Memórias da Luta (os 25 anos do Badernaço)- Contribuição de Jacy Afonso
Os 25 anos do Badernaço, poderia ser os 30 anos?
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Badernaço: O dia em que a classe trabalhadora do DF parou
29/11/2011 – 00:00
Ponto de Vista Jacy Afonso: 25 anos de Badernaço
No último domingo (27/11), o movimento que lutou contra a política econômica do então presidente Sarney, e ficou conhecido como Badernaço, completou 25 anos. E Brasília, desde aquele dia, nunca mais foi a mesma.
Em 1986 o movimento sindical, liderado pela CUT-DF, era composto por alguns poucos sindicatos. Afinal mal havíamos saído do regime militar, que acabara um ano antes com o início do governo de transição.
A história política de Brasília era bem peculiar. Diferentemente dos demais Estados brasileiros, o Distrito Federal pouco conhecia a democracia. Em 1964, quatro anos depois de inaugurada, Brasília vivenciou o golpe militar, que mergulhou o país e a Capital Federal em 21 anos de terror e escuridão.
Alguns sindicalistas que sobreviveram aos anos de chumbo – em destaque o companheiro bancário Adelino Cassis, morto recentemente – foram os nossos principais mestres para, no final dos anos 70 e início dos 80, realizarmos a retomada dos sindicatos. Muitos movimentos foram organizados nos locais de trabalho para essa retomada, como os dos rodoviários, dos auxiliares de ensino, dos professores, dos bancários, dos médicos.
A abertura política trouxe liberdade para a população, mas impôs também um dos maiores arrochos salariais já vivenciados em nossa recente história, com inflação que chegava perto dos 90% ao mês. O maior terror da população já não eram as armas dos militares que caçavam estudantes, donas de casa, trabalhadores e sim a maquininha do supermercado que trabalhava 24 horas por dia remarcando os preços dos alimentos e outros gêneros de primeira necessidade. A gente estava sempre tentando correr contra o tempo assim que o pagamento era depositado em nossa conta. Todo mundo corria para o supermercado, pois se deixasse para o outro dia, o salário já teria perdido boa parte de seu poder de compra.
O governo Sarney lançava pacote em cima de pacote e a situação não se tranqüilizava por muito tempo. Logo a inflação voltava, derrubando o plano do governo. E ela vinha mais assustadora, mais voraz em cima dos nossos salários.
E foi justamente em um desses planos econômicos que a população se revoltou. Primeiro com a traição do governo federal que segurou a inflação de forma artificial, garantindo assim uma vitória esmagadora nas urnas contra a oposição. Mas, dias depois das eleições, soltou a fera enjaulada e faminta.
A CUT, junto com seus sindicatos, confeccionou 100 mil panfletos de forma bastante rudimentar, pois nos faltava a estrutura, mas com grande audácia, já que nos sobravam o sonho, a esperança e a vontade de mudar o país. Assim, os impressos foram distribuídos principalmente na rodoviária do Plano Piloto, chamando o povo a se manifestar contra o pacote e contra a traição.
E para nossa própria surpresa, o povo foi. Foram as donas de casa, os estudantes, as lideranças sindicais, os trabalhadores, liderados por Chico Vigilante, que era o presidente da CUT na época. Eu também estava lá e também fazia parte da direção da Central.
Foi o primeiro movimento organizado em Brasília que contava com uma imensa multidão de revoltados. Todos e todas sabiam o que faziam ali, mesmo os não sindicalistas.
Naquele dia, o povo brasiliense finalmente percebeu que estava livre de todos aqueles anos de medo vividos na ditadura, em que as palavras eram pronunciadas em meio tom e as ameaças pairavam sobre as nossas cabeças. Tudo isso se dissipou quando a polícia, praticamente a mesma da ditadura, resolveu que aquele povo não deveria protestar contra o pacote econômico do Sarney e atacou a população. A revolta se espalhou da Esplanada para a Rodoviária e vice-versa. Ônibus queimados, viaturas tombadas, vidros de lojas quebrados.
Ora, o povo estava livre, mas não podia reclamar? Naquele dia apanhamos e batemos. Bombas de gás lacrimogêneo voavam. Caiam aos nossos pés e imediatamente eram devolvidas para o lugar de onde vieram. Revidamos tudo com ousadia e coragem e consideramos aquele dia vitorioso, pois Brasília despertou de seu sono profundo. Nossos meninos e meninas da UnB, mortos, presos ou desaparecidos foram homenageados naquela revolta popular. Fomos manchetes nos jornais do Brasil inteiro e até no exterior. Ficamos tão ousados que levamos para a CUT Nacional a proposta de chamar uma greve geral da classe trabalhadora brasileira. E na minha opinião, 15 dias depois do Badernaço, no dia 12 de dezembro, fizemos a maior greve já realizada no Brasil. E então pudemos dizer também: O dia em que a classe trabalhadora do Brasil parou. É, mas Brasília parou primeiro.