Bolsa Família chega aos 11 anos como referência mundial de distribuição de renda
Atualmente, 50 milhões de pessoas são beneficiadas pelo programa criado pelo PT e copiado em todo o mundo
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O trabalho árduo na roça sempre fez parte da vida da agricultora Sônia de Lurdes Nascimento Sobreira, 45anos. Na luta contra a fome e o desemprego, ao lado do marido e dos quatro filhos, ela teve a vida transformada, em 2003, quando se tornou beneficiária do programa Bolsa Família. A moradora da zona rural de São Sebastião da Lagoa da Roça, no interior da Paraíba, integra o grupo de 50 milhões de brasileiros assistidos pela iniciativa que completa 11 anos de existência, nesta segunda-feira (20).
Casada há 22 anos com o também agricultor Clodoaldo Olimpo Sobreira, Sônia recorda a labuta exaustiva do casal no dia a dia. Ambos estudaram até a quarta série do ensino fundamental e sonham com um futuro melhor para os filhos, atualmente, com 4, 6, 16 e 20 anos de idade, respectivamente.A mudança de vida teve início há 11 anos, quando Sônia soube pela televisão do programa Bolsa Família e começou a acessar o benefício. O recurso do programa tem ajudado na compra de alimentos, roupas, transporte e material escolar para os filhos.
“Antes, a gente não tinha oportunidade de nada. Meu sonho é ver meus filhos estudando e bem de vida, com emprego, para não sofrer tanto como a gente sofreu”, afirma. E este sonho está se tornando realidade. A filha mais velha dos agricultores, Dayane Nascimento Sobreira, será a primeira pessoa da família a concluir o ensino superior.
Por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), a jovem ingressou na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde se formará em História no final do ano e fará pós-graduação. “Hoje, o filho do pobre consegue ser doutor. Meu maior sonho é ter um diploma de doutorado e ser professora em uma instituição federal. Quero contribuir para um país melhor”, conta a estudante.
Retomada da esperança – Realidades como a da família de Sônia foram registradas de perto pelo cineasta Sérgio Machado. Ele dirigiu o filme “Cidade Baixa” e participou da produção, entre 1996 e 2001, de outros como “Central do Brasil” e “Abril Despedaçado”, de Walter Sales. Em 2012, junto ao diretor Fernando Coimbra, Machado iniciou a produção do documentário “Aqui deste Lugar”, sobre os brasileiros e brasileiras beneficiados pelo programa Bolsa Família. A obra tem lançamento previsto para o início de 2015.
Segundo o cineasta, fome, miséria, estradas esburacadas, crianças pedindo esmolas, falta de água e energia elétrica, integravam o cenário desolador das regiões do Nordeste visitadas por ele, em meados da década de 1990. “A sensação era de estar entrando num túnel do tempo, de estar andando um século para trás. Em alguns lugares, as pessoas não sabiam nem o que era um aparelho de televisão e quem era o presidente”, recorda.
Em 2012, com o intuito de gravar o novo filme, o cineasta visitou as mesmas regiões nordestinas e teve grandes surpresas: as casas possuíam energia elétrica, não havia fome, muitas pessoas contavam com eletrodomésticos, internet, aparelhos de telefone e celulares. Naquele momento, Machado decidiu iniciar o documentário “Aqui deste Lugar”. Viajou desde a floresta Amazônica até a fronteira do Rio Grande do Sul para saber se as mudanças eram semelhantes em todas as regiões brasileiras.
Foram realizadas centenas de entrevistas com beneficiários do programa e uma das constatações de Machado foi a quebra do ciclo geracional de pobreza nas famílias. “Não é como antes, em que a filha de uma empregada doméstica era praticamente destinada a ser empregada doméstica. Hoje ela tem perspectiva e possibilidade de sonhar com um futuro melhor”, comenta.
Novos horizontes – Este é o caso de Analice Oliveira Souza, 46 anos, beneficiária do Bolsa Família, de 2003 a 2008. Antes de receber o benefício, a moradora de São Vicente (SP) enfrentava longas jornadas de trabalho como empregada doméstica para sustentar a família, composta por três filhos e o marido, Rosalvo da Conceição Souza, então desempregado.
O recurso, pago no final do mês, a auxiliava na compra de alimentos para a casa, além de material e transporte escolar para os filhos. Com o programa, Analice passou a vislumbrar um futuro melhor para os filhos e para si mesma. “Eu chamei minhas filhas e disse: eu passei a minha vida trabalhando como empregada doméstica e não quero vocês trabalhando assim, eu quero vocês doutoras”, relembra.
