Nota da SMAD-MT sobre a concessão do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães
Os dados demonstram, inequivocamente, o reflexo da ausência de prioridades e o desmantelamento das ações governamentais na área ambiental
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O meio ambiente tem sido uma das maiores vítimas do governo federal desde 2019, quando Bolsonaro assumiu a cadeira de governante a partir de uma eleição marcada por divulgação de notícias falsas, promessas de fragilização dos órgãos fiscalizadores e de vista grossa aos problemas ambientais brasileiros. No estado de Mato Grosso, dados oficiais de monitoramento do desmatamento nos biomas Amazônia e Cerrado indicam um desmatamento de 11.700 e 8.500 hectares, respectivamente, por bioma no ano de 2021. O estado contribuiu com 18%1 do desmatamento no bioma amazônico e com 9,4%2 do desmatamento do Cerrado.
Durante o período de secas dos anos de 2020 e 2021, os incêndios florestais consumiram grande parte das áreas naturais do Pantanal mato-grossense. Estima-se que cerca de 4,5 milhões de hectares tenham sido atingidos por incêndios, o que corresponde a 30% da área do bioma. A catástrofe destes anos afetou as comunidades tradicionais e destruiu parte significativa da fauna e flora da região. Estudos estimam que cerca de 17 milhões de animais de vertebrados tenham morrido nos incêndios.
Os dados demonstram, inequivocamente, o reflexo da ausência de prioridades e o desmantelamento das ações governamentais na área ambiental. Ainda assim, paradoxalmente, o governo investiu na entrega do patrimônio ambiental à iniciativa privada, especialmente as áreas protegidas federais brasileiras, que garantem a proteção de cerca de 10% do território nacional, desenvolvendo projetos governamentais que estimulam a apropriação privada dos recursos naturais. O primeiro deles, o “Adote um parque”, estimula a adoção de unidades de conservação por empresas, que podem vincular sua marca a estas áreas públicas protegidas e realizar ações institucionais no interior das unidades, num processo com praticamente nenhum controle social, com submissão de florestas públicas à governança privada.
Neste contexto, áreas de comunidades tradicionais podem ser submetidas a interesses comerciais e contrários às próprias comunidades, em especial áreas cuja territorialidade e gestão do território ainda estejam em debate.
Outra frente de avanço sobre as unidades de conservação federais são as concessões destas áreas naturais à iniciativa privada. Elas fazem parte do Programa Nacional de Desestatização (PND), que inclui desde a privatização de empresas públicas como os Correios, a Telebras e a Eletrobrás, até a concessão de rodovias e parques nacionais. Trata-se de um verdadeiro negócio que beneficia diretamente grandes investidores privados relacionados ao turismo e lazer e dilapida o patrimônio público. A bola da vez das concessões é o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.
Localizado em Mato Grosso, o parque possui 33 mil hectares e é responsável pela proteção de áreas nativas de cerrado, de nascentes de rios formadores do Pantanal mato-grossense e sítios arqueológicos. Sua inclusão no PND se deu através do decreto federal 10.673, de abril de 2021. A concessão do parque nacional prevê a entrega dos serviços de visitação da área à iniciativa privada, sem obrigações sociais como contrapartida.
A concessão de parques nacionais é um processo de redução do papel do estado na promoção de políticas ambientais, de turismo e lazer. Os modelos contratuais deste tipo de investimento não preveem a contratação de funcionários locais, tampouco a compra de produtos da agricultura familiar e artesanatos da região, por exemplo. Trata-se de um modelo sem contrapartidas sociais e que envolve apenas a regulação de serviços, características próprias de um modelo neoliberal de políticas públicas. Ao invés de promover o uso sustentável do parque com o fomento de iniciativas comunitárias, com o desenvolvimento de estratégias de gestão públicas e maior integração da população local, o governo federal planeja repassar os serviços turísticos lucrativos para a exploração de grandes empresas sem impulsionar o desenvolvimento de iniciativas locais ou regionais, que poderiam distribuir recursos para promover o desenvolvimento e ampliação de emprego e renda na própria região.
