A pesquisa Agenda Juventude Brasil – Por Severine Macedo
Agregando estatísticas oficiais já produzidas e indo além delas, a Agenda Juventude Brasil: Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros explora novas questões, novos cruzamentos de dados, percepções e opiniões dos jovens
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Aprofundar o conhecimento da sociedade brasileira sobre sua juventude e consolidar a produção continuada desse conhecimento são desafios para o Brasil seguir avançando em políticas públicas que efetivem os direitos juvenis. Esta tarefa ganha dimensão ainda mais importante neste período em que o país registra a maior população jovem, em termos absolutos, de sua história – 48,85 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos1, cerca de 25% de sua da população – e um vigoroso, mas imperfeito, processo de inclusão social. As manifestações iniciadas em junho de 2013, fortemente protagonizada por jovens, estamparam a necessidade de mais e melhores estudos, buscando compreender quem são os sujeitos dessa geração que se forma junto com este novo Brasil, e de mais e melhores políticas, buscando aprofundar a transformação do país. Com esta perspectiva foi realizada, entre abril e maio de 2013, sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) da Secretaria-Geral da Presidência da República, o trabalho de campo da Agenda Juventude Brasil: Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros2. Divulgada em agosto e atualizada em dezembro, a pesquisa busca conhecer as realidades, questões e opiniões da juventude brasileira, agregando as e indo além das estatísticas oficiais já produzidas. Abaixo, alguns dos resultados mais expressivos desse trabalho. Maior identidade racial Declararam-se de cor preta ou parda 60% dos entrevistados (15% e 45%, respectivamente); 34% de cor branca; e 6% amarelo/indígena. Interessante notar que a proporção de jovens que se declara preta é quase o dobro do que a identificada pelo IBGE no Censo 2010 (7,9%). Diferente do Censo, onde essa informação é dada por apenas um membro da casa – comumente mãe ou pai – esta pesquisa baseou-se na autodeclaração dos jovens. Absorção de novas tecnologias Computador e internet são usados por 75% dos jovens e 89% tem celular. Para se informar sobre o que acontece no Brasil e no mundo, 83% usa a televisão aberta, 56% a internet, 23% os jornais impressos, 21% as rádios comerciais e 17% a TV paga. Enquanto a TV aberta é o meio de informação mais acessado por 91% dos jovens de baixa renda3, a internet figura em primeiro lugar entre os mais ricos (73%). Avanços notáveis na escolaridade Embora ainda longe de chegar aos patamares desejados, os jovens desta geração tem uma relação com a escola muito mais ampla e consolidada do que as gerações anteriores: 59% chegou ao Ensino Médio, enquanto este nível de escolaridade foi alcançado por apenas 25% de seus pais. Numa pesquisa realizada em 20034, apenas 6% dos jovens de 15 a 24 anos tinham Ensino Superior, enquanto atualmente são 10%. Já de 25 a 29 anos temos 19% dos jovens que alcançaram a faculdade. Interessante notar que quase 90% dos jovens disseram que gostam ou gostavam de estudar quando estavam nessa situação. São 66% aqueles que gostariam de estudar até o Ensino Superior ou mais e apenas 9% dos jovens entrevistados não gostariam de estudar mais. A desigualdade social se reflete no nível de formação. Entre os estratos baixos, 43% foram até o fundamental, 54% até o médio e 4% até o superior. Nos estratos médios, esses números são 23%, 64% e 13%, enquanto nos estratos altos são 10%, 53% e 37%, respectivamente. Possibilidade de estudar: o que há de mais positivo no país Quando questionados sobre o que há de mais positivo no Brasil, “as possibilidades de estudar” foi o item mencionado por 63% dos jovens, reforçando o reconhecimento dos avanços no campo educacional. Em seguida aparecem a “liberdade de expressão” (55%), a estabilidade econômica (46%) e “ter democracia” (45%). A “possibilidade de consumo” aparece no último degrau de escolha, junto com políticas sociais, reunindo, cada uma delas cerca de 1/3 das respostas. Chama atenção o fato de apenas 4% declarar que não há nada de positivo no país. Os pobres (32%) valorizam em maior medida do que os ricos (24%) as possibilidades de estudo. Já para as políticas sociais essa relação é de 12% e 3%, o inverso do que ocorre com a liberdade de expressão (13% e 25%). Juventude trabalhadora Grande parte dos jovens compõe a População Economicamente Ativa (PEA): 74%, sendo que 53% trabalha e 21% procura trabalho. Conciliam escola e trabalho 14% dos jovens e 8% procura trabalho enquanto estuda. Essa relação, contudo, diferencia-se enormemente conforme a idade: entre os adolescentes de 15 a 17 anos 85% está estudando e 55% trabalhando ou procurando trabalho, já no segmento entre 25 e 29 anos 86% está na PEA, enquanto apenas 14% estuda. A grande maioria dos jovens tem sua primeira inserção no mundo do trabalho mesmo antes de completar 18 anos de idade (65%). Vale destacar que no campo 47% dos jovens entram no mundo do trabalho antes dos 15 anos. Nos estratos mais altos de renda, 65% dos jovens estão ou estiveram em empregos formais e 16% em informais, enquanto nos estratos mais baixos só 22% ocupa ou ocupou postos formais e 32% informais. Jovens de cor branca têm 30% mais chances de ter emprego formal do que jovens negros. Os homens jovens possuem 25% mais chances de ter uma ocupação formal do que as mulheres jovens. Violência como marca de uma geração O que mais preocupa os jovens atualmente – na declaração espontânea – é a violência que, na soma das menções, foi citada por 43%. Em segundo aparece a questão do emprego ou profissão (34%). Num terceiro patamar temos as questões de saúde (26%) e educação (23%). Drogas, crise econômica e família aparecem num quarto degrau, com uma parcela entre 17% e 18%. Interessante é a diferença de resultado quando se pergunta, de maneira estimulada, quais são os problemas do Brasil que mais preocupam os jovens. Podendo eleger dois problemas, a corrupção, que não havia aparecido espontaneamente na pergunta anterior, foi citada por 67% dos entrevistados. Em seguida vem o poder dos traficantes (46%); a grande desigualdade entre ricos e pobres (42%); e o racismo e outras formas de discriminação (34%). Corroborando a constatação do quanto a violência marca a vida dessa geração, a pesquisa aponta que metade deles já perdeu uma pessoa próxima de forma violenta: por acidente de carro ou por homicídio. As perdas por homicídio – em sua maioria amigos, irmãos, primos ou tios – alcançam 25% dos jovens. Foram os pretos e pardos que relataram em maior proporção a experiência de perder alguém próximo de forma violenta: 54% entre pretos e pardos e 45% entre os brancos. Política: é possível mudar o mundo Cerca de nove em cada dez responderam que os jovens podem mudar o mundo, sendo que, para sete, eles podem mudá-lo muito. A política, por sua vez, é valorizada pela maioria: 83% acha que ela é muito ou mais ou menos importante. Apenas 16% a acha nada importante. Para mudar as coisas no Brasil, “a participação e mobilização nas ruas e ações diretas” são a opção mais mencionada pelos jovens (45%). Em seguida vem a “atuação em associações ou coletivos que se organizam por alguma causa” (44%), a “atuação em conselhos, conferências, audiências públicas ou outros canais de participação desse tipo” (35%), a “atuação pela Internet” (34%) e a “atuação em partidos políticos” (30%). Em termos de participação política, chama atenção o fato de seis em cada sete jovens declararem que participam, já participaram ou gostariam de participar de coletivos e movimentos sociais. Igualmente interessante é o fato de 55% dos jovens terem tirado o título de eleitor antes da idade obrigatória (18 anos) e de outros 10% pretender tira-lo dentro do prazo facultativo. Percepções e expectativas: a vida vai melhorar Quanto à mobilidade de classe social que tiveram em relação à geração de seus pais, 36% dos jovens avaliam que sua vida hoje é melhor, enquanto apenas 8% aponta que sua vida piorou. 56% não veem alterações. Por outro lado, 94% acredita que sua vida vai melhorar, enquanto apenas 1% acha que vai piorar e outros 4% não veem perspectiva de mudança. Perguntados sobre quais elementos são mais importantes para sua vida presente; para melhorar de vida; e para garantir direitos, os jovens apontam: a família (75%) para a vida presente; o esforço pessoal (68%) para melhorar de vida; e as políticas do governo (47%) para a garantia dos direitos. Políticas de juventude: avançar é preciso A maior parte dos jovens (53%) apontou que “os governos no Brasil conhecem as necessidades dos jovens, mas não fazem nada a respeito”. Essa opinião é maior no meio urbano (55%) que no rural (39%) e cresce à medida que a renda aumenta: 46% dos mais pobres, 54% os jovens de estratos de renda média e 60% dos mais ricos. Cerca de 18% disse que “os governos apoiam e promovem programas e ações voltadas para a juventude” e apenas 8% indicou que “os governos não conhecem nem se preocupam com as necessidades dos jovens”. Mas ainda é significativa a parcela (20%) daqueles que responderam que não sabem nada sobre o tema. Foram 44% os que alegaram ter conhecimento de algum projeto ou programa de governo dirigido para a juventude. O Projovem lidera, sendo citado por 19% de forma espontânea. Em segundo lugar vem o Programa Universidade para Todos (Prouni), com 7%, e depois uma outra série de programas de educação, como Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com 4%, e Programa de Financiamento Estudantil (Fies), com 2%. Quando perguntados de maneira estimulada sobre as ações de educação para a juventude, o Enem, o Prouni e o ProJovem são conhecidos por mais de 85% da amostra. Mas é pequena a parcela daqueles que dizem conhecer bem qualquer uma dessas ações. É interessante reparar a importância que os jovens dão aos recursos humanos quando perguntados sobre o que o governo deve realizar para melhorar a educação, a saúde e enfrentar a violência. “Investir nos professores” foi a ação mais citada (55%) para a educação, assim como “contratação de novos profissionais” (60%) para a saúde e “combate à corrupção e má conduta de policiais” (51%) para a questão da violência. Construindo os avanços: a juventude como política de Estado Sem pretensão de esgotar o tema ou de tornar-se referência única, a pesquisa Agenda Juventude Brasil é uma contribuição da Secretaria Nacional de Juventude para ampliar e qualificar o conhecimento sobre esse segmento da população no país. Ela é parte de uma estratégia que inclui o Participatório – Observatório Participativo da Juventude5 como ferramenta para produção, consulta e troca destes conhecimentos e para articular os mais diversos atores e iniciativas interessados nesse campo. Assim como as manifestações de junho mostraram-se ricamente diversas e de difícil homogeneização, a pesquisa também deixa claro que a vida juvenil é composta por uma pluralidade de elementos e se desdobra em múltiplas trajetórias, inviabilizando qualquer tentativa de padronização da juventude e de simplificações que busquem um grande tema que responda as suas necessidades. Por isso, a pesquisa se debruça sobre as diferenças de faixa etária, sexo, cor/raça, situação de domicílio (campo e cidade) e renda. O trabalho abre inúmeras possibilidades de análise, mas deixa nítido como essa geração foi impactada pelas políticas de inclusão social – com destaque para a educação – e pela ampliação da democracia no país nos últimos anos. Por outro lado, também é cristalino que há limites e desigualdades que persistem neste processo e que há novas demandas oriundas da inclusão. A juventude pede novas respostas, ao mesmo tempo em que demonstra grande disposição de participar do debate político e de interferir diretamente nos rumos das transformações do país. O recado é claro: necessitamos de mais e melhores políticas. Passos estão sendo dados nesse sentido. Uma política em expansão é o Plano Juventude Viva6, que enfrenta a violência contra os jovens negros concentrando políticas públicas nos territórios com os mais altos índices de homicídio, além de apontar mudanças na conduta das polícias e do sistema judiciário. É importante frisar que o desenvolvimento de estruturas específicas para políticas de juventude ainda é relativamente recente no país. A maioria dos órgãos executivos, assim como dos conselhos, foi criada após a instituição da estrutura do Governo Federal (em 2005) e atinge hoje cerca de 300 municípios. Mas, a sanção do Estatuto da Juventude em 2013 nos abre novos horizontes. Além de instituir dois benefícios diretos – a meia-entrada para estudantes e jovens de baixa renda, e as gratuidades e meia passagem no transporte coletivo interestadual para os jovens de baixa renda – o Estatuto cria o Sistema Nacional de Juventude que irá organizar a política de juventude e induzir a ampliação dos seus órgãos de gestão e de participação em todos os níveis da federação. Essa é a hora de alargarmos nossa agenda, pois está em jogo a transformação das políticas de juventude em políticas de Estado, o aprofundamento dos canais de participação direta dos jovens e o papel central desta geração para o desenvolvimento sustentável do país. 1 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2012 –IBGE. 2 – A pesquisa é estatisticamente representativa do universo da população entre 15 e 29 anos. Confira a íntegra da pesquisa pode ser acessada em: http://www.juventude.gov.br/noticias/arquivos/pesquisa-atualizada-16-01.2013 3 – O recorte de renda segue o aplicado no estudo sobre estratos econômicos do Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE): Estratos baixos são os de renda domiciliar abaixo de R$ 290/mês; Estratos altos são os de renda domiciliar acima de R$ 1.018/mês; e, por conseguinte, Estratos médios são aqueles situados entre os dois anteriores. Comissão para Definição da Classe Média no Brasil, acessível em http://www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/Relatório-Definiçãoda-Classe-Média-no-Brasil1.pdf Severine Macedo é secretária Nacional de Juventude do Governo Federal (Texto publicado na edição de fevereiro de 2014 do Le Monde Diplomatique Brasil)