Auxílio Brasil de Bolsonaro abandona mais de 20 milhões à própria sorte
Mesmo que consiga os recursos para o programa que põe fim ao Bolsa Família, Bolsonaro só ajudará 17 milhões dos 39 milhões que hoje recebem o auxílio emergencial
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Enquanto se estende a “DR” de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes com o mercado, uma das poucas certezas a emergir da água suja é a de que mais de 20 milhões de pessoas que até este mês receberam o auxílio emergencial ficarão desamparadas quando o problemático Auxílio Brasil sair do papel. Dos 39,4 milhões de pessoas que estão sacando em outubro a última parcela do benefício, só 16,9 milhões receberão o novo benefício – quando ele sair.
A estimativa é do próprio desgoverno Bolsonaro. Na quarta-feira (20), o ministro da Cidadania, João Roma, afirmou que o Auxílio Brasil ampliaria a cobertura do Bolsa Família de 14,7 milhões para 16,9 milhões de famílias até o final do ano. A intenção seria zerar a atual fila de espera do Bolsa Família.
Em setembro, 3 milhões de brasileiros esperavam benefícios sociais e previdenciários numa fila que o desgoverno Bolsonaro não reduz. Dessas, 1,2 milhão aguardavam o Bolsa Família e 1,8 milhão, aposentadoria ou pensão do INSS. Outras 600 mil são pessoas com deficiência ou idosos pobres em busca do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Em agosto, 14,6 milhões de famílias estavam inscritas no Bolsa Família. Conforme dados do Ministério da Cidadania, havia outras 1.186.755 pessoas que atendem aos critérios do programa no Cadastro Único, mas não foram incluídas por falta de recursos. A proposta de Orçamento para 2022 prevê R$ 34,7 bilhões para 14,7 milhões de famílias.
O auxílio emergencial vem sendo pago a 39,4 milhões de pessoas. Nesse universo, quase 20 milhões (57%) não possuem registro no CadÚnico e, portanto, não estão no Bolsa Família. Outros cinco milhões de beneficiários do auxílio emergencial estão no CadÚnico, mas não no Bolsa Família. Pelos cálculos do desgoverno Bolsonaro, todas elas não estarão no Auxílio Brasil.
O novo “auxílio” de Bolsonaro ainda não tem calendário de pagamento, valores dos benefícios ou critérios de renda. Tampouco a definição sobre a fonte dos recursos, origem da briga com o mercado. O conflito distributivo custou a saída de quatro dos auxiliares do “dream team” neoliberal de Guedes, na quinta-feira (21), em meio à velha gangorra do dólar em alta e bolsa em baixa usada pelo rentismo para pressionar o Executivo a não mexer em seus dividendos.
A pressão funcionou para Guedes decretar o fim do auxílio emergencial e deixar 39,4 milhões de pessoas sem perspectivas de renda para novembro. O argumento dele é que, como parte dos beneficiários são os “invisíveis” do trabalho informal, estes já teriam retomado suas atividades em ocupações precarizadas. Restariam os “extremamente vulneráveis”, que não poderiam ser “abandonados”.
Percentual da população pobre cresceu com Bolsonaro
O percentual da população pobre aumentou em 24 das 27 unidades da Federação brasileira entre o início do desgoverno Bolsonaro, no primeiro trimestre de 2019, e janeiro de 2021. A fatia da população pobre na média do Brasil como um todo passou de 25,2% no primeiro trimestre de 2019 para 29,5% em janeiro de 2021.
Houve ainda expansão da parcela populacional em pobreza extrema em 18 das 27 unidades da Federação. No início do desgoverno Bolsonaro, 6,1% dos brasileiros viviam na pobreza extrema. Em janeiro deste ano, já eram 9,6%. O ritmo do empobrecimento foi mais intenso no Nordeste e em grandes centros urbanos.
Os números foram calculados por Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). O estudo tomou como base dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua e da Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A classificação de pobreza no Banco Mundial, de renda per capita de R$ 450 por mês, também foi considerada.
Ao jornal Valor Econômico, que divulgou os dados, o economista decretou que a tendência é que a pobreza e a pobreza extrema permaneçam em níveis mais elevados que os observados antes da pandemia. Segundo ele, o mercado de trabalho permanecerá fragilizado por muito tempo, devido ao fim do auxílio emergencial e à falta de políticas públicas para reativar a economia e recuperar os empregos. Outro fator que contribui para reduzir ainda mais rendimentos já achatados é a inflação descontrolada.
Até 31 de dezembro de 2020, quando foi suspenso, o auxílio emergencial foi pago a 67,9 de pessoas. O benefício foi retomado apenas em abril de 2021, sobre bases muito mais restritivas que excluíram 22,6 milhões de pessoas.
Em entrevista à Folha de São Paulo no início deste mês, o diretor do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI), Naércio Menezes Filho, acusou a “minoria” que capturou o Orçamento da União pela falta de recursos para políticas sociais. Desde 2018 o Bolsa Família não recebe reajustes.
“Os recursos (orçamentários) existem. A questão é como mexer na distribuição, com uma minoria que capturou esses recursos. Como, por exemplo, com os subsídios a grupos e setores [quase R$ 310 bilhões/ano]”, afirmou o economista. “Isso passa por muita coisa, porque o Brasil é um país estruturalmente desigual.”
Da Redação