RESOLUÇÃO DA SMAD/PT SOBRE MUDANÇA DO CLIMA
0 socialismo petista ou será radicalmente democrático e sustentável, ou não será socialismo. (Resolução do III Congresso do PT, setembro de 2007)
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Do posicionamento partidário
1.A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT (SMAD) manifesta seu entendimento de que vivemos uma crise ecológica global que ameaça as condições de vida na Terra. No epicentro desta crise está o aquecimento global por ação humana em função do modo de produção e consumo dominante que promove mudanças climáticas. Avalia que a superação de uma crise de tal dimensão não será possível pelas forças do mercado e tampouco pela mercantilização dos serviços ambientais. Por isto defende a transição do atual para um novo modo de produção e consumo querespeiteo meio ambiente e assegure condições de vida digna para todas as comunidades, povos e nações, identificado como socialista democrático e sustentável.
2. A SMAD, como definiu o PT em seu III Congresso em 2007, entende que a construção de uma alternativa sistêmica “depende da vontade livre dos cidadãos e cidadãs, cuja realização se alicerça em uma nova hegemonia na sociedade e no Estado. Para construir essa nova hegemonia é fundamental incorporar o conceito da sustentabilidade forjado nas lutas e experiências práticas socio-ambientais, anunciadoras da utopia da sociedade socialista democrática e sustentável.”
3. Dentro de uma estratégia de transformação que associe ações via Estado e ações via Sociedade o PT, em sua resolução do V Congresso, de 2015, propõe “políticas ambientais que reduzam os danos deste modo de produzir e consumir dominante”, dentre as quais a “redução de emissões de gases efeito estufa, estabelecendo metas de médio e longo prazos para evitar o aumento da temperatura média da terra superior a 2 graus centígrados”, em relação à da era pré-industrial (século XVIII).
4. O caminho é longo e comporta estratégias de ganhos progressivos, como aconteceu no Rio de Janeiro em 1992, quando foi assinada a Convenção Quadro sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) que colocou o tema na agenda política internacional e definiu o objetivo de estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera num nível adequado; em Kyoto, em 1997, com a assinatura do Protocolo de Kyoto, que clarificou o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas e estabeleceu cotas de redução de emissões para os países que têm responsabilidades históricas no acúmulo de emissões de gases do efeito estufa (GEE); e agora, em Paris neste2015, quando se oferece a oportunidade de um acordo global de longo prazo para enfrentar o tema até o final do século.
Da emergência e da oportunidade
5. Todos estes avanços envolvem estados nacionais e entidades supranacionais, mas não seriam possíveis sem um forte incremento da consciência ambientalista global, graças à mobilização e luta de milhões de pessoas e milhares de organizações não governamentais, nas ruas e na rede mundial de computadores, e o trabalho de pesquisa e divulgação por pesquisadores e cientistas do mundo inteiro, cujo principal instrumento tem sido o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima organizado pela ONU (IPCC, sigla em inglês). Os céticos e os negacionistas do aquecimento global por ação antrópica foram derrotados, países importantes emissores de GEE como os Estados Unidos e a China mudaram suas posições, justificando a expectativa positiva em relação a COP 21, em Paris.
6. Convencida da emergência da crise da mudança do clima e da oportunidade criada pela COP 21, a SMAD defende a celebração de um instrumento jurídico internacional com metas globais claras e metas nacionais adequadas ao princípio das responsabilidades comuns e diferenciadas e às respectivas capacidades dos países assumirem suas contribuições. Este acordo específico para enfrentar as mudanças climáticas deve ser celebrado de tal forma que se acautele explicitamente contra eventual tentativa de usá-lo como forma de perpetuar as assimetrias de poder econômico, político e tecnológico existentes em favor dos países desenvolvidos e menos ainda como instrumento jurídico e político para tolher as possibilidades de desenvolvimento dos países mais pobres.
Do problema global: aquecimento avança
7. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas em V Relatório, em 2014, (IPCC, sigla em inglês) aponta: a) elevação da concentração de GEE na atmosfera de 280 ppm em 1800 a quase 400 ppm em 2012; b) a elevação da temperatura média da terra em 0,85ºC entre 1880 e 2012; c) alterações climáticas já registradas: elevação no nível dos oceanos de 19 cm entre 1901 e 2010; degelo acelerado, especialmente no Ártico; alteração no regime de chuvas, padrão de ventos e correntes marinhas. E identifica a causa: “até 78% do CO2 provém da queima de combustíveis fósseis e usos industriais”.
