Berzoini: Bolsonaro será exterminador de direitos e anticivilizatório

Para ex-ministro dos governos Lula e Dilma, extinção do papel civilizatório do Ministério do Trabalho pelo governo de Jair Bolsonaro é “atrocidade”

Caso se concretize a anunciada intenção, do futuro governo de Jair Bolsonaro, de extinguir o Ministério do Trabalho, o Brasil entrará em um período em que se podem prever graves prejuízos aos trabalhadores. “Além da relação trabalhista específica, da saúde e condições de trabalho, por exemplo, me preocupo muito com a questão dos dois grandes fundos coordenados pelo ministério. O FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o Fundo de Garantia, fundos multimilionários, com fundamentação constitucional, que são patrimônio da classe trabalhadora”, diz Ricardo Berzoini, ex-ministro do Trabalho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para ele, a iminente extinção do ministério será uma “atrocidade”. Embora nem sempre funcione como deveria e muitas vezes a sociedade não valorize a pasta, às vezes por suas dificuldades orçamentárias, o ministério funciona. “Não como eu acho que deveria, mas funciona.”

Berzoini lembra que o Ministério do Trabalho é um instrumento de controle e, apesar de ter um quadro reduzido de fiscais, tem inúmeras atribuições, como o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, de fiscalização das ilicitudes em relação à jornada de trabalho e saúde do trabalhador. “É um conjunto enorme de tarefas que merecia ter um orçamento fortalecido. Mas é claro que esse governo foi eleito para destruir direitos, e não para garantir direitos”, afirma. “É um governo exterminador de direitos, um governo anticivilizatório.”

Na opinião do ex-ministro, não é por acaso que a supressão de direitos da política de Michel Temer seguirá com o futuro governo. “Temer, apesar de impopular, pode comemorar, porque fez o sucessor.”

Criado em 26 de novembro de 1930 como Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio pelo então recém-empossado governo Getúlio Vargas, a pasta “tem um papel civilizatório”, diz Berzoini, que, como ministro, cobrou do ex-presidente a entrada do ministério no conselho do BNDES, o que que Lula atendeu. Já sua proposta para que a pasta entrasse no Conselho Monetário Nacional, ele não atendeu.

Como avalia uma medida com a magnitude da extinção do Ministério do Trabalho?

A palavra que descreve com mais nitidez é atrocidade. Todo mundo sabe da realidade do trabalho no Brasil, a situação do trabalhador. Com tudo o que conquistamos, lutamos e organizamos, ainda é muito ruim e as leis trabalhistas são desrespeitadas no dia a dia em todo o país. Os sindicatos têm dificuldade de atuar, porque os locais de trabalho não são abertos aos sindicatos. O Ministério do Trabalho é um instrumento de fiscalização, combate ao trabalho escravo, trabalho infantil, de fiscalização das ilicitudes em relação à jornada de trabalho, saúde do trabalhador, apesar de ter um quadro reduzido de fiscais.

Isso sem falar do papel que ele tem de qualificação dos trabalhadores, de coordenar o FAT e o Fundo de Garantia. É um conjunto enorme de tarefas que merecia ter um orçamento fortalecido. Mas é claro que esse governo foi eleito para destruir direitos, e não para garantir direitos.

Mas, sobre destruir direitos, temos visto isso com o governo Temer…

Sim, por isso que o Temer, apesar de impopular, pode comemorar, porque fez o sucessor. O Bolsonaro é o sucessor do Temer com suas características próprias, mas é um sucessor legítimo do Temer.

Você mencionou atribuições do ministério. O que vai acontecer com cada uma dessas atribuições?

Vão ser desidratadas até morrer. Por exemplo, o pessoal do agronegócio que apoiou o Bolsonaro: eles tentaram mais de uma vez mudar a caracterização de trabalho escravo na legislação. Romero Jucá foi um dos que tentaram articular isso várias vezes. Eles acham absurdo chamar de trabalho escravo a situação degradante de trabalhadores em situação de ameaça, de servidão por dívida, comendo comida estragada, em alojamentos pútridos. Trabalho escravo para eles só se tiver uma bola de ferro no pé.

Em relação ao trabalho infantil também, acham que adolescentes podem, sim, trabalhar. É uma visão do século 17. O Ministério do Trabalho tem o papel de tensionar, dentro do governo, fazer a disputa interna, pelo viés do trabalho, sob direção de pessoas comprometidas com direitos, nem necessariamente de esquerda ou mesmo limitado em suas ações. No governo Fernando Henrique, tivemos momentos em que o ministério funcionou, em alguns assuntos, adequadamente. Não funcionava em tudo porque alguns setores eram controlados pelos empresários, mas, por exemplo, a política de fiscalização, combate e erradicação do trabalho escravo começou no governo FHC, e nós fortalecemos.

