Artigo: Sobre a Federação Partidária entre PT, PSB, PCdoB e PV
Como vamos aumentar as bancadas do PT, ou mesmo da tal de federação, diminuindo consideravelmente o número de candidaturas?, questiona Diogo Costa em artigo
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O tema da federação partidária atravessou o debate de modo fulminante em 2021 e 2022. Trata-se, neste artigo, de analisar criticamente o instituto, para verificar se é de fato a “salvação da lavoura” ou se as expectativas, demasiadas, não seriam de fato exageradas.
Comecemos pelo Rio Grande do Sul:
Rio Grande do Sul – hipótese de federação entre PT, PSB, PCdoB e PV
• Câmara dos Deputados: 31 cadeiras
• Assembleia Legislativa: 55 cadeiras
• Potencial sem federação: 1. lançamento de 128 candidatos a deputado federal (32 por partido); 2. lançamento de 224 candidatos a deputado estadual (56 por partido)
• Candidatos em 2018: 77 candidaturas a federal e 159 a estadual
• Com federação: 32 candidatos a federal e 56 a estadual (com divisão de candidaturas a ser disciplinada pelo estatuto da federação)
É dizer o seguinte: os partidos que buscam a federação lançaram em 2018 o número de 236 candidaturas a estadual e federal; poderiam, em conformidade com a legislação atual, lançar até 352 candidaturas a federal e estadual em 2022 e, com a federação, terão como lançar apenas até 88 candidaturas. Feita a federação, e completada a chapa, isto significaria um lançamento de apenas 37% das candidaturas lançadas em 2018 e de apenas 25% das candidaturas que poderiam ser lançadas sem o instituto.
É imperioso perguntar se essa drástica redução no número de candidaturas – de 63% em relação a 2018 ou de 75% em relação ao potencial de cada partido tendo chapas próprias em 2022 – seria producente para o objetivo de aumentar as bancadas estaduais e federais do PT e mesmo dos partidos federados como um todo. Ao que parece, a resposta preliminar é não.
Pelo que se sabe, PSB e PCdoB irão apoiar Lula com ou sem federação, de modos que tendo isto em mente é possível indagar a respeito das supostas vantagens do instituto, principalmente quando se diz que ele, de per si, seria capaz de alavancar as bancadas no pleito vindouro. Teremos um aumento da bancada petista, e ou dos partidos federados, praticando uma redução ímpar no número de candidaturas? A bancada do PT tenderia a crescer mais se o partido completasse chapas próprias, sem coligação proporcional (32 candidatos a federal e 56 a estadual), ou crescerá mais se o partido se federar, tendo que cortar então o número de candidatos?
Há também o risco crescente, e certo e líquido, de repetir as idiossincrasias dos tempos das coligações proporcionais: o partido X lança grande número de candidatos e o partido Y lança 2 ou 3. Ato contínuo, o partido Y elege 2 deputados pois centrou fogo nessas candidaturas, se aproveitando assim da votação do partido X e doutros com votações maiores. A federação, no quesito meio e modo de eleger parlamentares, funcionará exatamente como as antigas coligações proporcionais, que tanto combatemos até ontem.
Poder-se-ia replicar o ensaio em outras unidades da federação e o conceito seria praticamente o mesmo: a federação terá como consequência uma grande diminuição no número de candidaturas dos partidos federados em relação ao pleito de 2018, e mais ainda em relação ao número de candidaturas que estes partidos poderiam apresentar se concorressem com chapas próprias, sem federar e sem a coligação proporcional (que está banida constitucionalmente e perdeu a vigência desde o pleito municipal de 2020).
Em São Paulo, último exemplo para ilustrar a tese, verificamos que, em 2018, PT, PSB, PCdoB e PV tiveram 210 candidatos a deputado federal. Com a federação, poderiam ter no máximo 71 candidaturas (só o PT teve 77 candidaturas a federal em 2018).
Para deputado estadual, as 4 legendas tiveram 248 candidaturas em 2018, ao passo que, com a federação, terão no máximo 95 candidaturas (só o PT teve 91 candidaturas a estadual em 2018).
Como vamos aumentar as bancadas do PT, ou mesmo da tal de federação, diminuindo consideravelmente o número de candidaturas?
Com o fim das coligações proporcionais, e sem federar, PT, PSB, PCdoB e PV poderiam ter 284 candidaturas a federal em 2022 em SP, desde que completassem as chapas. Tiveram 210 candidaturas em 2018 e podem acabar tendo apenas 71 se a federação vingar.
