Manifesto da 19ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo
O povo negro necessita de reparação histórica, com direito irrestrito ao trabalho, educação, saúde, moradia, liberdade religiosa, cultura, segurança e representação
Publicado em
São Paulo, novembro de 2022.
#DiaNacionalDaConsciênciaNegra
O 20 de Novembro é um avanço extraordinário da luta antirracista no Brasil. Significa ter consciência coletiva enquanto povo negro. Proposta pelo grupo de escritores Palmares, de Porto Alegre (RS) em 1971, a contranarrativa do 20 de Novembro se espalhou pelo país a partir de 1978 durante uma assembleia nacional do Movimento Negro Unificado Contra Discriminação Racial.
Ao contrário do 13 de Maio, da Lei Áurea, o 20 de Novembro, data da morte do guerreiro Zumbi dos Palmares, simboliza a luta ativa por cidadania e democracia. Por isso começamos a Marcha da Consciência Negra pela Avenida Paulista, antigo endereço de escravocratas, barões do café, hoje centro do capital acumulado pela comercialização e pela exploração dos nossos corpos negros da terra e da Guiné. A rua que descemos em seguida não nos serve de consolação. Nossa referência aqui é o legado de Luiz Gama, da Imprensa e da Literatura Negras, que afrontam a elite brasileira do Largo São Francisco.
Ao encerrarmos essa Marcha nas históricas escadarias do Teatro Municipal, não é a Semana de Arte Moderna que exaltamos, mas o lançamento do Movimento Negro contemporâneo, que afirma:
POR UM BRASIL E UMA SÃO PAULO COM DEMOCRACIA E SEM RACISMO
Superar a crise e reconstruir um Brasil do bem viver é o horizonte do movimento social negro brasileiro que, ao lado das forças populares, conquistou, no dia 30 de outubro de 2022, uma importante vitória contra o avanço da extrema direita no mundo, elegendo Lula presidente do Brasil.
Agora, no 20 de novembro de 2022, ano em que diferentes setores se uniram em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo, reafirmamos a importância de considerar o racismo como assunto central.
A fome, o desemprego, o trabalho precário, o arrocho salarial e a violência do Estado retratam como tem sido difíceis os dias das e dos brasileiros, consequências da aplicação do programa neoliberal de um mercado que prioriza o lucro acima da vida, que afetam majoritariamente as e os negros.
O novo governo federal precisará colocar vidas acima do lucro e Revogar a Emenda Constitucional 95 (teto de gastos), a Reforma Trabalhista e combater, através de políticas públicas e investimento real, o aprofundamento da crise político-institucional e o crescimento do conservadorismo, do racismo, do machismo e da LGBTIfobia, para reafirmar a necessidade de reconstruir o Brasil.
A pandemia do coronavírus, que aprofundou a crise econômica e social, coloca a urgência de medidas de curto e médio prazo para a reconstrução do país, devastado nos últimos anos sob a indiferença e a irresponsabilidade do governo federal.
A devastação veloz da natureza e da biodiversidade, o ataque aos povos quilombolas, ribeirinhos, indígenas, periféricos, favelados e povos de terreiro, associada ao reforço das transnacionais da mineração e do agronegócio e o sacrifício da soberania nacional e popular, com a subordinação imperialista, reforçam a necessidade de se pensar em uma nova forma de relação da sociedade e a natureza, pautada nos preceitos do bem viver, para evitar a destruição do planeta, da nossa e outras espécies.
O povo negro necessita de reparação histórica, com direito irrestrito ao trabalho, educação, saúde, moradia, liberdade religiosa, cultura, segurança e representação. Só conquistaremos a verdadeira liberdade através da luta antirracista, coletiva e em movimento.
Estado mais rico do Brasil, SP é também um dos mais desiguais, o desemprego em São Paulo é maior que no conjunto do Brasil, em especial entre a juventude. Segundo dados do IBGE, a diferença entre o rendimento médio de uma mulher negra e um homem branco no Brasil é de 106%, ou seja, mais do que o dobro. Em São Paulo, entretanto, essa diferença é ainda maior, atingindo 118%.
A fome tomou conta de 2,5 milhões de paulistas, e a população em situação de rua cresceu exponencialmente, espalhando-se não só pela Capital, onde atinge mais de 30 mil pessoas, como por toda a Região Metropolitana, e também pelo interior e pelo litoral. Crianças e adolescentes estão com o aprendizado defasado e alargaram-se as filas na saúde.