Eu fiquei um ano e meio no Ministério do Trabalho. A regulamentação (da Lei) do Aprendiz foi feita no nosso governo. Existia a lei, mas não tinha efetividade porque não tinha regulamentação. É uma luta, porque são comissões tripartites, que fazem a discussão das normas. Os empresários participam, o governo, os trabalhadores.

Sobre trabalho escravo, há também a intenção de flexibilizar a lei de desapropriação de terras flagradas com trabalho escravo…

Eles vão flexibilizar tudo o que é direito. É um governo exterminador de direitos, um governo anticivilizatório. Até publiquei no meu Facebook um vídeo de uma TV holandesa que ironiza o Brasil de Bolsonaro. É a visão mais atrasada que se possa imaginar. Por isso é legítimo comparar ao nazismo e ao fascismo. Talvez seja pré-fascista, porque o fascismo pelo menos tinha uma concepção nacionalista e de estruturar o Estado em corporações. Ele quer arrebentar com o Estado, principalmente naquilo em que o Estado age, ou deveria agir, em defesa dos trabalhadores e das minorias.

É possível mensurar os impactos da extinção do ministério e os efeitos sobre os trabalhadores?

Todos os países do mundo, ou quase todos, têm Ministério do Trabalho, porque é uma dimensão fundamental da vida humana. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) existe como um fórum mundial onde os empresários, trabalhadores e governos participam, para proteger o trabalhador diante da desigualdade que existe na relação entre capital e trabalho. A tendência é que tenhamos graves prejuízos.

Além da relação trabalhista específica, da saúde e condições de trabalho, por exemplo, me preocupo muito com a questão dos dois grandes fundos coordenados pelo ministério. O FAT e o Fundo de Garantia, fundos multimilionários, com fundamentação constitucional, que são patrimônio da classe trabalhadora.

Como Paulo Guedes é um especulador do mercado financeiro, pode querer fazer coisas que nem os governos neoliberais do Collor e do Fernando Henrique fizeram, se apropriar desses fundos em nome do equilíbrio financeiro. Claro que exigiria uma grande manobra do ponto de vista jurídico. Mas conhecendo a lógica desses caras, não me tranquilizo em relação aos riscos.

Mas diante do tamanho e da complexidade disso, acha que seria feito tranquila e pacificamente?

Eles têm o direito de propor ao Congresso Nacional a reorganização do ministério. Acho que vai começar, em temas como esse, um grande debate no Congresso, mesmo sendo um parlamento que piorou com as eleições. Mas o debate vai existir. Ele existe na sociedade, e temos que fomentar mais esse debate na sociedade.

Houve uma eleição, que na minha opinião foi fraudada com o mega-esquema das fake news e dos robôs – mas uma fraude difícil de ser comprovada juridicamente. Mas, na sociedade, vai começar a cair a ficha. O jornalista Gilberto Dimenstein, que apoiou o Moro esse tempo todo, falou que está arrependido. Não precisava estar. Ele podia ter se informado melhor. Pessoas que conheço que anularam o voto já estão arrependidas, porque sabem que, independentemente de concordar ou não com o PT, o segundo turno foi entre o fascismo e a democracia.

O Congresso aprovaria essas medidas?

É uma prerrogativa do presidente mandar ao Congresso, inclusive o desenho do Ministério. Normalmente o Congresso aceita, quando é razoável, porque é uma organização do Executivo. Mas nesse caso é um absurdo completo. Dilma fez o desenho, na última reforma ministerial, colocando a Previdência dentro do Trabalho. Era Ministério do Trabalho e da Previdência, como foi por muitos anos no Brasil. Mas o fato é que Previdência e Trabalho têm tudo a ver, podem ficar juntos. Agora, Previdência com Fazenda – como fez o Temer – não tem quase nada a ver, a não ser a questão orçamentária.

Na minha opinião, esse é um dos temas que vão ser quentes no debate congressual e popular, embora muitas vezes a sociedade não valorize o Ministério do Trabalho, porque tem dificuldades orçamentárias e muita gente acha que não funciona. Mas funciona. Não como eu acho que deveria, mas funciona.

Não acha que, fora os parlamentares aliados a Bolsonaro mais convictos, é preciso pagar para ver se os deputados, mesmo de direita e centro-direita, vão querer embarcar nisso?

Exato. Porque é um absurdo. Do ponto de vista internacional, para o Brasil é uma imagem péssima. Primeiro foi aquela coisa de juntar Agricultura com Meio Ambiente, mas ele recuou. Depois veio essa do trabalho. O Ministério do Trabalho tem um papel civilizatório.

Por Rede Brasil Atual

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