Artigo: A disputa pelo território no centro da Agenda Climática das cidades da Amazônia
“Desde que assumimos a vereança em Belém na legislatura de 2021-2024 percebemos que a centralidade da agenda ambiental e climática estava na disputa pelo território”. Por Bia Caminha
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Por Bia Caminha
Desde que assumimos a vereança em Belém na legislatura de 2021-2024 percebemos que a centralidade da agenda ambiental e climática estava na disputa pelo território. Ainda em 2021, publicamos no jornal um artigo que convidava à reflexão “E se a periferia fosse o centro?”, discutindo como o orçamento público e o planejamento das cidades distribuía de forma desigual e desproporcional os recursos de infraestrutura urbana, alocando maior volume de recursos nas áreas mais ricas e majoritariamente de população branca, e menor volume de recursos nas áreas periféricas, negras, alagadas, com insegurança de posse da terra que já sofriam da ausência do estado e do poder público. Tornar a periferia o centro seria, então, a possibilidade de sonhar com uma divisão de recursos públicos equitativos e que estabelecessem justiça social e racial. Essa é a utopia e o desafio de gestões de esquerda que tem impresso no seu DNA o desejo de construir um Brasil menos desigual.
Pouco tempo após isso, enfrentamos uma das maiores disputas pela cidade, e pelo direito à cidade, desta legislatura – o que chamamos de o caso do Atacadão. Acontece que empresários, alguns parlamentares e setores da mídia organizaram uma pressão para mudança do plano diretor da cidade, regulamentando a legalidade da presença de grandes empreendimentos imobiliários como shoppings, marinas e atacadões em uma área demarcada como Zona de Interesse Social (ZEIS) na Orla da Cidade. Não qualquer área da orla, mas uma área com histórico de ocupação informal, moradia precária, remoção forçada de famílias que vivem até hoje com aluguel subsidiado, uma área que passou anos recebendo obras de urbanização de periferias, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Minha Casa Minha Vida – e naquele momento, após toda transformação positiva que a presença do estado trouxe garantido direitos básicos como o direito de morar e o direito de saneamento, tem-se a pressão da especulação imobiliária para mais uma vez colocar aquela população pobre – e majoritariamente negra – às margens da cidade legal.
Mas o que isso tem a ver com a Agenda Climática e Ambiental? Acontece que mais de 40% da cidade de Belém está abaixo do nível do mar, isso significa que as nossas periferias se formam ou em áreas alagadas ou nas franjas da cidade. Quando projetamos o que as mudanças climáticas vão causar nos próximos 20 ou 30 anos, constatamos que boa parte da cidade “vai por água abaixo”, e são as pessoas que vivem nas periferias, a população negra e principalmente as mulheres negras que têm a menor capacidade de resiliência – ou seja, são os grupos com menor poder de procurar novos locais de moradia ou de adaptação de suas casas para lidar com o cenário que se desenha.
Nesse processo, nos dedicamos a construir proposições legislativas que dessem conta de fazer a disputa pelo território, (1) garantindo que as políticas públicas nacionais que construímos fossem usufruídas pelas pessoas que mais precisam, (2) defendendo e estando na luta por um Plano Diretor que atendesse as demandas de justiça social e racial e (3) compreendendo a necessidade de preservar os direitos sociais e o direito ao futuro.
Foi desta forma que nasceu a Frente Parlamentar Mista pelo Direito à Cidade, a lei sancionada do Dia Municipal de Luta contra as Mudanças Climáticas, a previsão no Plano Plurianual (PPA) da elaboração e institucionalização do Fórum Municipal de Mudanças Climáticas. Assim como tramita na Câmara Municipal de Belém os seguintes projetos de lei que dispoem sobre: (1) Educação Climática no programa de ensino das escolas municipais; (2) emendas ao Plano Municipal de Saneamento Básico; (3) assistência técnica pública e gratuita para projetos e construção de habitação de interesse social; (4) tarifa social da água; (5) a política municipal de mitigação dos efeitos da mudança climática; (6) a política ambiental municipal de energias limpas, renováveis, não poluentes e sustentáveis; (7) a política municipal de apoio à agricultura urbana e periurbana; (8) o cadastro preferencial das vítimas de desabamentos, alagamentos e incêndios intencionais nos programas habitacionais; (9) a instalação de ecobarreiras na rede hidrográfica de Belém; (10) a criacao do programa de gestão de resíduos sólidos; (11) a criacao do selo verde; (12) a campanha “vou de bike”; (13) a construção e a reforma de moradia para a população de baixa renda.
Para nós, a participação popular e dos mais diversos setores da sociedade é o que abre caminhos para construção coletiva de um projeto de futuro. Nessa lógica, a priorização de estabelecer no legislativo a Frente Parlamentar Mista pelo Direito à Cidade garantiu a participação de parlamentares engajados na pauta e de toda sociedade dentro da casa de leis. Como também, a criação do Fórum de Mudanças Climáticas que faz parte de uma emenda nossa que está no PPA, mas é resultado de um esforço conjunto da nossa mandata, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e de organizações da sociedade civil. Belém será a primeira capital da Amazônia a estabelecer um Fórum de discussão sobre as Mudanças Climáticas, sem dúvida, um passo importantíssimo para realização da COP 27 em nosso município.
Neste mês de abril estamos propondo e abrindo o diálogo para algo inovador: a criação de um Zoneamento Especial que coloque na centralidade do planejamento urbano de Belém a questão das mudanças climáticas.
Muito mais do que um zoneamento de preservação ambiental, estamos propondo um Zoneamento Especial de Mitigação das Mudanças Climáticas que dará conta de planejar políticas urbanas para as próximas décadas. Fará isso zoneando as áreas alagadas ocupadas por populações com menor capacidade de resiliência, as áreas em que se projeta os maiores aumentos de temperatura, e todas as áreas que já estão sendo e serão afetadas pela mudança do clima. Este projeto de lei é um convite ao executivo municipal, às universidades, à sociedade civil, a todo Brasil e ao mundo para discutir – articulando raça, gênero, território e clima – o nosso futuro, sobretudo, o futuro de nós que vivemos nas cidades da Amazônia brasileira.
A Amazônia está na periferia da periferia do capitalismo internacional, isso significa que mesmo agora em que o mundo se volta para discutir a preservação da floresta em pé, é preciso fincar os pés em discussões que se voltem a preservar e garantir os direitos dos povos que vivem nesse território sagrado – nas zonas rurais e nas cidades. A agenda climática para quem mora neste lugar passa fundamentalmente pela disputa do território com as elites locais e com o capitalismo financeirizado. Por isso, é fundamental que a ação política no legislativo e no executivo de agentes comprometidos com o futuro esteja na institucionalização de políticas de proteção aos mais vulneráveis dentro da crise climática.