Manifesto contra PEC da demarcação de terras destaca inconstitucionalidade
Documento foi entregue a deputados e à comissão que aprecia a matéria. Principal argumento mostra supressão de direitos fundamentais dos índios por Hylda Cavalcanti, da RBA Brasília – Parlamentares e representantes de…
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Documento foi entregue a deputados e à comissão que aprecia a matéria. Principal argumento mostra supressão de direitos fundamentais dos índios
por Hylda Cavalcanti, da RBA
Brasília – Parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil, ao lado de índios de várias etnias, divulgaram no dia 11 de junho manifesto contrário ao teor daProposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que tramita na Câmara dos Deputados e passa para o Congresso o poder de decisão sobre a demarcação de terras indígenas. O grupo, formado por cerca de 60 pessoas, protestou contra o que foi chamado de violência contra os índios brasileiros e pediu a rejeição da matéria.
O movimento contou com o destaque de representantes de três frentes parlamentares reinstaladas este ano no Congresso: a de Direitos Humanos, a de Defesa dos Povos Indígenas e a Frente Ambientalista. É endossado por aproximadamente 70 entidades da sociedade civil, como o Instituto Socioambiental (ISA), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), WWF e Greenpeace.
O apoio manifestado hoje foi importante para o grupo, sobretudo, porque em dezembro, um confronto entre índios e seguranças legislativos resultou em vítimas e criou mal-estar na Câmara. A PEC terminou sendo arquivada, pelo fato de ser final de legislatura e não ter sido votada. Mas acabou sendo reapresentada, em fevereiro passado, pela bancada ruralista.
O texto determina que as demarcações de terras indígenas passem a ser decididas por meio de votação no Congresso. Na avaliação dessas entidades, a nova regra torna inviáveis essas demarcações, diante da grande concentração de representantes da agricultura tradicional na Câmara e no Senado.
O grupo contrário à proposta quer que as demarcações continuem sendo feitas da forma como acontece hoje, por meio de decreto da Fundação Nacional do Índio (Funai), após ampla avaliação. As entidades apontam, como argumentação principal, que a transferência deste poder para o Legislativo fere a Constituição.
“Esse manifesto é uma forma de dizermos que em defesa da democracia, da nossa brasilidade e em defesa da dignidade humana, temos de dizer não à PEC 215”, afirmou a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Apoio do Senado
O deputado Edmilson Rodrigues (Psol/PA) disse que o manifesto será protocolado na Comissão Especial da PEC 215 e passará a constar dos autos da proposta, para que seja levado em consideração pelos integrantes da comissão, durante a votação do relatório final sobre a matéria. Rodrigues lembrou que em maio passado, a maioria do Senado já se manifestou contrária à PEC, já que 48 senadores (mais de 60% do total) assinaram um documento rejeitando a proposta.
O deputado criticou o que chamou de “interesses ruralistas”, que a seu ver predominam sobre a maioria dos parlamentares e enfatizou que o movimento tem, justamente, o objetivo de conscientizar os deputados e senadores para que a situação seja revertida. Segundo ele, aprovar a PEC será o mesmo que “destruir 305 etnias indígenas, perpetrando uma violência histórica”.
Cláusulas pétreas
Considerando que a proposta representa um grave retrocesso com implicações sobre o equilíbrio ambiental e sobre direitos invioláveis dos povos tradicionais brasileiros, o manifesto exige a retirada imediata de tramitação a PEC 215 além de propostas apensas ao texto e de quaisquer outras iniciativas voltadas a suprimir ou regredir direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e no reconhecimento das unidades de conservação.
O documento destaca que a proposta representa ameaças aos direitos fundamentais e é declaradamente inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas relacionadas com o princípio da separação dos poderes e a consagração de direitos fundamentais dos povos indígenas.
Além disso, possui apensos que pretendem, no entender das entidades que o endossam, “paralisar a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação, bem como permitir a liberação de grandes empreendimentos dentro dessas áreas protegidas, tais como: hidroelétricas, mineração, entre outras atividades” (como a agropecuária extensiva, por exemplo).
“Não podemos ficar parados. Temos de ampliar o debate e pedir ao apoio dos que aqui estão para convencerem seus demais colegas parlamentares sobre essa matéria, que só vai trazer retrocessos para o Brasil. Nós temos história”, afirmou a índia Jandira Kanela, também integrante da Apib.
Confira a íntegra do manifesto
Manifesto Contra a PEC 215/2000
“No dia 19 de maio de 2015, na Câmara dos Deputados, organizações e movimentos sociais, indígenas, indigenistas e ambientalistas, junto com as Frentes Parlamentares de Apoio aos Povos Indígenas, em Defesa dos Direitos Humanos e Ambientalista, abaixo assinados, promoveram a Plenária “Ameaças aos direitos fundamentais e a PEC 215: democracia, povos indígenas e meio ambiente”. Como resultado da Plenária, de comum acordo decidiram publicar a seguinte moção de repúdio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, em tramitação na Câmara dos Deputados no âmbito de uma comissão especial.
