Financiamento privado é um escárnio com a democracia, criticam especialistas
Mudança institucionaliza a prática, apontada por pesquisadores como um dos principais mecanismos de corrupção
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O Senado Federal vai votar, nos próximos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 182/07, inclui na Carta Magna a autorização para que empresas façam doações a partidos políticos.
A PEC foi aprovada em segundo turno pela Câmara Federal na quarta-feira (12), que concluiu a análise de matérias da reforma política. A tramitação desse e de outros itens segue em comissão do Senado e depois vai para o Plenário da Casa. Os deputados do PT votaram contra o financiamento privado.
A vice-presidente Nacional do PT e coordenadora do projeto de reforma política do partido, Gleide Andrade, informou que o partido continuará a luta para tentar barrar a proposta que inclui o financiamento privado na Constituição. O partido articula uma reunião na próxima semana para decidir os próximos passos da mobilização com organizações sociais que defendem uma reforma política mais ampla do que a realizada pela Câmara.
Entre as entidades, estão a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “É um atraso muito grande para a sociedade brasileira. É muito ruim para hoje, para as gerações futuras, mas muito pior para a democracia”, critica Gleide.
A coordenadora acrescentou que, se a proposta for aprovada no Senado, o partido e as organizações vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). “A nossa expectativa de que o Senado possa vetar é grande”, disse.
Para o especialista em direito constitucional Luiz Felipe Panelli, a inclusão do item na Constituição tem como objetivo evitar que o STF decida que a doação de pessoa jurídica para campanha eleitoral é inconstitucional. “Isso provavelmente vai acontecer, porque a maioria dos ministros do STF se manifestou nesse sentido”, explica.
“É um absurdo completo essa questão de permitir que pessoas jurídicas financiem campanhas. É evidente que são grandes grupos empresariais, como bancos e empreiteiras que dão a maior parte das doações e eles têm interesses escusos”, avalia.
Panelli considera “simbolicamente péssimo” que o financiamento esteja na Constituição. “É um escárnio total com a democracia”, critica.
O cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Rodrigo Gallo, afirma que a norma gera um risco para a democracia. “A aprovação de uma PEC como essa institucionaliza ainda mais esse tipo de prática e a legitima, já que a Constituição é o DNA jurídico do País”, detalha.
De acordo com Gallo, nas últimas eleições o financiamento privado superou o financiamento público, por meio do Fundo Partidário. “Tem aumentado o interesse da classe empresarial em investir em candidatos. De modo geral, a gente pode pensar que isso indica que a política acaba virando um negócio e a campanha, por sua vez, acaba servindo como um balcão de investimentos”, afirma.
“O que a empresa espera é algum tipo de lucro real, que a beneficie. A empresa investiu em um candidato e espera, ilegalmente, óbvio, se beneficiada no futuro em algum processo de licitação. A empresa pode, por exemplo, querer ditar as regras da política econômica ou influenciar na política econômica de modo a articular regras que a beneficie”, critica.
Na avaliação de Panelli caso a proposta seja aprovada pelas duas Casas do Legislativo, pode ser barrada pelo STF, desde que os ministros entendam que ela fere a cláusula pétrea sobre o voto.
“A Constituição estabelece que não pode haver emenda tendente a abolir o voto secreto, direto. Pode haver uma interpretação um pouco mais ampla. É possível defender que a cláusula pétrea é todo o procedimento democrático, inclusive a campanha”, explica.
Nessa linha de argumentação, o financiamento da campanha por pessoa jurídica poderia alterar o sistema. “Seria uma argumentação difícil de ser feita”, analisa.
Assim como os deputados, os senadores do PT se posicionam contra a PEC. O Projeto de Lei (PLS) 301/2015, do senador Walter Pinheiro (PT-BA), quer proibir a doação de empresas e limita a doação de pessoas físicas a até 10% de sua renda bruta.
A proposta estabelece com teto de doação o valor de R$ 33,7 mil, que corresponde ao salário de ministro do STF. “O doador vai se identificar, se apresentar no ato de sua doação. Essa é a melhor forma, inclusive, de o próprio Tribunal Superior Eleitoral coletar a prestação de contas”, explicou o parlamentar em entrevista à Agência Senado.
Na avaliação do autor do projeto, trata-se de uma forma eficaz de “combater a corrupção, o desvio e o caixa dois”. O PLS 301/2015 foi apresentado em maio e ainda não começou a tramitar.
Panelli analisa que, pelo perfil do Senado, há chance de o financiamento privado ser barrado na Casa. “Vai depender do jogo político. O Senado está um pouco mais calmo e reflexivo do que a Câmara por ser a Câmara alta do Legislativo. Então eu acho que no Senado tem mais chance de isso ser revertido”.
Segundo Gallo, o debate excluiu a população. “É o tipo de coisa que deveria ser muito mais debatido junto à população do que simplesmente propor o projeto, discutir no Legislativo e aprovar”, critica.
Ele ressaltou que o Legislativo precisa se aproximar mais do povo. Gallo citou como exemplo a pesquisa divulgada pelo Datafolha no começo de julho. De acordo com o levantamento, 74% dos brasileiros são contrários ao financiamento empresarial e 79% acreditam que as doações estimulam a corrupção.
“Não li a parte metodológica, mas pelos números a gente consegue ver que a população está enxergando que o financiamento privado pode tornar a situação de corrupção ainda pior. Talvez não seja o melhor caminho para o País”, aponta.
De acordo com o professor, alguns países que não proibiram o financiamento optaram pela criação de um valor limite de doações. “Criando esse teto, que sempre acaba sendo baixo, você pelo menos evita a quantidade de poder de influência que esses financiadores de campanha vão poder exercer caso aquele candidato seja eleito. É uma tentativa de refrear um pouco um possível efeito nocivo do financiamento privado”, argumenta.
Por Cristina Sena, da Agência PT de Notícias