Artigo: A vida é curta pra viver depois ou bem vindo Jean!
Em artigo, Vinicius Alves do PT da Bahia saúda a filiação de Jean Wyllys ao Partido dos Trabalhadores. ” Pelo Brasil, livre, orgulhoso, diverso e soberano. Bem vindo, companheiro (e conterrâneo)”
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Quando Jean anunciou o seu auto exílio meu peito doeu. Pensei comigo mesmo, falhamos. Falimos. E as consequências virão a galope… como vieram. Não falo somente do desmonte neoliberal promovido no campo econômico. Nem da absurda política de morte no campo sanitário. Falimos no campo de uma das garantias constitucionais mais elementares: o direito a vida. Jean precisou se exilar, em pleno século XXI, porque mesmo eleito democraticamente o Estado brasileiro não foi capaz de garantir o seu direito a vida – como não garantiu a Marielle.
Eu sou um comunista, com uma sutil deformação republicana e democrática. Exercício fundamental para sobreviver em um tempo onde o capital transnacional impera como modelo econômico, moral e cívico. No horizonte, busco incansavelmente construir um outro mundo possível, hackeando os limites de um Estado Democrático de Direitos e do mercado global. Na ausência de um centro operativo, capaz de financiar uma outra experiência econômica, social, cívica e cultural em escala global, a gente tem caminhado junto a galera que pelo menos assume os erros históricos da discriminação e das desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero.
Quem diria que essas categorias ora criadas para enquadrar nossos exemplos de vitórias, trajetos e glórias, serviria hoje justamente ao hackeamento dos espaços que tanto nos oprimiram. A gente vai levando… mas voltemos a nossa falência.
Falimos. O Estado que já agonizava, mostrando limites, contradições, inseguranças institucionais, servindo diuturnamente ao extermínio negro e indígena.. pós a dupla Bolsonaro-Guedes… fechou as portas. Boicote a compra de vacinas, falta de gestão para garantir insumos a unidades básicas de saúde ou mesmo de oxigênio nas unidades de terapia intensiva.
Mas não são só insumos, oxigênio e vacinas que têm nos faltado. Falta liturgia democrática. Falta harmonia entre os Poderes Constitucionais. E falta vergonha em muita cara para se manter ao lado e na sustenção de um projeto genocida desenfreado contra o próprio povo. No meio desse caos, uma certeza emerge no horizonte: a gente precisa de um novo marco ético, moral e civilizatório para o Brasil do século XXI. O marcos coloniais e sustentáculos dos séculos passados não nos servem mais. Faliram. Falharam. Precisam ser alterados pra já.
Esse marco, não é ideia original minha. Nem sua urgência, nem seu surgimento. Muitas falaram, muitas têm falado. Poucas têm sido escutadas. A Érica Malunguinho está certíssima, é preciso pautar a alternância de poder. O Brasil não pode seguir sendo um país cinicamente conduzido pelo poder colonial. A Europa tem se repensado, revisitado seu passado colonial, tentado investir em outro sentido. Países como México ou vizinhas como Chile, Argentina e Uruguai, têm também buscado identificar as estruturas coloniais que nos trouxeram até aqui, para por fim a hegemonia de sua condução.
A sociedade global que o Século XXI está, a duras penas, levantando exige rupturas. O mercado transnacional está se rompendo por elas. Os chamados índices de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ESG) têm apostado alto na construção de uma economia global com responsabilidade social, econômica e, sobretudo, democrática. Não existem mais condições de manter um percurso ético, moral e cívico que atente contra o mais fundamental de todo sentido humano: a proteção e garantia da vida.
É preciso um novo pacto social, institucional, cultural, econômico… que diga respeito a obras, que ajudam a gerar empregos, que melhoram as condições de viver… Mas é preciso, sobretudo, reposicionar a centralidade da vida. Aquela que como canta o Baiana System ‘[a vida] é curta pra viver depois’. As escolas do século XIX e XX, embora orientem com tamanha força a organização global, não precisam e não podem mais ser absorvidas por nós sem um filtro contextual. E isso vale para nós de esquerda, ou mesmo da direita liberal – aquela que após flertar com o fascismo, anda por aí dizendo que é centro/terceira via.
As experiências socialistas tiveram limites no campo das liberdades individuais. As experiências capitalistas e liberais, tiveram limites na garantia do bem viver. É preciso começar agora a construir um processo de reparação histórica e estrutural frente às desigualdades sociais constituídas pelo sistema econômico e social que privilegiou durante anos o lucro acima da vida. A vida, no Estado Democrático, tem ou deveria ter uma primazia sobre tudo e qualquer coisa. A garantia de proteção a ela deveria significa a real superação da dita barbárie que o antecedeu.
Uma parte do capital internacional tem mudado seu foco e sua forma de apontar a economia no século XXI. As estratégias e condicionantes que a política de ESG tem imposto, de maneira acertada, visando responsabilizar mais quem, ao longo da história, teve mais, são louváveis. Embora boa parte das assessorias de Diversidade e Inclusão estejam sendo ocupadas por pessoas brancas, tem existido um aceno em um sentido, aparentemente, oposto ao da opressão desumana e desmedida por parte do mercado.
É verdade que isso foi a troco de desmantelar os direitos trabalhistas, sim. É verdade que também tem como moeda de troca, ainda, a manutenção de um desequilíbrio econômico imenso, permitindo que poucos sigam concentrando a riqueza que deveria servir a nós, que compomos os muitos outros? Também sim. Não dá mais para as pessoas que operam no campo do capital econômico global pagarem de bacana na reunião da Cúpula em um dia e financiar o fascismo e as experiências extremistas no mundo no outro. A democracia dá trabalho e por isso mesmo, não pode ser tão facilmente descartável assim.