Por problemas de saúde, atualmente Analice tem se dedicado apenas ao lar. O marido trabalha como ajudante de pedreiro. Os filhos estão empregados ou estudando. Ricardo, 23, trabalha na Petrobras; Vanessa, 20, cursa a faculdade de Direito financiada pelo Fies, na Unicamp; e Vitória, 18, ingressou, pelo Sisu, na Universidade Federal de Santos, onde cursa Fisioterapia.
As mudanças vivenciadas pela família e a melhoria na condição econômica ajudaram a realizar reformas na antiga casa de madeira onde viviam, que sofria inundações nos tempos de chuva. Além de ver os filhos encaminhados e empregados, Analice também quer realizar, no início de 2015, um sonho individual: voltar a estudar.
Revolução feminina – Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 93% dos titulares do cartão do programa são mulheres. Para a pesquisadora e socióloga, Walquiria Domingues Leão Rêgo, isso deu a elas mais independência no núcleo familiar e na sociedade. Em conjunto com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, Walquiria escreveu o livro Vozes do Bolsa Família – Autonomia, dinheiro e cidadania, lançado em 2013.
A publicação abrange um trabalho de pesquisa realizado entre os anos de 2006 e 2011, nas regiões do sertão de Alagoas, periferia de Recife, além dos estados do Maranhão, Piauí e no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Das mais de 300 entrevistas realizadas com beneficiárias do programa, 150 foram utilizadas no livro, que concorreu, neste ano, ao Prêmio Jabuti, o mais importante do meio literário brasileiro.
“Foi impressionante como as beneficiárias ganharam um pouco mais de liberdade pessoal, dignidade e habilidades para administrar o recurso”, comenta a socióloga. Segundo ela, além de promover maior autonomia, o programa também ajudou a reduzir os índices de mortalidade infantil e contribuiu para o crescimento saudável das crianças assistidas.
Mãe e solteira, a dona de casa Andreia de Castro Reis, 31, é uma das milhões de mulheres que tiveram no programa o amparo necessário para sustentar os filhos. Atualmente, ela vive com a filha de 5 anos de idade, dois gêmeos de 11 meses e com a mãe, Efigênia Nunes, 56, em Teresina, no Piauí. Segundo ela, o benefício que recebe há dois anos é de grande ajuda para alimentar as crianças, pois, no momento, ela está desempregada.
“As pessoas que não usam o Bolsa Família acham que as mulheres só têm filhos para ter o benefício. Esse benefício não é para a gente, ele ajuda a suas crianças a terem coisas que você não pode dar”, comenta. Atualmente, Andreia sonha em conseguir um emprego, ver os filhos formados e ter uma casa própria.
Superação do preconceito – Desde que foi criado, o programa Bolsa Família e seus beneficiários enfrentam preconceitos e estereótipos. Para a pesquisadora Walquiria Leão, atitudes como essa são causadas por uma cultura do desprezo aos pobres no país. “Quando se estuda pobreza no Brasil não podemos nos esquecer de que houve 300 anos de escravidão impune na história e na memória. A escravidão criou hábitos, condutas, modos de pensar, de viver e de olhar os pobres, muito duros”, analisa.
Segundo ela, é necessário inverter este longo processo de exclusão de dominação, causa do tratamento degradante dispensado à população pobre brasileira. “Os múltiplos efeitos desse programa não podem ser amesquinhados ou vistos de maneira preconceituosa. O Bolsa Família foi uma grande experiência social que precisa ser rediscutida e complementada por outras políticas públicas”, afirma.
Durantes as viagens realizadas para a gravação do documentário “Aqui deste Lugar”, o cineasta Sérgio Machado constatou que os beneficiários da iniciativa não se acomodam por receber o dinheiro do Bolsa Família. “Está na cara que esse programa teve efeito e que é uma política de sucesso. Para mim, é bem claro que não existe acomodação, porque o dinheiro é o mínimo para as pessoas se alimentarem”, explica.
Para ele, muito além de garantir renda, o programa aumentou a autoestima da população. De acordo com o cineasta, essa e outras iniciativas de inclusão social e de promoção do acesso a bens e serviços precisam ser ainda mais ampliadas no país. “O programa Bolsa Família e outros como o Minha Casa, Minha Vida e Luz Para Todos, mudaram bastante a cara do Brasil. Falta muito para chegarmos ao país que a gente quer e merece, mas acho que já caminhamos bastante nesses últimos 12 anos e espero que, nos próximos 12 anos, a gente não volte para trás”, afirma.
Por Victoria Almeida, da Agência PT de Notícias.
Veja, abaixo, o trailler do filme de Sérgio Machado, produzido em 2013: