Entrevista: Projeto em disputa – Juvandia Moreira: ‘Quando a democracia foi atacada, trabalhadores só perderam’
Em entrevista, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo diz que movimento deve ter unidade para cobrar dos bancos o que devem à sociedade, autonomia para pressionar o governo a rever a política econômica.
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O fechamento de 2.795 postos de trabalho no sistema bancário no primeiro semestre faz com que a defesa do emprego seja preocupação prioritária da campanha nacional dos bancários. A categoria que tem data-base em 1º de setembro encerrou ontem (2) a conferência nacional que definiu as demandas a apresentar aos bancos no próximo dia 11, quando o Comando Nacional dos Bancários entregará a pauta de reivindicações à Federação Nacional dos Bancos (Fenaban). Segundo a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, em todos os aspectos – ganhos com juros, com operações de crédito, cobranças de tarifas etc. – os balanços do primeiro semestre devem apresentar ganhos ainda maiores do que os do ano passado.
“Os números do primeiro trimestre já demonstraram que os bancos não sabem o que é crise; aliás, ganham com ela porque são os maiores beneficiados da política de juros altos. Nada justifica que eliminem postos de trabalho e por isso a questão do emprego será um tema central em nossa campanha”, diz. O reajuste a ser reivindicado, incluindo aumento real de 5,7% e estimava de 12 meses de inflação, será de 16%.
Nesta entrevista, ela situa a campanha salarial num cenário de crise política e considera que a crise econômica é inflamada pelas forças de oposição ao governo federal e pela imprensa corporativa. “Para combater um projeto, jogam até mesmo contra o Brasil”, diz. Juvandia diz ter claro o papel do movimento sindical, de pressionar o governo – que se comunica mal e dialoga pouco – a rever a política econômica “que tira da sociedade para dar aos bancos”. Mas critica as forças conservadoras que pregam o golpe e os setores da imprensa que inflamam a instabilidade política, e considera também responsabilidade do sindicalismo autônomo de independente defender a democracia. “Quando a democracia foi atacada, os trabalhadores só perderam.”
Esta entrevista foi concedida na quinta-feira (30), antes da confirmação da aquisição do HSBC pelo Bradesco. Sobre o tema, Juvandia declarou hoje (3): “Vemos com preocupação a venda do HSBC. Temos hoje mais de 20 mil trabalhadores em todo o país e milhões de clientes e é com eles que o banco precisa se comprometer. Nenhum processo de venda pode causar prejuízo à sociedade brasileira”.
Quais as expectativas em relação à campanha salarial nesse cenário contaminado por crise política e crise econômica?
Os bancos estão ganhando muito. E ganham na crise, ainda mais, porque a política de juros tira da sociedade e dá pros banqueiros. Mesmo nessa crise toda que o mundo vive desde 2008, originária no sistema financeiro, os banqueiros se saíram muito bem. Aliás, a concentração de renda aumentou. Países estão sendo sacrificados, os trabalhadores, mas os bancos e os banqueiros, não. E nós estamos num cenário em que os bancos brasileiros estão bem, estão ganhando muito e nós vamos cobrar uma campanha salarial com aumento real, com garantia de emprego. Estamos muito preocupados com emprego, isso vai ganhar uma centralidade nessa campanha. Ainda mais com o HSBC sendo vendido, em breve deve anunciar quem comprou…
E quem foi, o Bradesco?
Se for o Bradesco, é preocupante. Se fosse o Itaú, ou o Santander, também seria. Agrava a concentração bancária. E vamos ter de brigar muito para garantir esses empregos. Os bancos privados têm demitido mesmo ganhando muito. Isso deveria ser motivo de repúdio por toda a sociedade brasileira. Além de praticar taxas de juros mais altas, de ter encarecido o crédito, aumentado as tarifas bancárias, ainda demitem. Lidam com dinheiro da população, pegam dinheiro da população quando entra no cheque especial, mas não paga um centavo se você deixa o dinheiro parado na conta. Estão sempre ganhando. Quando você compra uma mercadoria com cartão de crédito, chega a 6% o que fica para o banqueiro. Se você pagar no cartão de débito, de 1,5% a 2,5% vai para banqueiro. Isso tira liquidez da economia. É como um imposto que você paga para os bancos. Os bancos têm um jeito de sugar da sociedade o tempo todo. Vale-refeição é outro. A maioria das empresas é controlada por bancos. Nós negociamos o direito para o trabalhador, e quando ele vai almoçar é 6% que fica para o banqueiro com aquela maquininha. Os caras ganham o tempo todo. Em vez de financiar o desenvolvimento econômico, pegam dinheiro da sociedade e enriquecem. E demitem ainda.
O país vive um momento de grande instabilidade. E a campanha salarial tem de cobrar dos bancos numa ponta, tem de cobrar do governo menos ajuste e mais crescimento e, ao mesmo, essa instabilidade política ainda pode levar o movimento sindical e social a ter de sair em defesa do governo. Como se posicionar num ambiente desses?