A PEC 215/2000 e seus apensos pretendem paralisar a demarcação de Terras Indígenas, a titulação de Territórios Quilombolas e a criação de Unidades de Conservação, bem como permitir a liberação de grandes empreendimentos dentro dessas áreas protegidas, tais como: hidroelétricas, mineração; agropecuária extensiva, implantação de rodovias, hidrovias, portos e ferrovias.
Se aprovada, a referida PEC 215/2000 resultará em consequências irreversíveis para os povos indígenas e as comunidades quilombolas, considerando que seus territórios são vitais para sua sobrevivência física e cultural, além de contribuírem na preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no contexto do aquecimento global.
A PEC 215/2000 é declaradamente inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas relacionadas com o princípio da separação dos poderes e a consagração de direitos fundamentais dos povos indígenas, que enquanto tais ostentam blindagem constitucional e respaldo na normativa internacional.
Diante disso e considerando que:
– A demarcação das Terras Indígenas, a titulação dos Territórios Quilombolas e a criação de Unidades de Conservação da Natureza são atos tipicamente administrativos de caráter estritamente técnico, destinados a implementar direitos constitucionais coletivos conquistados a partir de uma longa e dolorosa jornada de luta e debates no período da Constituinte em que várias lideranças dos diversos segmentos sociais saiam de seus locais e peregrinavam em Brasília a fim de discutir e garantir os seus direitos fundamentais, políticos e sociais;
– Esses direitos constitucionais coletivos são o resultado do reconhecimento acerca da imprescindibilidade do equilíbrio ecológico para o bem estar da sociedade e da necessidade de destinar terras aos povos e comunidades que as ocupam tradicionalmente, tanto para garantir sua sobrevivência física e cultural como para a reparação da dívida histórica do Brasil para com os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais;
– A luta dos Povos Originários é uma luta para o bem estar de toda a sociedade, em defesa da pluralidade da coletividade brasileira e do meio ambiente ecologicamente equilibrado;
– O deslocamento de competência em matéria constitucional só pode ser feito para ampliar direitos e não para impor retrocessos;
– A biodiversidade, a sustentabilidade e o equilíbrio ambiental não podem ser submetidos aos interesses de maiorias legislativas de ocasião no Congresso Nacional; os Povos Indígenas e Comunidades Quilombolas do Brasil são sujeitos de direito, cidadãos e cidadãs, e como tal, devem ser respeitados em seus direitos e em sua integridade física, moral, cultural e histórica;
– Juristas renomados e o próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso Relator do Mandado de Segurança n° 32262, já alertaram para a absoluta inconstitucionalidade da PEC 215/2000;
– É urgente que o governo brasileiro aplique a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1989 durante sua 76ª Conferência e ratificada pelo Brasil em 2004, sendo o principal tratado internacional sobre direitos dessas populações no tocante á consulta livre, prévia e informada, saúde, educação, trabalho, usufruto da terra, entre outros;
– É fundamental que o Estado brasileiro torne efetivo o direito dos povos indígenas à diferença e ao direito originário a suas terras e territórios, bem como o reconhecimento dos direitos de outros povos e comunidades tradicionais.
Os signatários abaixo elencados RESOLVEM manifestar o seu total apoio à luta dos Povos Indígenas, das Comunidades Quilombolas e da Coletividade brasileira e exigir a retirada imediata de tramitação da PEC 215/2000, propostas apensas e de quaisquer outras iniciativas voltadas a suprimir ou regredir nos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e no reconhecimento das unidades de conservação.”
Assinam
Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e a Pela Vida
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib
Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – Apinsudeste
Articulação dos Povos Indígenas do Sul – Arpinsul
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia – APD
Associação de Advogados da AGU
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília
Associação dos Juízes para a Democracia – AJD
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED)
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra
Casa das Redes
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro Acadêmico de Ciência Política da Universidade de Brasília
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Coalizão Pró-SNUC
Coletivo Jovem de Meio Ambiente do Brasil
Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Comissão Guarani Yvyrupa
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB
Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin)
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Conselho Nacional de Direitos Humanos
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – Conaq
Distrito Federal em Movimento
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Distrito Federal e Entorno- Fetraf-DFE
Fórum de Entidades Sociais de São Sebastião
Fórum de Políticas Públicas de Esporte e Lazer Indígena
Frente Parlamentar Ambientalista
Frente Parlamentar em Apoio aos Povos Indígenas
Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos
Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana
Frente Parlamentar Mista de Segurança Alimentar e Nutricional
Frente Parlamentar Mista Pela Educação do Campo – FPMEDOC
Fundação SOS Mata Atlântica
Grande Assembleia do Povo Guarani – Aty Guasu
Greenpeace
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
Instituto Internacional de Educação do Brasil
Instituto Nzinga Mbandi
Instituto Socioambiental – ISA
Mídia Ninja
Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado – Mopic
Movimento Afrodescendente de Brasília – Madeb
Movimento de Apoio aos Povos Indígenas
Movimento Supernova
Movimento Tortura Nunca Mais
Núcleo Agrário da Câmara dos Deputados
Observatório do Clima
ONG Alternativa Terra Azul
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
Organização Indígena do Médio e Baixo Perus
Rede Cerrado
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República- SPM/PR
Via Campesina
WWF-Brasil
Fonte: Rede Brasil Atual