Ataque da Petrobras ameaça o Nordeste

Paralisação de atividades da empresa na região leva à queda na arrecadação de royalties e a impactos negativos em vários setores das economias locais. Sindicatos preveem demissão de até 4 mil trabalhadores terceirizados. Jean Paul denuncia ofensiva contra os interesses nacionais

Felipe Dana

Petrobras, o alvo

O desequilíbrio da oferta e demanda global do mercado do petróleo, que reduziu o consumo e derrubou os preços do produto em todo o planeta, causará um impacto negativo nas contas dos municípios brasileiros, principalmente do Nordeste. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) prevê queda de 18% na arrecadação de royalties pelas cidades da região, o equivalente a menos R$ 200 milhões nos cofres municipais em relação ao ano passado.

O pior, contudo, é a traição da Petrobrás aos interesses nacionais, já que a diretoria da empresa – por orientação da política suicida de Paulo Guedes – optou pela venda de ativos, incluindo refinarias e gasodutos, e vem reduzindo as atividades da empresa no Nordeste. A produção nordestina de petróleo caiu 44% nos últimos dez anos, para um patamar médio de 86 mil barris diários no primeiro trimestre.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras, denuncia o sucateamento da Petrobras como um atentado contra a soberania nacional. “Em qualquer lugar do mundo, uma empresa do porte da Petrobrás – estatal – estaria sendo decisiva num momento de crise como estamos vivendo. Mas ela é omissa, atua em benefício dos sócios minoritários, como se não tivesse qualquer compromisso com o país. A Petrobrás nasceu como uma empresa pública, estratégica para os interesses nacionais”, lembra. “Lutamos para chegar à auto-suficiência e agora vamos jogar isso fora”.

O Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) estima uma queda de R$ 20 bilhões na arrecadação do país com royalties e participações especiais, caso a cotação do petróleo caia para uma média de US$ 40 (R$ 233) no ano. Confirmada a projeção, o valor representa um recuo de 26,7% em relação aos R$ 52,5 bilhões arrecadados em 2019.

Senador Jean Paul Prates: “Em qualquer lugar do mundo, uma empresa do porte da Petrobrás – estatal – estaria sendo decisiva num momento de crise como estamos vivendo”

Com o barril a US$ 40 na média do ano, a projeção era de uma injeção de R$ 38,5 bilhões nos cofres públicos. Nesta segunda-feira (11), o petróleo Brent recuou a US$ 30,17 (R$ 175) por barril. Se mantida nesse nível, a queda na arrecadação será ainda maior.

Diante das oscilações do preço, no início de abril a Petrobras anunciou uma série de medidas para conter os custos operacionais. Dentre elas, um corte na produção diária estipulado em 200 mil barris de petróleo por dia, além da “hibernação” (desativação) de 62 de suas plataformas em campos de águas rasas das bacias de Campos, Sergipe, Potiguar e Ceará. A empresa também se prepara para reduzir as atividades terrestres nos próximos meses na região nordestina.

Golpe na economia nordestina

Os principais estados afetados pelas hibernações da Petrobras serão Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe. Segundo estimativa do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA), a medida impacta diretamente a economia de 13 cidades produtoras de petróleo baianas, afeta os empregos de milhares de trabalhadores e agrava a crise sanitária e econômica na Bahia e em todo o Nordeste.

“A decisão da estatal pode causar a demissão de cerca de quatro mil trabalhadores terceirizados, que se juntarão aos mais de 13 milhões de desempregados no país, e poderá transferir cerca de 900 trabalhadores próprios para fora do estado”, prevê a entidade. A paralisação também reduz a arrecadação de cidades produtoras de petróleo no estado e corta os royalties recebidos pelas regiões produtoras e pela Bahia como um todo.

Solenidade de assinatura do decreto que criou a Petrobras pelo presidente Getúlio Vargas

Para o diretor de comunicação do Sindipetro-BA, Radiovaldo Costa, os impactos vão muito além da crise, e a hibernação a médio e longo prazo pode significar o encerramento de toda a atividade de extração de petróleo e gás na Bahia, o primeiro estado a produzir petróleo no país, ainda nos anos 30. O cenário, de acordo com o sindicato, possibilita que a gestão atual da Petrobras realize o seu plano de desmontar e privatizar a estatal.

“Em meio à pandemia, o papel da Petrobras, como uma empresa pública e braço do Estado brasileiro, deveria ser o de contribuir para impulsionar a economia local, estadual e nacional, mantendo e gerando novos postos de trabalho. A Petrobras sozinha representa 10% do PIB brasileiro, e o governo age de forma inversa, fazendo com que a empresa pise no freio, provoque demissões e contribua fortemente para a desaceleração da economia”, afirma o dirigente.