Para mim essa questão é muita clara. Sou representante dos trabalhadores, vou fazer o que o sindicato tem de fazer, cumprir seu papel. Não tenho dúvida dos avanços que a gente teve no Brasil. Acordos coletivos com aumento real, criação de empregos, política de valorização do salário mínimo, muitas coisas. E o movimento sindical é independente de qualquer governo. Tem de se portar com autonomia. Mas tem que ter lado no projeto da sociedade, de país, de desenvolvimento. E nesse ponto a gente não pode admitir retrocessos. Temos de defender a democracia, porque os trabalhadores, sem a democracia só perderam. Na ditadura como era? Não se podia fazer greve, se manifestar. Até no curto período em que houve crescimento econômico, no tal milagre, a renda foi muito concentrada. Então, o que a gente tem de fazer é cobrar do governo que mude a política econômica, e não permitir nenhum retrocesso. A gente vai às ruas pra cobrar o que é certo para que o país retome o crescimento, e também vai para defender a democracia, que é também fundamental importante para os trabalhadores. Quando a democracia foi atacada, os trabalhadores só perderam.
Mas como lidar com uma situação em que o governo, acuado, não consegue governar e ainda se diz obrigado a adotar medidas que o afastam de sua base social?
O movimento sindical tem de se unir. Nós temos uma crise muito mais política do que econômica. Não estamos com a situação deteriorada como a de alguns países da Europa. Mas estamos diante de um cenário econômico mundial difícil. A China já está com um ritmo de crescimento menor, o que vai ter impactos pra gente e outros países. A Europa está demorando para se recuperar e nem a economia dos Estados Unidos está reagindo no ritmo que se esperava. E como a aposta no mercado interno, na proteção dos empregos e da renda, na ocasião do estouro da crise, conseguiu proteger o Brasil, o movimento sindical tem de se unir para cobrar o crescimento, a manutenção dessa visão política. Inclusive diante de um Congresso Nacional que quer mandar no governo e parece apostar na instabilidade, o movimento sindical, como um ator importante da sociedade brasileira, tem de atuar para que essa crise política não paralise as atividades econômicas do país. A gente quer crescimento, emprego, distribuição de renda e que os brasileiros não percam o que conquistaram nos últimos anos.
As grande empresas e corporações têm um poder imenso sobre a economia. Você acredita que esse poder econômico possa estar de alguma forma atuando para que o governo sofra desgastes e não chegue ao fim do mandato?
Não acredito em sabotagem do empresariado. Obviamente tem uma força de oposição que se organiza, e que conta com os setores da imprensa que apostam contra a qualquer custo, mesmo que signifique prejuízos pra o Brasil. Você colocaria sua empresa a serviço de desgastar um governo mesmo que fosse para perder dinheiro? O problema é que, diante de uma política de juros altos, para quem tem capital sobrando é muito mais vantajoso investir em títulos públicos do que na produção. O capitalista quer ganhar. Nunca ganhou tanto como nos últimos 12 anos, mas ainda prefere botar seu dinheiro lá, no juros pagos pelo governo. Por isso nós temos uma crítica à política econômica que o governo tem adotado, porque não é o projeto com que o governo se elegeu.
Mas o ajuste não é necessário?
Mesmo que seja, você tem várias possibilidades de arrecadar mais se taxar as grandes fortunas, os lucros dos bancos, conter a evasão de divisas, taxar as remessas de lucros ao exterior… há muitas formas de proteger as contas públicas sem apelar para os direitos dos trabalhadores. E sem apelar para juros tão altos e tão nocivos para as próprias contas públicas. O governo, além de tudo, se comunica mal, porque não explica para a sociedade o porquê dessa política econômica, e porque dialoga pouco com os trabalhadores e a sociedade. Precisava ouvir mais. O pretexto para a adoção dos juros altos, conter a inflação, não se justifica. É evidente que não há uma inflação de demanda, que o problema foi a alta no início do ano dos preços controlados que estavam represados – energia elétrica, gasolina, água, transportes – e que por isso mesmo todo mundo já projeta uma inflação menor no ano que vem. O problema não é esse. O problema é conseguir estimular o setor produtivo a investir na produção, e não nos títulos do governo.
Os balanços já mostraram no primeiro trimestre que os juros altos tiveram grande participação nos lucros dos bancos. A tendência deve continuar agora nos balanços semestrais. Eles ganham mesmo com a crise. O governo gasta mais, se endivida mais e não é a sociedade brasileira que sai ganhando. O equívoco da política econômica que o ministro Joaquim Levy (Fazenda) está conduzindo é esse. E pra piorar você tem uma situação de crise política em que as forças que atuam contra o governo, inclusive os meios de comunicação, que torcem contra o Brasil. Vendem para a sociedade um cenário pior do que o que a gente realmente tem. E ainda que existam plenas condições de a gente superar esse momento difícil e retomar o crescimento, trabalham para qua as coisas deem errado por uma questão de combate a um projeto.