As políticas de concessão de parques nacionais fazem parte do rol de estratégias neoliberais de desmonte do papel do estado na promoção do lazer, da cultura e da proteção ao meio ambiente. Depois de anos geridas com nenhum investimento público, poucos recursos e servidores, tais áreas, com grande potencial, são repassadas a empresas, cuja regulação de serviços com o poder público se dá através de contratos de longo prazo, muitas vezes com baixo ou nenhum controle social, uma estratégia concentradora de riqueza e centralizadora de decisões sobre o patrimônio natural.
Parques nacionais e outras categorias de unidades de conservação que permitem a visitação proporcionam a geração de emprego e renda e têm o potencial para distribuir riqueza, podendo retornar ao público na forma de serviços públicos e empreendimentos privados diversificados. Um estudo conduzido pelo ICMBio, órgão federal responsável pela gestão das áreas federais, mostrou que no ano de 2017, a visitação nos parques contribuiu com cerca de 80 mil empregos e R$ 2,2 bilhões em renda, R$ 3,1 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 8,6 bilhões em vendas, contribuindo com a arrecadação de cerca de R$ 900 milhões em impostos.
No processo de concessão do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, o governo federal prevê a cessão de uma área de 27 mil hectares à iniciativa privada por um período de 30 anos! Não há consulta direta a comunidades vizinhas afetadas, não há comitês ou conselhos públicos previstos para o acompanhamento e fiscalização dos contratos e, durante o período de concessão, a empresa que receber a área poderá diversificar ainda mais as atividades de visitação da unidade, uma carta branca para a ampliação do monopólio privado sem mecanismos de controle e fiscalização robustos.
Atualmente o ICMBio mantém as trilhas de visitação do parque nacional sem a cobrança de ingressos, atividade que proporciona a oportunidade de geração de renda e emprego para guias de turismo, artesãos, restaurantes da região, e que têm o parque como um importante atrativo para o desenvolvimento das atividades econômicas de ecoturismo, lazer e educação ambiental. Os visitantes que circulam no parque também consomem outros bens e serviços nos municípios da região, dinamizando a economia local. A concessão dos serviços da visitação implicará na cobrança de entrada e na mudança do perfil dos visitantes e tenderá a mudar a dinâmica do setor, inclusive com a possível redução dos serviços dos guias. O processo de concessão não apresenta uma análise da situação posterior deste mercado após a entrega da área.
A estratégia adotada pelo governo federal é de entrega dos serviços públicos à governança privada, sem controle social e com regulação estatal mínima, tendo como princípio a ideia de uma economia verde com intervenção mínima estatal, que garanta a circulação de capitais sem a geração de emprego e o desenvolvimento de tecnologias e empresas locais.
É dever do governo federal estabelecer prioridade nos investimentos em serviços públicos que assegurem a conservação ambiental, o turismo e o lazer em unidades de conservação, parte integrante do patrimônio ambiental de nosso país, com soberania, geração de renda e emprego e controle social, dando transparência máxima ao processo de elaboração de políticas e gestão destas áreas.
Os parques nacionais brasileiros são geridos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, órgão público criado em 2007 nos governos do PT e que faz a gestão das atividades de combate a incêndio, visitação, pesquisa, educação ambiental e fiscalização nas unidades de conservação federais. Sob a sua responsabilidade da proteção de grande parte da biodiversidade brasileira e mundial.
Manter o ICMBio e os demais órgãos ambientais, como o Ibama, com condições, meios e pessoal para exercer sua função legal é tarefa primordial na promoção do desenvolvimento socioambiental, desafio que se apresenta fortemente para o próximo governo e para o futuro do Brasil.
É necessário um debate intenso com a sociedade brasileira sobre as unidades de conservação, possibilitando o desenvolvimento de experiências e modelos de gestão das áreas e dos serviços por elas prestados, elementos que não estão presentes no atual processo de concessão do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.