8. A medida global mais poderosa já construída foi o Protocolo de Kyoto, em 1997, mas só efetivada em 2005. Parcialmente implementada porque países desenvolvidos como os Estados Unidos não assumiram suas responsabilidades, e por isto mesmo não conseguiu barrar a elevação das emissões globais de GEE, que no período de 2000 a 2010 alcançou um aumento médio anual de 1,0 gigatonelada de CO2eq contra a média anual de 0,4 gigatonelada de Coe2eq no período entre 1970 e 2000 (IPCC, V Relatório). Diante deste fato, o IPCC alerta que, a continuar esta tendência, em 2100 se chegará a uma temperatura média entre 3,7ºC e 4,8ºC superior em relação à média dos tempos pré-industriais. E identifica esseaquecimento como grave ameaça às condições atuais de vida. Para que não se chegue a este ponto e se limite a elevação da temperatura média a menos de 2ºC o IPCC propõe: redução de 40% a 70% das emissões de GEE até 2050 e zerar as emissões de 2050 até 2100.
9. Ante tal ameaça, a COP 15 de Copenhagen, em 2009, foi o limite da inconsequência dos Estados e suas estruturas internacionais. E desde então pouco se avançou.
10. O “Chamamento de Lima para a Ação sobre o Clima”, também conhecido como “Rascunho Zero”, foi o produto possível alcançado durante a COP 20, em Lima, Peru. O “Rascunho Zero” sinaliza para um acordo/tratado legal a ser assinado na COP 21 em Paris, em 2015. Quão ambicioso será este acordo dependerá de muita luta e negociação. O que o “Rascunho Zero” estabelece é preocupante por que: a) não dá o devido valor às responsabilidades comuns mas diferenciadas (particularmente as responsabilidades dos maiores emissores históricos e a não responsabilidade dos países que nada ou quase nada contribuíram para elevação da concentração de CO2eq na atmosfera); b) introduz o conceito de compromisso nacional via Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC, sigla em inglês) pela qual o pais (parte) se comprometeria a promover mitigação – segundo sua auto declaração; sem precisar sua relação com metas globais de mitigação; e sem obrigatoriedade de se promover adaptação; c) aparentemente tenta impor metas de mitigação para todos os países do mundo, negando o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, o que nega o espírito e a letra do Protocolo de Kyoto; d) não define claramente a responsabilidade dos países mais ricos em relação ao financiamento aos países mais pobres e nem à transferência de tecnologias modernas não poluentes, para conseguirem implementar medidas de adaptação.
Do Brasil: avanços e limites
11. O Brasil tem sido parte ativa no debate sobre mudança de clima: país megadiverso, com abundância de florestas e água doce, responsabilidades históricas de emissões de CO2 reduzidas (dada sua industrialização recente e limitada), além do seu passado colonial e não colonialista, por isto não incluído entre os países do Anexo I do Protocolo de Kyoto com compromissos obrigatórios de redução das suas emissões.
12. Diante do impasse em Copenhagen, em 2009, assumiu compromisso voluntário perante a ONU de diminuir suas emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020, inscrito na Lei 12.187/2009, que criou a Polícia Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC). O sucesso da PNMC se credita à eficácia do Plano de Ação para Preservação e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), uma vez que a redução das emissões totais de GEE foram determinadas pela redução das emissões de GEE no Uso da Terra e Florestas (que caíram de 1.167.917 ton CO2 eq em 2005 para 279.165 ton CO2 eq em 2010, e baixou sua participação relativa de 74% do total em 1995 para 63% em 2000, 57% em 2005 e 22% em 2010). A redução total de emissões é uma conquista importante que qualifica o Brasil como protagonista no cenário internacional. O fato desta redução ter sido proporcionado exclusivamente pela redução das emissões do setor Uso do Solo e Florestas mostra o seu limite, sem menosprezar o fato de que os serviços ambientais das florestas preservadas excedem em muito o ciclo de carbono.