Após quase 3 décadas de gestão tucana no Estado de SP, com o resultado nas urnas da eleição de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, ex-ministro de Bolsonaro, como governador do Estado, nos próximos quatro anos, exigimos medidas urgentes de superação dessas desigualdades.
São Paulo não pode ser um puxadinho para o Bolsonarismo e também achamos importante afirmar que construiremos, ativamente, resistência antirracista frente seu programa de governo:
Somos totalmente contrários a redução da maioridade penal. A resposta para evasão escolar, dificuldade no acesso à educação e a falta de oportunidades de emprego para nossos jovens não pode ser a prisão. Achamos que a influência de um Estado grandioso como SP, deve ser o de gerar esperança para nosso futuro. Ao contrário da redução.
Somos totalmente contrários ao fim da Secretaria de Segurança Pública. Nosso Estado carece de ainda mais políticas públicas na área que visem uma sociedade sem violência contra a população negra. Fundamental seria aumentar os mecanismos de participação popular, fortalecendo, por exemplo, a ouvidoria das polícias.
Somos totalmente contra a retirada das câmeras dos uniformes das e dos policiais, pois através dessa política de inteligência, a letalidade policial caiu 72% em SP e a violência do Estado também.
Queremos para São Paulo políticas transversais de combate ao racismo, em todas as áreas, que visem superar as desigualdades.
A bandeira do Brasil deve ser de todas e todos brasileiros
Como a maioria da população brasileira, nós negros e negras que participam desta marcha, também gostamos de futebol e vamos torcer pela seleção brasileira em mais uma Copa do Mundo. A de 2022 começa neste 20 de novembro!
Nós, marchantes de consciência negra, somos contra os atos e manifestações de racismo que são constantes nos campos de futebol em nosso país e em todas as regiões do mundo.
Para nós, o verde-amarelo da camisa da seleção e de nossa bandeira, que desde o golpe de 2016 têm sido apropriadas de forma indevida pelas manifestações fascistas e racistas dos apoiadores de Bolsonaro, são símbolos nacionais de todo o povo brasileiro.
Nesse momento, nas ruas de nossas cidades e em nossas casas, vamos torcer por nossa seleção, festejar um Brasil de esperança e nos manifestarmos contra o racismo no futebol e em qualquer prática esportiva!
Nós temos um projeto político do povo negro para todas, todos e todes!
A geração que ocupou as escadarias do Theatro Municipal passou adiante bandeiras que são nossas lutas de ontem e hoje:
- Lutamos por um movimento negro independente
- Pelo fim do genocídio da população negra
- Pelo o fim da violência policial e o encarceramento em massa
- Pelo fim da discriminação racial no trabalho.
- Por uma educação voltada para os interesse do povo negro e de todos os oprimidos.
- Pelo fim da manipulação política da cultura negra.
- Contra a exploração sexual, social e econômica da mulher negra.
- Contra a LGBTQIA+fobia
- Pela descriminalização e legalização das drogas
- Pela descriminalização e legalização do aborto
- Pelo fim da violência racial nos meios de comunicação.
- Por respeito e valorização das comunidades tradicionais e dos povos de terreiro
- Por titulação das terras quilombolas, direito à moradia e reforma agrária
- Pela solidariedade internacional à luta de todos os oprimidos.
Na 19ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo, homenageamos todas e todos que perdemos nos últimos seis anos, vítimas da gestão de morte na pandemia do coronavírus, da austeridade neoliberal, da perseguição e violência política do governo golpista de Temer e genocida de Jair Messias Bolsonaro. Exigimos Verdade, Memória e Justiça. Não aceitaremos anistia aos nossos algozes!
Homenageados:
Zumbi e Dandara dos Palmares
As mais de 700 mil vítimas da pandemia do coronavírus, na sua maioria negros e pobres
As milhares de vítimas da violência Policial e do Estado, entre os anos de 2016 e 2022, no Estado de São Paulo e em todo Brasil.
Luana Barbosa
Mestre Moa do Katendê
Marielle Franco
Anderson Gomes
Reginaldo Camilo dos Santos, Zezinho
Benedito Cintra
Arnaldo Marcolino