Brasil terá o pior desempenho entre as economias do G20 em 2022
Projeção do FMI evidencia a falta de credibilidade com que Bolsonaro e Guedes chegam a Roma nesta sexta-feira para a reunião do bloco de países
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Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes desembarcam em Roma nesta sexta-feira (29), para a Cúpula do G20, na condição de principais responsáveis pela transformação do Brasil em pária global. Bolsonaro, pela tragédia ambiental, socioeconômica, sanitária e diplomática. O “posto ipiranga”, como ex-czar de uma economia que anda para trás e terá o pior desempenho entre as integrantes do grupo em 2022.
A projeção, do Fundo Monetário Internacional (FMI), abre reportagem da agência britânica BBC distribuída mundo afora. O estudo prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer 5,2% neste ano e só 1,5% em 2022. Menor que o estimado para emergentes como Rússia (2,9%), Argentina (2,5%) e África do Sul (2,2%), e maior que o prenunciado pelo mercado financeiro: de 1,4% do Boletim Focus a até -0,5% do Itaú.
A estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) segue a mesma linha. O “clube dos países ricos” espera que o PIB do G20 recue de crescimento de 6,1% em 2021 para 4,8% em 2022. No Brasil, a desaceleração vai da alta de 5,2% em 2021 para 2,3% em 2022. O país ficaria à frente apenas do Japão (2,1%) e da Argentina (1,9%).
Inflação, juros e dólar em alta, somados ao “furo” do teto de gastos e ao clima eleitoral de 2022, diz a matéria, são os principais elementos da derrocada econômica brasileira. A esses componentes podem se juntar ainda outras “marcas” do desgoverno Bolsonaro, como as reveladas pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No trimestre encerrado em agosto, o mercado de trabalho brasileiro registrava 13,7 milhões de desempregados, 25,4 milhões de pessoas trabalhando por conta própria, 37,1 milhões sem carteira assinada, 31,1 milhões de subutilizados, 7,7 milhões de subocupados e 5,3 milhões de desalentados.
Em um quadro avançado de precarização do trabalho, dois terços das campanhas salariais de categorias com data-base em agosto tiveram reajuste abaixo da inflação acumulada, que já passa dos dois dígitos. Em consequência, a massa de salários em circulação, que despencou em 2020, sequer retomou o nível pré-pandemia.
Falta “motor de crescimento”
“Não tem nenhum motor de crescimento no Brasil”, constatou à BBC o coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Claudio Considera.
“O desemprego está enorme, a inflação está fazendo com que as famílias percam renda, isso diminui o consumo”, argumenta Considera. “O investimento também não tem nenhum estímulo, porque ninguém acredita que o Brasil vai crescer.”
Se não tem motor, sobram os freios do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que nesta quarta (27) elevou a taxa básica de juros (Selic) de 6,25% para 7,75% ao ano com alta de 1,5 ponto percentual. Coisa que não fazia desde o fim de 2002, quando Fernando Henrique Cardoso perdeu o controle sobre a inflação (12,25% no ano).
O “viés de alta” dos juros, que pode elevar a Selic a até 11%, preveem os analistas financeiros, além de não conter a inflação, jogará o país de vez em um cenário de estagflação – estagnação econômica com inflação e desemprego nas alturas.
“Com isso, as famílias que gostariam de tomar crédito para consumo não vão mais fazer isso. E essa alta de juros vai espantar os investimentos também, porque ninguém vai investir tendo que pagar juros elevados”, descreve o professor da FGV.
“É melhor colocar o dinheiro na compra de títulos da dívida e ganhar 10% a 12% de retorno sem os riscos do investimento produtivo”, conclui Considera, reproduzindo a lógica rotineira dos endinheirados nacionais.
Boa parte dessa derrocada em andamento se deve ao que o mercado financeiro batizou de “Custo Bolsonaro”. Este é o preço que o país paga por manter no Palácio do Planalto um sujeito absolutamente desqualificado para o cargo, com os impactos decorrentes da temeridade sobre o câmbio e a credibilidade do Estado como um todo.
“No Brasil, além de sofrer tudo que o mundo está sofrendo, nós temos uma taxa de câmbio super pressionada por causa das nossas incertezas, da nossa percepção de risco, que está subindo muito”, explica Margarida Gutierrez, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ).
“A nossa taxa de câmbio está absolutamente descolada do resto do mundo, e o câmbio mais desvalorizado gera pressões inflacionárias”, prossegue a professora. “Isso contamina as expectativas de inflação, e por isso nossa inflação é tão maior do que a de outros países”, conclui Gutierrez.