13. Entretanto, se por um lado o Uso da Terra e Florestas reduziu sua participação nas emissões brutas totais de 57% em 2005 para 22% em 2010; por outro lado a Agropecuária subiu de 20% para 35%; a Energia, de 16% para 32%; Resíduos, de 2% para 4%; e Indústria, de 4% para 7%.
14. As tendências mais recentes estão dadas: no setor Uso da Terra e Florestas a taxa de desmatamento tem registrado média anual de 5.478 km2 noperíodo de 2011 a2014, sendo a taxade 2014 de5.012 km2 – com igual tendência de emissões de GEE. Esses resultados desmentem expectativas pessimistas, mas sugerem dificuldade de continuidade da redução com o padrão atual de controle e fiscalização.
15. A posição do Brasil a ser levada à COP 21 ainda não foi explicitada, mas se pode observar posições de princípio adequadas na declaração conjunta emitida pela Presidente Dilma e a Primeira Ministra da Alemanha, quando apoiam fortemente a adoção, em Paris, de um acordo ambicioso, duradouro, abrangente e juridicamente vinculante. Explicitam o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas; o respeito às diferentes circunstâncias nacionais e a adesão do Brasil ao objetivo global de balanço zero de carbono em 2100. Sem dúvida, um avanço em relação ao Rascunho Zero, da COP 20, de Lima.
16. Por outro lado, o governo brasileiro anuncia metas tímidas, como reduzir a zero o desmatamento ilegal até 2030; e reflorestamento de 12 milhões de hectares de áreas desmatadas em um setor que pode e deve contribuir mais para uma Contribuição Nacionalmente Determinada ambiciosa, à altura dos desafios já identificados.
Das sugestões da SMAD sobre um acordo global
17. A SMAD defende a celebração de um acordo global cujo objetivo central seja atingir a meta em 2100 de uma temperatura média do planeta com elevação menor que 2º C em relação à dos tempos pré-industriais; com fixação de metas de redução das emissões de GEE compatíveis com este objetivo, devendo para isto definir metas intermediárias, como sugere o IPCC e se discute na COP 21.
18. Este acordo global deverá estar assentado nos seguintes princípios:
a) juridicamente vinculante que não sobreponha nem substitua normas comerciais no âmbito da OMC e outras instituições internacionais; b) responsabilidades comuns, porém diferenciadas, definindo metas obrigatórias de redução das emissões dos países desenvolvidos; e metas não obrigatórias ou simbólicas para a grande maioria dos países não desenvolvidos ou em desenvolvimento, exceto os que passaram à condição de grandes emissores contemporâneos; c) obrigações nacionais de mitigação que levem em conta as capacidades dos respectivos países (que a elas estiverem obrigados); d) obrigações dos países mais ricos de prover um fundo de adaptação aos países mais pobres: e) obrigação de transferência de tecnologias modernas não poluentes de países detentores para os não detentores mais pobres; f) que incorpore de maneira adequada as Declarações Nacionais Determinadas (INDC, siga em inglês), dos países que deverão assumir metas obrigatórias de mitigação, proporcionalmente às suas contribuições de emissões, compatibilizando datas de início e final dos períodos, para se atingir o objetivo global acordado; g) que sejam reconhecidos, para efeito do cálculo das metas de emissão, mecanismos de compensação (por acréscimo de absorção de CO2, internamente aos respectivos países).
Das sugestões da SMAD para a Declaração Nacionalmente Determinada do Brasil
19. A SMAD entende que o Brasil, na COP 21, deve defender um acordo global com efeito jurídico vinculante com as caraterísticas, condições e princípios acima anunciadas (itens 17 e 18), a partir dos quais o Brasil deveria assinar e assumir compromissos de redução de suas emissões totais.
20. O Brasil deve assumir compromissos nacionais nos termos de uma Declaração Nacionalmente Determinada com objetivos e metas de mitigação para o período de 2020 a 2050, como aconselha o IPCC, ou de 2020 a 2030 ou 2035, como se discute nas preliminares da COP 21, condicionadas à consumação do acordo global. Antes, contudo, deve cumprir a meta não obrigatória por acordo internacional de redução das emissões totais entre 36,1% e 38,9% até 2020, como já vem cumprindo via Política Nacional de Mudanças Climáticas, o que lhe credencia defender a adequação das metas definidas em Declarações Nacionais pelos países desenvolvidos e países grandes emissores da atualidade às suas respectivas responsabilidades, em relação às metas do acordo global.
