Artigo: A Lava Jato e a (falta de) transparência, por Tânia Maria de Oliveira
Em artigo, a advogada Tânia Maria Saraiva de Oliveira aponta os novos problemas e suspeitas que pesam sobre a força-tarefa de Curitiba. “Mas tudo indica que no fundo do poço tem uma mola, como diz o jargão popular”, opina
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É preciso reconhecer que ninguém mais se espanta com revelações de ilegalidades, desvios e falcatruas quando relacionadas à operação Lava Jato. Já entramos naquele ponto em que o absurdo virou comum, e tudo é visto como “um museu de grandes novidades” como dizia o poeta Cazuza.
Após a confirmação da atuação ilegal do FBI em Curitiba e das tentativas de criar uma fundação com R$ 2,5 bilhões da Petrobras pela turma da força-tarefa em Curitiba, fora todas as conversas de conluio com Sérgio Moro, o juiz que conduzia os processos, parecia que o fundo do poço havia chegado. Mas tudo indica que no fundo do poço tem uma mola, como diz o jargão popular. E o braço de Brasília da Lava Jato parece que gostou da ideia de gerir dinheiro público, usando operação de investigação para fazer negociata com o “nome fantasia” de Acordo de Leniência.
A Transparência Internacional, cujo nome agora soa como ironia, é a organização não governamental que trabalha divulgando dados de corrupção.
Em setembro de 2020 o portal Agência Pública divulgou uma série de mensagens trocadas entre o diretor-executivo da filial brasileira da entidade, Bruno Brandão, e o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, mostrando que ambos mantinham uma relação próxima e nada republicana, em que o procurador recorria ao dirigente da entidade para promover publicamente a operação e proteger sua imagem.
As conversas revelam, ainda, que a ONG teve acesso e palpitou na minuta do contrato assinado entre a força-tarefa e a Petrobras para a criação de uma fundação formada com dinheiro das multas recolhidas pela Petrobras, aquela que foi suspensa a pedido da procuradora-geral da República Raquel Dodge, e por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A ONG atuou nos últimos anos para defender publicamente a Lava Jato e seus protagonistas dentro e fora do Brasil, por meio de entrevistas, contatos com a imprensa e publicação de notas de apoio. O que fica evidente é que isso não se deu por convicção sobre os fatos, mas por uma relação estabelecida de forma não transparente com os servidores públicos do sistema de justiça responsáveis pela condução das investigações.
A notícia mais recente envolvendo as relações entre a Transparência Internacional e a Lava Jato foi divulgada no último dia 7 de dezembro.
Foi com essa ONG que procuradores do braço da Lava Jato no Distrito Federal assinaram em 2017 um memorando que integravam as autodenominadas operações greenfield, sepsis, cui bono e carne fraca – que atingiram a holding J&F, controladora da JBS e de várias outras empresas – e levaram os executivos do grupo a fazerem um acordo de colaboração premiada e de leniência para a empresa. Por meio desse acordo a ONG Transparência Internacional auxiliaria a estruturação do sistema de governança e a criação de uma entidade “para atender à imposição de investimentos sociais” das obrigações impostas à J&F.
O depósito relacionado a esse acordo de leniência, no valor de R$ 270 milhões, foi feito na última quinta-feira (3/12). A informação consta em um ofício do Procurador Geral da República à subprocuradora-geral da República coordenadora da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, solicitando que a quantia seja depositada no Fundo de Direitos Difusos ou revertidos em favor da União, divulgado pelo portal Conjur.
A Lava Jato como farsa já é lugar comum. Mas a degradação que vai se evidenciando a cada nova conduta que vem a público não deixa sequer a mais ténue lembrança de dignidade de investigação minimamente séria.
A operação já pode ser considerada um dos maiores truques políticos da nossa história. Produziu danos irreparáveis à economia do país e ao Estado Democrático de Direito, atuando com uma forma de ilusionismo profissional. Prosperou pelo apoio da mídia e também pela manipulação dos demais poderes e órgãos de controle, em uma dinâmica que evitou que seus atos fossem de fato verificados e revistos, mesmo quando divulgados. Transformou-se em uma força política capaz de influenciar a produção legislativa e o resultado eleitoral.
A merecer uma metáfora, a história de membros da operação Lava Jato pode ser contada como a de Giges, o pastor da República de Platão, que ao se tornar invisível aos olhos da sociedade sentiu-se livre para praticar todas as maldades e crimes em busca do poder. É o exato oposto da transparência, a camuflagem.
Trazer a lume todos os desvios e apresentar o que acontecia, verdadeiramente, nos bastidores da Lava Jato, mesmo quando pareçam já banais, é retirar-lhes o anel da invisibilidade do dedo e mostrar que não havia ali homens justos dispostos a combater a corrupção. Esse era apenas o engodo para sua imagem pública.
Ninguém combate a injustiça cometendo-a. O que fez com que os atores da operação Lava Jato buscassem a prática de toda sorte de desvios, supostamente em nome da moral, foi o crescente acúmulo de poder e a certeza da impunidade. Edificados como ícones de moralidade pública, quando na verdade eram apenas homens e mulheres com suas personalidades e defeitos, entenderam que tudo podiam, porque “justificável”.
O que se tem agora é a ostensiva mostra dos interesses mais indecorosos a serem viabilizados com o uso dos instrumentos legais. E isso inclui, no caso de Curitiba, por evidente, não apenas os procuradores, mas o juiz que conduziu os processos, cujos interesses financeiros recentemente revelados impressionaram a sociedade, e cuja parcialidade, já totalmente escancarada, ainda não foi declarada pelo único órgão que pode e deve fazê-lo: o Supremo Tribunal Federal.
Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb – GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Publicado originalmente no Brasil de Fato