Artigo: Vai ter turbante e black power sim, por Dandara Tonantzin
Na cultura brasileira, personagens como “nega maluca” ou perucas de cabelos crespos são usados como adereços de carnaval, motivo de deboche e ridicularização de pessoas negras
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No programa de reality show da TV Globo, Big Brother Brasil, o participante João chorou após denunciar um comentário racista de Rodolffo, participante que comparou seu cabelo Black Power a uma peruca de homem das cavernas. No mesmo dia, em uma audiência on line sobre a militarização de escolas públicas em Uberlândia, transmitido pela TV Câmara, recebi comentários de cunho racista me comparado a lixo e com o seguinte teor: “fora turbante”.
Embora em contextos distintos, esses dois fatos têm tudo a ver um com outro. Seja na rede nacional de televisão, na política, no mercado do trabalho ou em qualquer espaço o racismo continua presente.
O que explica tanto ódio? O racismo contra a negritude é estrutural, ou seja, é um conjunto de práticas, costumes, termos “naturalizados” em nossa sociedade que revelam a exclusão, inferiorização e invisibilidade de sujeitos negros. É o racismo que justifica por que nossos corpos, nossos traços, nossa cultura incomoda tanto. É o racismo injustificável e criminoso que incomoda quando pessoas negras ocupam espaços de poder.
Na cultura brasileira, personagens como “nega maluca” ou perucas de cabelos crespos são usados como adereços de carnaval, motivo de deboche e ridicularização de pessoas negras. Essas “fantasias” de engraçadas não tem nada. São símbolos de agressões e humilhações contra todo um povo. A prática, conhecida como “blackface”, também remonta a história norte-americana, especialmente dos EUA. São nossos lábios, texturas de cabelo, olhos, peles, narizes o motivo de chacota.
Era 1962 quando Malcom X, grande ativista negro, proferiu em um discurso, “quem te fez odiar seus traços?”. A pergunta continua atual. Desde pequenos nos ensinam que nosso cabelo é “duro”, fazem piada e o comparam a palha de aço, nos dizem que nossos turbantes são inapropriados e que não somos o padrão da beleza. Nos ensinam que a beleza é branca e que somos errados, sujos, motivo de riso. Inclusive, há pelo menos 300 anos nos inferiorizam e categorizam como “feios” e “inapropriados”.
É um longo processo até que pessoas negras questionem essas inverdades forjadas pelo racismo, se orgulhem de sua estética e valorizem sua negritude. Por isso já não pedimos respeito. Nós exigimos. Porque se hoje estamos nas Câmaras municipais, ou em programas de televisão, exaltando nosso orgulho em sermos negros e negras, passamos por um longo processo de aceitação. Nutrir amor próprio e por nossos iguais em um mundo que prega ódio é resistência. Dizer que nossos cabelos crespos ou cacheados, nossos turbantes, nossos acessórios, nossos tons de pele são diversos e lindos também é luta.
Para escurecer a questão: vai ter preta de turbante discursando na plenária SIM. Vai ter preto de black power embelezando o BBB 21 SIM. Não daremos sequer um passo para trás. Depois que entendemos o significado da nossa luta e de como é importante darmos as mãos, nada pode nos parar. Hoje meu voto vai contra o racismo mascarado como “piada”. Entendo que a violência passiva não deixa de ser um crime. Não se trata de comentários racistas nos deixarem tristes, vai além disto, se trata de uma violação aos nossos direitos enquanto seres humanos. Se trata de termos direito a exercer nossa identidade preta e em sermos considerados iguais e não motivo de piada ou zombaria.
Dandara Tonantzin é vereadora em Uberlândia, pedagoga e mestranda em educação pela UFMG