Morre o músico pernambucano Guitinho da Xambá
Falecido esta noite em decorrência de um AVC hemorrágico, o músico pernambucano, com apenas 38 anos, elaborou uma música renovadora e sem limites à frente do grupo Bongar e foi referência para comunidade Xambá, do quilombo urbano Portão de Gelo, em Olinda.
Publicado em
Não há como dimensionar a importância de Guitinho da Xambá para a música brasileira. Falecido esta noite em decorrência de um AVC hemorrágico, o músico pernambucano, com apenas 38 anos, elaborou uma música renovadora e sem limites à frente do grupo Bongar e foi referência para comunidade Xambá, do quilombo urbano Portão de Gelo, em Olinda.
Combinando o coco e os cantos afroindígenas da jurema, Guitinho imaginou um universo que tinha a experiência quilombola como força motriz — e não só como referência. “O chão do meu terreiro é o umbigo do mundo. Lá onde começa tudo”, cantou em “Vento Corredor”. Para Guitinho, a tradição era um constante movimento que, como ele afirma na mesma música, “carrega o meu pensamento para todo canto que eu vou, até pra fora do mundo”.
“A tradição não é estática, ela se transforma com o passar do tempo”, ele me disse numa entrevista há alguns anos. “Há uma renovação do repertório do terreiro. É algo que pulsa numa comunidade tradicional. Sob o viés artístico, isso é ressignificar sem corromper”.
Essa mentalidade inquieta o conduziu em trabalhos verdadeiramente grandiosos que quebram as expectativas e criam novos horizontes para a música negra, como o álbum Samba de Gira (2016). O disco é o encontro dos mundos espiritual e carnaval, mediado pela música em três diferentes ambientes sonoros: o teatro, o estúdio e o próprio terreiro (com gravações dos rituais na Xambá).
“Eu queria conectar dois mundos com os quais convivemos diariamente na xambá, tendo a música como o fio condutor, nos mostrando o quanto, ao conectarmos nossa espiritualidade, somos capazes de revelar uma criatividade em parceria com o legado cultural que herdamos dos nossos ancestrais”, ele explicou.
Sua vida foi breve, mas seu legado é imenso. Como ele mesmo escreveu, em mensagem enviada aos amigos após sair do hospital em dezembro: “Amo muitas pessoas que dentro de mim moram. Assim, morrer nunca irei. Pois há muitas vidas para serem cuidadas e para cuidar de mim (…) Mas não é agora que essa estrada para. E renovar sempre é o caminho a se seguir”.
Autoria: GG Albuquerque
(Publicado no volume morto cedido gentilmente pelo autor)