Por um feminismo piadista*
Uma das dificuldades das feministas é encontrar rapazes que simpatizem com a ideia de que somos seres humanos e não coisas para “pegar”
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Ser jovem e feminista é péssimo para ficar com homens. Não vou dizer que esse é o maior desafio porque, em primeiro lugar, nem todas as feministas estão interessadas em homens. Segundo porque estamos mais ocupadas combatendo a cultura machista que justifica a cultura do estupro, que glamouriza a violência contra a mulher na novela das oito, as diferenças salariais e a baixa representatividade na política. Mas vamos falar depegação.
Um dos maiores desafios para jovens feministas (que curtem rapazes) não é poder usar minissaia em um dia de calor sem ser assediada (o que é verdade) ou lidar com argumentos tacanhos que tentam deslegitimar o movimento nos sugerindo lutar pelo alistamento obrigatório (por que alguém lutaria para ser obrigada a fazer algo eu realmente não sei) ou ter de desmentir o fato de que feministas não regulam as posições sexuais das outras pessoas (o que também é verdade), mas sim a falta de rapazes interessantes que simpatizem com a ideia revolucionária de que somos seres humanos e não coisas para “pegar”.
Claro que inteligência, charme, simpatia, ser bem sucedida profissionalmente, ter um mestrado aqui, um doutorado ali, ajudam. Porém os homens hétero cisgênero possuem um ponto indiscutível a seu favor: toda uma cultura que prega a passividade do comportamento feminino nas relações heteroafetivas. Vocês sabem, toda aquela baboseira que ensinaram nos contos de fadas e nas novelas dizendo que a mulher não escolhe, é escolhida. Pra quem é homem, em tese, se aproximar de uma mulher é a coisa mais fácil do mundo. Afinal, um rapaz não é julgado pela sua conduta e nem pelo seu passado sexual. Ele apenas age como foi ensinado. Faz o seu “papel”, conforme um bonitinho cabeça-de-vento me explicou uma vez.
O machismo se reproduziu porque sempre teve histórias da carochinha e colunistas bobagentos à mão, o que torna a vida das jovens feministas que curtem rapazes muito difícil. Imagine os papos: “Vem cá, meu amor, deixa eu te explicar porque tudo o que você acredita está errado, mesmo que eu desconheça sua área de atuação e esteja só dando palpites”. Ou “deixa eu te tratar como idiota porque a minha autoestima e/ou o tamanho do meu pênis não é grande o suficiente”.
Imagine-se recebendo aquele teteio que acabou de voltar do encontro de jovens liberais. Você leva o rapaz na sua casa, abre aquele vinhozinho chileno, para ele ficar à vontade e elogiar o “Pinot”, e começar a tecer elogios à meritocracia, apesar de ter estudado em faculdade pública e ter ido para a aula durante quatro anos com o carro do pai.
Imagine você falando para aquele rapaz que levanta a bandeira do anarcocapitalismo que nunca teve problemas em abrir um pote de azeitonas e ensinando o fofo a tirar o vácuo antes de forçar aquela mãozinha delicada que nunca lavou uma louça. Imagine esse rapaz olhando para você, cansada depois de um dia de trabalho e te dizendo: “Você está tão bonita que, desse jeito, eu estupraria”.
Qual a saída para essas situações quando vivemos em um momento em que o politicamente correto é apontado como a causa dos males do mundo?
Rir, minhas amigas.
Porque, convenhamos, não é difícil. Vamos fazer troça de quem se põe a escrever sobre o que não sabe, que acha divertido tratar mulheres como objetos, vamos rir de quem acha que estar sozinho é culpa do mundo. É culpa sua, querida leitora, que tem opinião própria e ousa escolher com quem quer se relacionar? Eu não sei vocês. Pelo pouco que entendo de relacionamentos, arrogância palpiteira nunca fez muito sucesso, independentemente do quão “cabeça” é o seu papo.
Mas como o objetivo da vida das mulheres – e, principalmente, das mulheres feministas, que são orgulhosamente donas de seus corpos – não é agradar aos homens, apenas dê risada. Dos machistinhas, dos reacionários, dos liberais. E continue beijando na boca só quem você quer beijar, independente do gênero. Beije quem te respeita e te reconhece como um ser humano igual. Pode não estar fácil, mas basta olhar para a direita e saber que tem gente passando muito pior.
Eu sei, esse texto está um pouco diferente dos habituais e eu não sei muito bem o que é papo-cabeça. Em geral escrevo sobre política – e os relacionamentos também são políticos. É que hoje, assim como em todos os dias da minha vida, acordei numa vibe meio feminista. Sorry.
Fhoutine Marie* – professora universitária e doutoranda em Ciência Política