21. A SMAD defende que alcançado ou não um acordo global na COP 21, em Paris, que o Brasil discuta e defina um novo período para sua Política Nacional de Mudanças Climáticas, que vá além da definição e cumprimento de metas quantitativas de redução de emissões de GEE, mas também para induzir mudanças no padrão de desenvolvimento, dentre as quais:
a) reduzir a níveis residuais o desmatamento ilegal até 2022, o que exigirá um novo pacto de atuação conjunta do governo federal com os governos estaduais para o combate ao desmatamento ilegal, com ênfase na Amazônia, mas, também, nos Cerrados, e com maior protagonismo dos organismos federais de controle, IBAMA, ICMBIO, FUNAI;
b) zerar a perda de cobertura florestal até 2030. Os casos de exceção por interesse social ou publico devem ser compensados em termos de reflorestamento e sequestro de carbono.
c) estabelecer metas plausíveis que invertam a tendência de crescimento das emissões de GEE do setor Energia, a curto prazo com a redução de uso das usinas termelétricas e a longo prazo, até 2030, investimento em geração em usinas eólicas, solares e biomassa até atingir 40% do total;
d) estabelecer metas de redução de emissões de GEE para o setor Agropecuária compatíveis com o objetivo da neutralidade do balanço de carbono em 2050. É necessário políticas que desestimulem a expansão horizontal (extensiva e predatória) do subsetor pecuária bovina de corte, principal contribuinte histórico das emissões brasileiras e responsável pela degradação de cerca de 100 milhões de hectares de pastagens cultivadas; para tanto, entendemos necessário priorizar ganhos de produtividade e tornar efetivos programas como o daAgricultura deBaixa Emissão de Carbono (ABC) e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, incluindo a recuperação das pastagens e dos solos degradados.
e) usar incentivo/desincentivo para elevar a participação do etanol na frota flex até 60%; assim como o incentivo a elevar para 20% a participação do biodiesel em mistura ao óleo diesel (B20) até 2030.
f) uso de política tributária para incentivar o consumo de produtos e serviços de baixa intensidade de carbono.
g) promover a transição agroecológica, para reduzir as emissões de GEE do setor agricultura.
h) incentivar a agroecologia camponesa para potenciar a contribuição já positiva da agricultura camponesa não somente à Segurança Alimentar mas a efetivação de uma agricultura de baixo carbono.
i) estabelecer uma Política Urbana que aproxime o local de moradia ao local de trabalho, viabilize a mobilidade por transporte coletivo de boa qualidade e de baixa emissões de CO2, estabeleça áreas verdes, acesso à agua potável e condições dignas de moradia.
j) que se efetive em toda sua extensão e integralidade a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei nº 12.305 de 02/08/2010, para erradicar os lixões de resíduos sólidos, importante não apenas para redução de emissões, mas para a saúde pública.
22. Concluir e implementar o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima, como determina o PPA 2012-2015; e torna-lo efetivo a partir de 2016; com especial ênfase à proteção de ecossistemas mais vulneráveis e segmentos sociais potencialmente mais expostos. Como disse o Papa Francisco em sua carta encíclica Laudato Si’: “… não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.”
23. Compreende a SMAD que a experiência da Política Nacional de Mudanças Climáticas trouxe ensinamentos valiosos. Do ponto de vista positivo revelou que o Estado, com apoio da sociedade, é capaz de formalizar um plano, estabelecer metas e desenvolver capacidade para efetiva-las. Das suas limitações ressaltem-se a baixa potência do seu efeito multiplicador, fundamental para as próximas etapas, em termos daintegração horizontal de agências governamentais federais e daintegração vertical entre agências federais, estaduais e municipais; a limitada participação da sociedade civil organizada, fundamental para sua credibilidade e continuidade; e finalmente a insuficiente disputa da opinião pública nacional.
24. Esta política de enfrentamento das mudanças climáticas desta grandeza, com pretensões de mudar o padrão de produção e consumo, só terá sucesso se praticada em sinergia com outras políticas públicas, ambientais, educacionais, culturais, econômicas, tributárias e orçamentárias; e principalmente um novo padrão, mais efetivo e mais amplo de participação e controle popular.
Brasília, setembro de 2015.
Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores