Artigo: Cálice de fel, por Paulo Cayres
Situações de trabalhadores resgatados de trabalho escravo não são novidade no Brasil, infelizmente, mas esse drama piorou muito com a desreforma trabalhista
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Operação contra o trabalho escravo, na quarta feira dia 23 de fevereiro de 2023, resgatou 207 trabalhadores em vinícolas famosas em Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul, as empresas envolvidas são: Vinícola Aurora, Salton e Garibaldi. A título de curiosidade, a Salton é a maior fornecedora do vinho litúrgico utilizado nas missas, um cálice amargo, verdadeiro cálice de Fel servido a classe trabalhadora.
Vindos de outros estados, os trabalhadores eram atraídos por promessa de bons salários , boa alimentação e despesas de viagem pagas pela contratante, uma empresa terceirizadora de mão de obra, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA, mas a realidade encontrada nas terras gaúchas era outra, muito cruel.
Vigilância armada, comida de péssima qualidade e até estragada, ameaças e imposição de castigos físicos, com choques elétricos, spray de pimenta , jornadas de trabalho exaustivas, das 5 da manhã até as 22hs, obrigação de comprar em mercado indicado pela terceirizadora, pagando preços abusivos, essas são algumas das denúncias coletadas pelo Ministério Público do trabalho.
Com a explosão do escândalo, as empresas vinícolas tentam se eximir de suas responsabilidades alegando desconhecimento da situação, uma delas até informa que pagava a empresa de terceirização R$ 6500,00 por trabalhador contratado, sendo real essa informação, a pergunta é : porque ela não contratou diretamente? com certeza seria mais barato e os trabalhadores não seriam submetidos as condições cruéis da qual foram resgatados.
Para piorar ainda mais, a entidade empresarial do comércio, indústria e serviços da região se pronunciou, em nota, culpando os programas sócias do governo como responsáveis pela falta de mão de obra na região, demonstrando que para eles é preciso ter uma população miserável que aceite trabalhar em condições degradantes. Nenhuma empatia ou solidariedade com as vítimas.
Pior ainda foi o pronunciamento xenófobo e cheio de ódio, marca do pensamento bolsonarista, a região deu a Bolsonaro 76% dos votos na última eleição, do vereador gaúcho da cidade de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, do Patriotas, que já o expulsou do partido, dizendo que os produtores do Rio Grande do Sul parassem de “ contratar essa gente preguiçosa e suja de lá de cima, e que só gosta de ficar na praia tocando tambor”, numa referência ao fato de a maioria dos trabalhadores resgatados serem da Bahia.
Para ele os produtores locais deveriam contratar “ argentinos, trabalhadores, limpos , corretos e agradecidos ao contratante pela oportunidade de trabalho”.
Ironia, em junho do ano passado , no município de Putinga no RS, 4 trabalhadores Argentinos foram resgatados da condição de trabalho escravo.
Situações de trabalhadores resgatados de trabalho escravo não são novidade no Brasil, infelizmente, mas esse drama piorou muito com a desreforma trabalhista promovida pela dupla Temer/Bolsonaro, a partir do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma.
Um dos responsáveis pela abominável situação a que os trabalhadores foram submetido, Pedro Augusto de Oliveira Santana, foi preso, mas pagou uma fiança de R$ 40.000,00 e já esta solto.
Digo um dos responsáveis, porque é inaceitável a desculpa das empresas vinícolas de que não sabiam de nada, no mínimo deveriam ter a obrigação de fiscalizar como os trabalhadores terceirizados eram tratados, se as condições pelas quais pagaram, segundo relato de uma delas , por um custo bem razoável, estava sendo usado para pagar um salário minimamente decente e se as condições de trabalho eram dignas, elas não o fizeram e portanto são as principais responsáveis pelas condições degradantes a que esses trabalhadores foram submetidos.
A verdade é que esses empresas forneceram, no lugar de um bom vinho ou suco, um cálice de fel que nos recusamos a beber.
Obs: a Cooperativa de sucos Monte Veneto, ligada a agricultura familiar e ao MST, produz sucos premiados em condição de trabalho digna, eles conquistaram medalha de ouro da Wine South América. Essa é uma boa opção para quem rejeita as condições de trabalho análogo a escravo a que esses trabalhadores foram submetidos.
Paulo Cayres é secretário Sindical Nacional do PT e presidente da CNM/CUT