens entre 18 e 29 anos
- Adolescentes de 12 a 17 anos são 8,7% do total
A luta antirracista do PT
A luta antirracista, pela diversidade, pelos direitos dos povos tradicionais e por políticas públicas que promovam os direitos humanos sempre esteve no legado do Partido dos Trabalhadores (PT). Entre inúmeros retrocessos que o Brasil enfrenta desde o início do governo de Jair Bolsonaro, o PT permanece na busca pelas transformações sociais e batalha contra o genocídio das populações negras, contra a exclusão social e contra o racismo estrutural.
Confira, abaixo, todas as conquistas pela igualdade racial e o combate ao racismo durante os governos Lula e Dilma:
- Plano Juventude Viva – lançado em setembro de 2012, iniciativa que articula ações de onze Ministérios, de Governos Estaduais e Municipais para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica.
- Programa Brasil Quilombola – coordenado pela então Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) foi lançado em 12 de março de 2004 com o objetivo de integrar ações voltadas à melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades quilombolas no Brasil.
- Em 20 de novembro de 2007 foi instituída a Agenda Social Quilombola através do Decreto 6.261. A Agenda funciona por meio de um Comitê composto por representantes de 11 órgãos federais e sociedade civil. Tem como objetivo garantir o acesso à terra, inclusão produtiva, infraestrutura, qualidade de vida e direito e cidadania a essas comunidades.
- Lei 10.639/03 – altera a LDB 9394/96 e torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas de ensino fundamental e médio, regulamentada pelo Parecer CNE/CP 03/2004 e Resolução CNE/CP 01/2004.
- Decreto 4887/03 – regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
- Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial – CONAPIR (2005, 2009 e 2013).
- Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CINAPIR criado pela Lei 10.678 (23/05/2003), e regulamentado pelo Decreto 4.885 (20/11/2003), com alterações feitas pelo Decreto 6.509 (16/07/2008).
- Decreto nº 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
- Lei 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial.
- Diretrizes curriculares nacionais para a Educação Escolar Quilombola – Parecer CNE/CEB 16/2012 e Resolução CNE/ CEB 08/2012.
- Lei nº 12.711, de agosto de 2012 – cotas nas Universidades e nos Institutos Técnicos Federais – essa lei começou a ser implementada pelo Ministério da Educação (MEC) no ano seguinte à sua aprovação.
- Decreto 8.136/2013 – Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR –, instituído pelo Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). Tem como objetivo criar a sinergia entre governo federal, estadual, municipal e distrital na elaboração, fortalecimento e implementação de políticas de igualdade racial no Brasil.
- Guia de Políticas Públicas para os povos ciganos – Brasil Cigano (2013). (É importante citar o guia pois o mesmo tinha o objetivo de construir o Plano Nacional de Políticas para os Povos Ciganos, cujas diretrizes foram planejadas ainda na SEPPIR durante a gestão da então presidenta Dilma Rousseff).
- A Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 – reserva de vagas para candidatos(as) negros(as) em concursos públicos federais. Destina 20% das vagas para negros nos concursos para cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Federal Direta e Indireta (Essa lei foi aprovada como constitucional em 08/06/17, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, em resposta a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)).
- Resolução 746/2015: estabelece o preenchimento obrigatório do campo cor ou raça em todas as contratações feitas por programas que foram financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, o que possibilitará a construção de programas específicos de equidade racial no mundo do trabalho.
- Criação da Reunião de Autoridades sobre os Direitos dos Afrodescendentes, no âmbito do Mercosul – RAFRO, em 2015. A criação da RAFRO era uma demanda da Comissão Permanente Discriminação, Racismo e Xenofobia da Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias (RAADH), coordenada no Brasil pela Seppir e tem importância internacional na construção de políticas de igualdade racial nos países do Mercosul.
Da Redação, com informações do Correio do Povo e Ponte Jornalismo