“No ano passado, a Petrobras obteve um lucro de R$ 40 bilhões e, agora, quer impor uma conta amarga aos trabalhadores, às prefeituras e ao povo baiano. A responsabilidade social é um dos papéis de qualquer estatal e a Petrobras deveria estar exercendo o seu contribuindo para amenizar a crise econômica e sanitária que estamos vivendo”, ressalta o coordenador geral do Sindipetro, Jairo Batista.

Até o momento, quatro campos baianos já iniciaram o processo de hibernação, que será completado em dois meses, segundo a Petrobras. Nessa primeira fase, 350 funcionários serão demitidos até 23 de maio, e cinco sondas já foram paralisadas.

O fechamento temporário foi feito sem o aviso prévio de 30 dias, definido em contrato, e atingiu os municípios de Candeias, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Pojuca e Catu. Os outros 16 campos terrestres restantes na Bahia estão em risco e poderão parar até o fim do ano. A estatal congelou todos os investimentos no estado.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, nega que haverá “demissões em massa”. “Sobre [demissões de] terceirizados, essa pergunta tem que ser endereçada a essas empresas, não à Petrobras”, disse em teleconferência com jornalistas, em abril.

Baque nos cofres públicos

Levantamento do jornal ‘Valor Econômico’, com base em dados da ANP, mostra que, para cada dez cidades beneficiadas pelas receitas petrolíferas na região, praticamente oito recebem menos de R$ 1 milhão por ano. Ao todo, 89% da arrecadação de royalties entre os municípios nordestinos vai para os cofres de cem cidades.

Mas além da receita dos royalties, as cidades contam com as atividades petrolíferas para movimentar vários setores das economias locais. “A redução das atividades da Petrobras na região vai afetar toda uma cadeia: de empresas terceirizadas de limpeza, vigilância e transporte à construção civil. O desemprego, na região, afeta os restaurantes, os hotéis”, comenta o diretor do Sindipetro-BA, Radiovaldo Costa.

Com 54 mil habitantes, Catu, a 85 quilômetros de Salvador (BA), tem 30% da receita mensal de R$ 12 milhões proveniente de royalties e ISS ligados à produção de petróleo. “O impacto social é duplo. Além da queda na arrecadação de ISS e nos royalties, temos um aumento do desemprego por conta de demissões na cadeia de terceirizados”, afirmou o prefeito, Geranilson Dantas Requião, ao ‘Valor’.

“Já perdemos ISS e ICMS por causa da pandemia e agora vamos perder mais impostos com o setor de óleo e gás. Vai ser uma sucessão de estragos. Está acontecendo tudo ao mesmo tempo”, lamentou o prefeito de Alagoinhas (BA), Joaquim Belarmino Neto.

Procurada, a Petrobras justificou a hibernação das plataformas em águas rasas como uma medida “com foco na sustentabilidade da empresa nesta que é a pior crise da indústria do petróleo em cem anos”. A empresa destacou que os ativos não apresentam condições econômicas para operar com preços baixos de petróleo.

Mas antes, ao longo de toda a década de 2010, a Petrobras já vinha deixando de lado investimentos em ativos menores e menos rentáveis. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) aponta que a produção nordestina de petróleo caiu 44% nos últimos dez anos, para um patamar médio de 86 mil barris diários no primeiro trimestre.

Caráter regional

O presidente da Petrobras afirma usualmente que a Petrobras se prepara para se tornar uma empresa essencialmente concentrada no Sudeste. A petroleira está se desfazendo de todas as suas refinarias fora do eixo Rio-São Paulo, já hibernou as suas fábricas de fertilizantes e está vendendo centenas de campos terrestres e em águas rasas, localizados sobretudo no Nordeste.

A Petrobras vem tentando sair da Bahia desde 2018 e, em outubro de 2019, foi impedida de fechar toda a sua operação no estado por liminar do Ministério Público do Trabalho. Ainda assim, a empresa vem gradualmente reduzindo a operação na área, com a desmobilização do edifício Torre Pituba e o fechamento da unidade de produção de fertilizantes Fafen-BA, em Camaçari. A estatal também já anunciou a venda da Refinaria Landulpho Alves e de diversos campos de petróleo situados no Recôncavo.

A prefeita de Cardeal da Silva (BA), Mariane Mercuri, conta que o município convive há anos com o declínio das atividades petrolíferas na região. “Nosso ISS no município, que já chegou a R$ 150 mil por mês, no pico, hoje é da ordem de R$ 20 mil por mês. Isso é fruto da redução dos investimentos da Petrobras na região, já há alguns anos. Nossa principal fonte de renda é o petróleo. O dinheiro dos royalties hoje vai para manutenção, coleta de lixo, asfaltamento, para o programa de transferência de renda que temos aqui no município. Com a redução das atividades da Petrobras, agora, na crise, podemos perder completamente a capacidade de investimentos”, relatou.

Da Redação

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