Secretaria Municipal de Combate ao Racismo do PT/Carioca debate lei que trata de injúria racial
Nova lei sancionada (14.532/2023) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 11 de janeiro deste ano que tipifica a injúria racial como crime de racismo
Publicado em
A Secretaria Municipal de Combate ao Racismo do PT/Carioca, realizou na última sexta-feira (28), no auditório da sede do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, um debate sobre a nova lei sancionada (14.532/2023) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 11 de janeiro deste ano que tipifica a injúria racial como crime de racismo. O evento foi organizado pela Comissão Municipal de Combate ao Racismo do PT carioca.
“Estamos iniciando um ciclo de palestras de combate ao racismo. É importante que todos, nas escolas, na sociedade tomem ciência dessa nova Lei”, explicou o secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT e do PT Carioca (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), Almir Aguiar. O sindicalista citou o caso de Vinicius Junior, que sofreu 11 ataques racistas na Espanha e criticou a fala racista do senador Magno Malta (PL-ES) sobre o caso, que resultou num pedido de cassação feito pelo PSOL e Rede e que foi aceito pelo presidente da casa legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A PGR (Procuradoria Geral da República) também pediu investigação sobre o discurso racista. Em relação às ofensas de “macaco” sofridas por Vini Jr. no estádio do Valencia no domingo (21), Malta disse que “os defensores da causa animal têm que defender o macaco”.
“O racismo é uma luta constante que a gente precisa debater com a sociedade”, acrescentou Almir, que criticou ainda o fato de o racismo ter acentuado nos últimos quatro anos, referindo-se ao governo anterior.
Consciência antirracista
O vereador petista Edson Santos disse que a elite brasileira jamais se sensibilizou com a questão do combate ao racismo e lembrou que a pratica no esporte é antiga.
“Pelé viveu um tempo em que prevalecia a chamada ‘democracia racial’, em que se usava a expressão ‘negro de alma branca. No filme ‘Isto é Pelé’, os argentinos xingaram e chamaram Pelé de ‘macaquito’ do Brasil”. Ele respondeu fazendo 3 gols, calou a torcida no estádio e saiu aplaudido, mas o episódio não causou comoção. Quanto mais atacavam, mas ele jogava bola”, relatou.
Santos disse que hoje as coisas mudaram porque “existe uma consciência antirracista”, que não havia naquela época.
“Este país sempre foi racista. O mito da democracia racial dominou o pensamento e só a aprtir dos anos 1970 é que começa a cair essa mitificação”, acrescentou Santos. .
Pressão contra o racismo
O vereador destacou a importância da Constituinte de 1988 como importante para a luta da igualdade racial, estabelecendo o racismo como crime e reconhecendo a desigualdade no Brasil, colocando o papel do estado brasileiro à serviço da igualdade, independentemente a cor, credo ou gênero. Lembrou ainda de Carlos Alberto Oliveira, o Caó, do PDT, que criou a Lei que estabeleceu o racismo como crime e penalidades para os criminosos (7.437/85).
“Houve um caso em São Conrado, área nobre da Zona Sul do Rio, em que o negro, vítima de racismo, acabou sendo presoa e o criminoso ficou livre”, relatou, explicando que há um “processo de fragilização da denúncia”.
“Hoje nó temos a nova lei que tipifica a injúria como crime de racismo. Isso mostra que nos negros estamos cada vez mais ousados e, por outro lado, há uma reação de incômodo dos racistas”.
“É preciso construir um movimento de fraternidade, solidariedade, contra qualquer crime de racismo. Mexeu com um, mexeu com todos, temos que irmos para a cima. Se uma massa de negros vai para a rua e faz uma pressão o estado tem que ter uma ação mais proativa nestes casos. A gente precisa se apropriar da Lei e utilizá-la como arma na luta contra o racismo. Só assim vamos ver os racistas na cadeia, o que vai inibir o crime”, concluiu Edson Santos.
Judiciário: capitania do mato
O desembargador Siro Darlan esquentou o debate ao dizer que “não acredita na pena de privação de liberdade. “Até porque a aristocracia brasileira usa este instrumento, que é a privação da dignidade, para prender os negros, O poder judiciário brasileiro é um instrumento da capitania do mato. Mais de 70% dos 900 mil presos no Brasil são negros e pardos. O poder judiciário brasileiro é um instrumento da capitania do mato. Do que adianta punir com cadeia o preconceito contra LGBTQI+, contra negros?”, questionou o magistrado.