No quesito estadual, PT, PSB, PCdoB e PV poderiam ter 380 candidaturas para a Assembleia se completassem as chapas. Tiveram 248 candidaturas em 2018 e podem acabar tendo apenas 95 em 2022 com a federação.
Ou seja, se no Rio Grande do Sul a federação terá como consequência uma diminuição de 63% no número de candidaturas em relação a 2018, e de até 75% no potencial de candidaturas que cada partido poderia lançar, em SP a redução, também dramática, seria de 64% em relação a 2018 e de 75% em relação ao potencial de candidaturas que cada partido poderia lançar em chapas próprias.
Há uma constante matemática pouco abordada na federação: ela sempre, invariavelmente, diminui o número de candidaturas potenciais. Em uma federação de 4 partidos, como se estuda agora, a diminuição será sempre de 75% no número de candidaturas que poderiam ser lançadas. Se fosse uma federação de 5 partidos, a diminuição seria de 80%. Em uma federação de 8 partidos, a diminuição no número de candidaturas potenciais seria de 87,5% e em uma federação de 3 partidos a diminuição seria de 66,6%, etc.
Até que ponto é produtivo e até que ponto o instituto da federação é capaz de aumentar as bancadas?
Se um bloco político, com 4 partidos, pode lançar sem coligação proporcional o quantum hipotético de 300 candidaturas, cada qual com sua chapa completa de 75 candidatos, o que nos leva a crer que este bloco, federando e abdicando das 300 potenciais candidaturas, e lançando apenas 25% disso (75), irá auferir mais votos e mais bancadas quando da apuração das urnas?
Outro ponto importante é que existem partidos que irão optar por não ter federação nenhuma. Ou seja, irão concorrer sozinhos e sem nenhumas coligações proporcionais, que não existem mais no ordenamento jurídico.
Chamemos 5 hipotéticos partidos de direita de partido A, partido B, partido C, D e E. Estes partidos optam por não federar com ninguém e cada qual apresentará chapas completas a federal e a estadual. No exemplo, vamos criar uma Assembleia com 99 membros e a representação federal deste estado seria de 74 parlamentares.
Teríamos então 5 partidos de direita (A, B, C, D e E) apresentando chapas completas para federal e estadual no caso hipotético. Partido A com 100 candidatos a estadual e 75 a federal. Partidos B, C, D e E da mesma forma, fazendo um total de 500 candidatos a estadual e 375 a federal. A esquerda, com um bloco de 5 partidos, poderia ofertar os mesmíssimos 875 candidatos, mas, como optou pela federação, lançará apenas 175 candidaturas (20% do que poderia ter).
O exemplo logo acima demonstra ser difícil acreditar na tese de que a federação, por si só, irá fazer com que os partidos federados aumentem suas bancadas. Pode, ao revés, operar uma diminuição no potencial político-eleitoral de cada partido federado, em função do corte drástico de candidaturas. E mais ainda quando se competirá com agremiações que não irão se federar, concorrendo sem coligação proporcional e com chapas próprias.
O mesmo raciocínio vale, sem dúvidas algumas, para as eleições municipais de 2024. Para citar um caso apenas, vejamos a “Mui Leal e Valerosa Porto Alegre”: PT, PSB, PCdoB e PV tiveram 137 candidaturas a vereador em 2020. Em 2024, com a federação, poderão ter no máximo 37 candidaturas. Convém lembrar que apenas o PT lançou 46 candidaturas a vereador em Porto Alegre em 2020. Ou seja, PT, PSB, PCdoB e PV, uma vez federados, teriam que reduzir em 73% o número de candidaturas a vereador em 2024, em relação aos números de 2020; e reduziriam em 75% o número de candidaturas em relação ao que poderiam lançar sem a federação (37 de 148 candidaturas potenciais).
Se politicamente a federação partidária pode ser considerada um instituto importante, que conferirá maior nitidez programática aos participantes, convém não levar a cabo ilusões a respeito de aumentos miraculosos de bancadas eleitas.
A ilusão ou esperança de que o PT e os demais partidos de esquerda pudessem melhorar as suas representações residia justamente no fim das coligações proporcionais, batalha dura que se concretizou e que será utilizada pela primeira vez, a nível federal e estadual, em 2022.
Em que pese o tema das federações já ter sido debatido nas instâncias correspondentes, penso que vale a reflexão. Sem falar no estatuto da possível federação entre PT, PSB, PCdoB e PV, que mereceria também todos os tipos de análises.
Diogo Costa, do PT-RS