Isso inclui a convocação de uma manifestação pelo “fora Dilma” no próximo dia 16. Como o movimento sindical de posiciona diante dessa situação de confronto?
Nós do movimento sindical nos manifestamos também. Esta semana mesmo a CUT fez uma manifestação em Brasília contra a política econômica e a alta dos juros. Só que uma coisa é você se manifestar em defesa de uma causa, de um projeto para o país. Outra coisa é propor um golpe contra o Estado democrático de direito. Não temos diante da conjuntura nenhum elemento que justifique alguém defender a derrubada de um governo democraticamente eleito. Se uma parte da sociedade não concorda com o governo, que questione a política, cobre mudanças. Golpear a democracia será um estrago para o Brasil que a gente não pode admitir. A gente lutou muito para que as pessoas tivessem, inclusive o direito de se manifestar. E olhe que a nossa democracia ainda está em construção.
O que falta?
Ainda existe uma influência muito grande do poder econômico que distorce a democracia. O financiamento empresarial de campanhas, desequilibra principalmente o Poder Legislativo. Então falta uma reforma política de verdade, que corrija essas distorções. Falta uma regulamentação de democratize o sistema de comunicação, que é muito concentrado. Faltam discutir um novo modelo tributário, porque o Estado hoje compõe sua arrecadação cobrando impostos sobre o consumo, o que pesa muito mais sobre os pobres e os trabalhadores do que sobre os ricos. E nada disso passaria agora nesse Congresso, porque a grande maioria dos deputados que estão lá foi eleita justamente com financiamento de empresários, que não estão interessados nessas mudanças.
O sindicato promoveu recentemente um seminário sobre sistema tributário, publicou cartilha. Chegaram a apresentar alguma sugestão para o governo?
Não. A intenção era promover um debate mesmo. E produzir informação sobre as contradições do modelo tributário, que os brasileiros em geral pouco conhecem e pouco entendem. Por que o povo não cobra mudanças? Porque não sabe como funciona. Então, ponto de partida para que as pessoas queiram pressionar por mudanças é o conhecimento.
Recentemente circulou a notícia de que o dono da Odebrecht e o ex-presidente Lula promoveram um jantar reunindo alguns dos maiores empresários do país, em 2012, e que você e o Sérgio Nobre, dos metalúrgicos do ABC, eram os únicos sindicalistas presentes. Qual o significado dessa presença de vocês nesse evento?
Nós fazemos parte do conselho do Instituto Lula. Participamos de uma série de outros conselhos também, como o Conselho da Cidade. Na ocasião, por exemplo, discutíamos muito a busca de soluções para o problema da mobilidade – que era também um dos assuntos daquela reunião. Que envolvia necessidade de investimentos em metrô, transportes coletivos, infraestrutura. O presidente Lula tem tradição de dialogar com vários setores da sociedade, da juventude, dos negros, dos trabalhadores, dos empresários, e de reunir vários setores para dialogar entre si. Agora, para o jantar em questão foram convidados Roberto Setúbal, Luiz Carlos Trabuco, Abílio Diniz, Jorge Gerdau, João Roberto Marinho, empresários do setor financeiro, da indústria, das comunicações, do agronegócio, enfim, de vários segmentos, e os jornais tratam como se fosse uma reunião de três quatro pessoas tentando produzir suspeita pelo fato de ter sido na casa do dono da Odebrecht. Enfim, aproveitam o ambiente de guerra política para criminalizar uma reunião.
Noticiou-se também o deboche da mulher do empresário, Isabela Odebrecht, a respeito da presença de sindicalistas na lista de convidados. Ela se refere a você falando em marmitex, em sujar a toalha…
Eu não pedi marmitex nem derramei vinho na mesa (risos)… Na verdade, isso pessoalmente não me incomoda. Incomoda ver o preconceito dessa elite, o desprezo pelos do “andar de baixo”. Isso só reforça que eles, no fundo, não querem mudança no status quo. Reforça o quanto se incomodam em ver trabalhador andar de avião, em vez de estar lá na rodoviária, em ver o filho da empregada ou do porteiro ou do pedreiro entrar na universidade, se formar em Medicina, Direito, ver o filho do pobre virar doutor incomoda, ver o trabalhador virar presidente da República, então… Então, o deboche não me incomoda. Só lamento algumas pessoas se acharem melhor do que outras por ostentar bens materiais, patrimônio… coisa boba, porque no fim não levar nada para debaixo da terra. Não vão levar nada daquilo, que, inclusive, foi extraído do suor de trabalhadores. Isso é que deveria incomodar as pessoas, viver com muito além do que é necessário, como vive o 1% que concentra a maior parte da riqueza do mundo.
Fonte: www.redebrasilatual.com.br