Darlan explicou que no passado “era olho por olho, dente por dente, matou, morre, roubou corta o braço” e que a privação da liberdade, num determinado momento foi um avanço. Ele disse ainda que fez o percurso da chamada Pequena África”, no Centro do Rio.
“Quem não conhece o lugar, comete o pecado da ignorância. Percorrer a prainha, onde está uma escultura da primeira bailarina negra, Mercedes Batista, cercada de pares de samba e ritmos. E subimos o Morro da Conceição, o nascedouro do samba, temos restaurantes africanos e descemos para o Cais do Valongo até o Instituto Pretos Novos, uma maravilha de centro cultural. Quem ainda não foi ao local não conhece o sofrimento dos irmãos negros neste país”, relatou. .
Caso Vini Jr
Darlan elogiou a postura de indignação de Vinicius Junior contra os ataques racistas. “O Pelé, nosso rei sagrado do futebol, não teve a coragem de usar o seu reinado para combater o racismo. O Vinicius teve e foi com dedo em riste denunciando os ataques racistas e acabou expulso por um juiz também racista. “Hoje ele é a personalidade esportiva mais importante do Planeta”. Elogiou.
O desembargador também criticou a reação do senador Magno Malta: que se diz “terrivelmente evangélico” e, segundo Darlan, “ usa a Palavra de Deus para ofender os irmãos.
“Tudo quanto fizeres a um dos meus pequeninos irmãos, a mim os fizestes”, , citou o texto do Evangelho em Mateus 25:40, para dizer o “pastor Malta não conhece a sagrada escritura ou somente quando lhe favorece, “que ensina como açoitar os negros”.
Crianças excluídas
O magistrado acredita que a nova Lei criada aumenta a penalidade. “Mas o o que isso vai mudar?”, questionou.
“Fui juiz da infância e juventude por 15 anos. Meu objetivo era dar vida ao estatuto da criança e essa sociedade maltratando, discriminado e abusando elas. As crianças continuam desprotegidas. A Constituição Federal diz que ela tem direito à educação de qualidade, mas não tem.
“Aqui no Rio houve uma tentativa com os Cieps, feitos por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, mas destruído pelos racistas, que nos querem escravos da ignorância. Esta é a escravidão moderna”, afirmou, lembrando que o Brasil tem “32 milhões de pessoas na fome e miséria e crianças fora da escola, avaliando se o projeto da escola integral tivesse sido levado adiante, teríamos hoje uma geração não escravizada pela ignorância, pela criminalidade. A pena não muda a realidade, o que vai mudar é a nossa luta permanente”, opinou.
Citou como exemplo de luta a reação popular de negros e negras ao brutal assassinato à pauladas do jovem negro congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, na Barra da Tijuca, em janeiro do ano passado.
“Eu vi a população na rua resistindo. O que muda é esse tipo de atuação, ir na porta do Ministério Público, do judiciário brasileiro, que também é racista”, acusou, sendo muito aplaudido pela plateia. .
Racismo estrutural
Siro Darlan disse que fez um curso de especialização na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, em Brasília, em sistema penitenciário e falou de sua tese que mostra como “o racismo estrutural causa o superencarceramento no Brasil”.
“Não há negros no judiciário, no Ministério Público. Onde estão os negros? Na cadeia, na criminalidade, porque não houve a abolição da escravidão no Brasil, houve somente um decreto”, explicou, destacando que, antes da Lei Áurea, o Império baixou um decreto para que todas as crianças tivessem acesso à escola, menos as negras e outro distribuindo terras, também excluindo os negros. Disse também que uma lei na época proibiu o “pito” (maconha), que era uma recreação, como hoje as pessoas são viciadas no tabaco e no álcool.
“O ‘pito’ foi proibido porque era usado predominantemente pelos afrodescendentes, assim como proibiram a capoeira e o samba, que eram considerados crimes”, explicou, mostrando que “toda a criminalização da legislação vem para a exclusão do povo negro”.
“E o capitão do mato que executa as leis são os juízes”, acusou, revelando que o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fez um levantamento mostrando o perfil da magistratura brasileira: homem, branco, conservador como a aristocracia, de classe alta e católico.
“Há apenas 11% de negros e pardos na magistratura”, denunciou.