Bolsonaro: “pária”, “tóxico” e “vilão ambiental”
“Estamos entrando numa situação que eu não imaginava jamais que nós voltaríamos”, lamenta o economista da FGV, contrariando a nação imaginária de Paulo Guedes. “O Brasil é um país bem visto lá fora. As pessoas veem o que a gente está fazendo aqui. O Brasil vai crescer bem mais no ano que vem”, jurou o “posto Ipiranga” em coletiva com Bolsonaro, na última sexta-feira (22). Ninguém que estará na Cúpula do G20 acreditou.
Na vida real, o mundo passa por intensa desaceleração do crescimento, causado por pressões inflacionárias decorrentes do desarranjo de cadeias produtivas devido à pandemia. Para completar, há a perda de ritmo da economia chinesa, que vive uma crise energética e do setor imobiliário, com a insolvência da gigante Evergrande.
Durante as reuniões deste fim de semana, em meio a discussões sobre a criação de um tributo global sobre empresas multinacionais, os preços do petróleo, a crise energética e os gargalos logísticos e de fornecimento de insumos, a delegação brasileira é vista como “tóxica” pelos integrantes das delegações.
Além de Guedes, Bolsonaro levou a tiracolo os ministros Carlos França (Relações Exteriores) e Joaquim Leite (Meio Ambiente). Faltou apenas Marcelo Queiroga (Saúde) para completar os quatro cavaleiros do apocalipse brasileiro. Conforme outra reportagem da BBC, “os três telhados de vidro de Bolsonaro no G20” são economia, meio ambiente e pandemia.
“Não estamos mais falando daquele Brasil que assumia a liderança”, constatou um diplomata em conversa com o jornalista Jamil Chade, às vésperas de uma cúpula onde Bolsonaro conseguiu agendar apenas um encontro. Com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, anfitrião obrigado por protocolo a receber todos os convidados, enquanto o primeiro-ministro italiano governa.
Em contrapartida, ao menos três protestos estão programados para dar as “boas-vindas” ao mandatário brasileiro – um deles tachando-o de “vilão do clima”. “Se a diplomacia brasileira tenta romper com os anos do ex-chanceler Ernesto Araújo e voltar a adotar uma postura multilateral e construtiva, o país hoje esbarra em uma profunda desconfiança sobre Bolsonaro”, apontou Chade, ao comentar os esforços do Itamaraty para afastar a imagem de “pária global” já consolidada nos ambientes diplomáticos.
BBC, há 11 anos: “Lula é o superstar da política internacional”
Há 11 anos, em 27 dezembro de 2010, reportagem da mesma BBC sobre o legado diplomático do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacava o “superstar” na política internacional em que ele se tornara ao imprimir um tom “carismático e personalista” à política externa. Segundo a matéria, Lula contribuiu de forma decisiva para maior projeção do Brasil no cenário internacional, “apesar de alguns excessos”.
A avaliação dos entrevistados pela agência foi de que a história pessoal do presidente, que ascendeu da pobreza ao cargo máximo da política do país, aliada à sua capacidade de negociação, ajudaram a legitimar as reivindicações do Brasil nos principais debates mundiais.
“Em oito anos de governo, Lula foi frequentemente elogiado pela opinião pública internacional, que viu no líder brasileiro um ‘símbolo’ e ‘porta-voz’ das demandas dos países em desenvolvimento”, afirmou a reportagem. O principal ganho foi exatamente o fortalecimento do G20, que a partir de 2008, a partir da atuação de Lula, passou a dar mais voz aos países emergentes.
“Sem dúvida Lula foi um líder com altíssima aceitação na opinião pública mundial. E é natural que o país tenha se beneficiado disso”, afirmou o então o professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Amado Cervo. Para ele, o perfil “intuitivo” e “menos racional” de Lula, com seus discursos em prol da justiça e de defesa da negociação no lugar do confronto, fez dele uma “celebridade política” no circuito internacional.
Um dos principais legados do então presidente para a diplomacia, concluiu Cervo, foi a projeção econômica e comercial do país. Lula, disse, foi uma espécie de “garoto-propaganda” não apenas da economia brasileira, mas também das empresas. “Ele se responsabilizou por essa tarefa como ninguém e acho que a estratégia funcionou bem”, concluiu.
Em 11 anos, após o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff e a prisão de Lula quando ele liderava as pesquisas para as eleições de 2018, entregando a Presidência da República ao pior mandatário da história, resta ao Brasil a difícil, e longa, tarefa de se libertar do estigma de “pária global”.
Da Redação