A vida organizada pelo princípio do equilíbrio, da equidade, é um fundamento muito antigo de povos diaspóricos. Sobretudo aqueles de pele bastante escura, que tanto foram invadidos, saqueados, sequestrados, traficados, escravizados e depois jogados a própria sorte em Repúblicas como a nossa. A gente deve, enquanto Brasil, uma reparação honesta a essas pessoas. Um processo que reequilibre as suas vidas, as suas múltiplas formas de bem viver. Eu não acredito, que isso será feito, sem que todas as forças sociais e políticas do Brasil – excetuando os fascistas – estejam sentadas na mesa.
Eu vou ser mais direto ainda. Eu acredito que nós devemos ter um mandato de Lula de cinco anos. Eu acredito que a missão desse mandato é convocar, no primeiro ano, uma Constituinte Exclusiva e Soberana. Nós precisamos refundar as bases democráticas do Brasil, devastadas por um experiência fascista nos costumes e ultra liberal na economia. E isso só será feito de maneira efetiva, se nós construirmos agora, para 2022, um consolidado acordo ético, político e cívico entre todas as forças democráticas. Um acordo onde flertar daqui pra frente com experiências fascistoides como o Bolsonarismo sejam duramente reprimidas. Onde romper com o equilíbrio democrático, como fez Aécio Neves, seja inconcebível.
Eu não vou amar a Globo ou o PSDB por isso. Ninguém está falando de amor aqui. Mas eu quero ter a oportunidade de discutir o país que eu quero viver e que eu quero deixar para as futuras pessoas que aqui viverão, de maneira radicalmente democrática. E isso não será possível sem a Globo e o PSDB. Lula tem feito gestos nesse sentido. De mostrar que a reconstrução democrática do país exigirá de nós a capacidade de diálogo, com o diferente, com o divergente e até mesmo com nossos antagonistas.
Feministas como a Chantal Mouffe nos oferecem literatura para pensar a construção de uma arena democrática exatamente nesse sentido. Ela nos apresenta o “marco ético-politico” como aquele acordo mínimo entre e de partida para um conjunto de forças democráticas. “Diferenças, divergências e antagonismos”, como as categorias pelas quais as forças caminham a depender do que seja colocado em discussão na arena democrática – que está sempre em disputa. Ninguém pode romper o marco ético-politico, porque tem diferenças, divergências ou mesmo antagonismos. Ele é quem baliza a própria existência democrática.
Diferente, é o que todas nós somos. Diferença é por onde categorizamos as experiências sociais, agrupando-as numa tentativa de estimular o processo de pertença e reconhecimento de si, a partir do reconhecimento do outro na sua singularidade. É também por onde se organizam as opiniões e perspectivas sobre a vida. Divergência aí, seria então, aquelas opiniões e perspectivas que estimulam a arena das diferenças a se posicionar em um conflito resguardado nos marcos éticos e políticos. A composição e conciliação de interesses não é necessariamente o procedimento padrão, embora seja perseguido de forma a dar conforto ao conjunto das divergências democráticas. Antagonistas, são aquelas posições irreconhecíveis e que no conflito dentro da arena democrática só se encerram pela deliberação e uso do voto. Da escolha de uma posição ou outra. E do pacto, democrático, de que a promulgação do resultado desse embate precisa, necessariamente, ser obedecido e acatado pelo conjunto de forças democráticas envolvidas nesse acordo ético, moral e cívico que chamamos até aqui de Democracia.
O que Mouffe tem a nos ensinar, portanto? Que diferenças, divergências e até antagonismos irreconciliáveis são condições sem a qual não se há democracia. Ao menos, não a democracia que caiba no século XXI. Aquela que tem a missão de enterrar o velho mundo, mas utilizando tudo de bom produzido por ele para adubar o que estar por vir de maneira que quem até aqui teve menos, possa ser reparado, sem dor, sofrimento ou lamento, por quem até aqui teve muito mais.
O Brasil deste século só irá emergir se esquerda democrática e direita liberal afastarem os ranços e arregaçarem as mangas agora para reconstruir o país. Democracia dá trabalho. Não cabe numa disputa eleitoral cuja função se sustente na manutenção dos vícios de representatividade. Político não pode ser profissão de ninguém. Nem de direita, nem de esquerda. Mandatos não precisam ser feudos individualistas. Não podem e nem devem representar interesses privados acima do bem comum público. E, por aí, podemos ir seguindo, costurando o nosso novo mundo…
Se a esquerda e direita tivessem lido mais Mouffe, não teríamos permitido uma experiência tão obtusa e anti democrática, se criar e se eleger pelo voto direto em nosso país. Não teríamos permitido que um deputado assumidamente gay, eleito e reeleito, tivesse de se exilar para não ser morto como sua colega o foi. Bolsonaro é a comprovação de que ou nós apertamos um Reset agora e reconfiguramos a ordem democrática, o marco ético, político e cívico no Brasil… Ou perderemos o bonde da história contemporânea.
Falimos, enquanto sociedade. Precisamos nos recompor, nos reinventar. Por Marielle Franco, por Paulo Gustavo e pelo meio milhão de vidas que já perdemos! Pelas vidas que não queremos também perder… Pelo Brasil, livre, orgulhoso, diverso e soberano. Bem vindo, companheiro (e conterrâneo) Jean!
Vinicius Alves, 32 anos, filiado ao PT em Salvador desde os 18 anos, bacharel em Estudos de Gênero e Diversidade e Mestrando em Estudos Feministas pelo PPGNEIM-UFBA.