Afirmou que denunciou o fato de o presidente do Tribunal ter decidido dar R$5 mil por mês para educação escolar de cada filho de juiz, valor que financiaria em escola pública, umas 50 crianças. “Iisso acontece aqui no Rio de Janeiro, com o dinheiro de vocês, por isso as custas judiciais são tão caras”, ressaltou, defendendo eleição popular para juiz, como acontece em alguns países, como nos EUA.
“Se a abolição tivesse de fato existida na pratica, os negros não estariam morando em favelas, não estariam na cadeias”.
Darlan criticou o fato de o preso no Brasil não poder levar sequer um livro para ler na cela, “É porque o livro é perigoso, faz o preso viajar, lendo ele vai além das grades e a aristocracia não quer que saímos da ignorância, da escravidão”.
Considerou a nova Lei sancionada por Lula um avanço, uma carta de princípios, como a carta das Nações Unidas dos Direitos Humanos, mas que não soluciona o problema.
“Temos que trabalhar sem esse foco do aprisionamento”, acrescentou. “Não estou defendendo a impunidade, mas podemos punir sem a privação da dignidade. A lei de execução penal determina que cada pessoa tem que ter pelo menos quatro metros quadrados. Estão colocando 100 pessoas neste espaço, sem banho, sem comida, que é uma lavagem. E quem é culpado? Somos nós juízes, que assinamos a prisão. E para sair os juízes assinam? Assinam nada: 40% dos presos não têm sentença, não transitou em julgado, tem a presunção de inocência”, declarou lembrando dos 500 dias de Lula na cadeia, sem que ele fosse condenado, o que foi anulado pelo STF (Supremo Tribunal Feeral) e aproveitou para criticar o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro, o acusando de “incompetente e de combinar a prisão de Lula com o MP”, além de “representar interesses de empresas estrangeiras”.
“O racismo estrutural está incrustado na cultura do povo branco, colonizador, que não se conforma com a abolição e quer manter a escravidão de outras formas”, disse, defendendo uma reparação histórica para a população negra, que é garantir cidadania plena e não uma “indenização”, lembrando dos africanos que vieram nos navios ‘tumbeiros’ – e não ‘negreiros’ – pois eles viajavam em tumbas dos navios e muitos sequer chegaram no Brasil: 30% dos que saíram da África não chegaram ao continente brasileiro e outros 20% morreram aqui no Brasil.
“Os negros eram contabilizados pelos traficantes, que com as mortes perdiam dinheiro com seus ‘produtos’. Essa cultura, essa escravidão não acabou”, explicou.
Guerra é contra os pobres
Siro disse ainda que o “legislador conservador e colonizador é criativo” e que hoje “a ferramenta de aprisionamento do pobre e negro chama-se ‘guerra do trafico de drogas”, quando dados do SUS – Sistema Único de Saúde – a droga que mais mata é o álcool e também a que mais provoca violência doméstica, segundo os institutos de defesa das mulheres. .
“As pessoas por falta de empregabilidade acabam vendendo drogas que o legislador decidiu chamar de ‘ilícita’. A guerra não é contra as drogas nas favelas, é contra os pobres, contra os negros”, denunciou, considerando o determinante não é “uma família mais bem formada”, que ajuda, mas sim a fome e a necessidade de sobrevivência.
“Podemos ficar felizes com essa mudança da lei, mas o que vai mudar o quadro é nossa resistência, nossa resiliência e isso é cultural, não se derrota com arma e nem com cadeia, mas com uso da mente, do amor, da compreensão. Pena com privação da liberdade e defender mais prisão é defender mais exclusão social. A solução está nas nossas mãos, nas nossa união. A lei traz uma sinalização boa que possa inibir os racistas, mas não é a solução”, disse, defendendo também que negros e negras bem sucedidos social e economicamente ajudem os demais irmãos a crescerem também, propondo um fundo para formação dos jovens a fim de terem acesso à magistratura, ao MP e a política.
“Não basta ser negro na cor da pele, mas é preciso ter consciência da igualdade para todos os seres humanos”, concluiu, lembrando que o então presidente dos EUA, negro, que ao ascender ao estado mais poderoso do mundo, pouco fez pelos irmãos de raça e pela paz no mundo, mantendo cinco guerra a nações empobrecidas porque interessava ao império americano massacrar esses povos.
Carlos Vasconcellos / Imprensa SEEB-Rio