Câmara aprova PDL que pune crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
Bancada do PT foi contra a matéria; extrema direita quer sustar a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
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No dia que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados da amostra do Censo 2022, sobre nupcialidade e estrutura familiar, que revelou que mais de 34 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos vivem em união conjugal no Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 3/2025).
A proposta de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) busca sustar os efeitos da Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre as diretrizes para o atendimento humanizado e prioritário de meninas vítimas de estupro na rede de saúde, buscando garantir a aplicação de direitos já existentes em lei.
A resolução garante atendimento humanizado e acesso ao aborto legal para meninas e adolescentes vítimas de violência sexual. A proposta aprovada na Câmara dificulta a interrupção legal da gestação, exigindo boletim de ocorrência e autorização judicial, medidas que revitimizam meninas e atrasam o atendimento.
Fundamental destacar que das 34 mil crianças que são forçadas a estarem em uma união, conforme revelou o IBGE, 77% são meninas. A maioria é formada por meninas negras e pobres, as mais vulnerabilizadas pela desigualdade estrutural.
O projeto apoiado por 317 deputados impede ainda que as meninas vítimas recebam informações sobre o direito ao aborto legal, e também que o Governo Federal realize campanhas contra o casamento infantil, entre adulto e criança. Fundamental também destacar que por se tratar de um PDL, caso a matéria seja aprovada no Senado, o presidente Lula não poderia vetá-lo.
O Ministério das Mulheres emitiu nota oficial condenando a aprovação. “O PDL, ao anular essa orientação, cria um vácuo que dificulta o acesso dessas vítimas ao atendimento e representa um retrocesso em sua proteção”, defende a pasta.
A necessidade das diretrizes do Conanda é uma resposta a um cenário alarmante. Entre 2013 e 2023, o Brasil registrou mais de 232 mil nascimentos de mães com até 14 anos, idade inferior à do consentimento, ou seja, são gestações infantis decorrente de estupro de vulnerável. Embora a lei garanta o aborto legal em casos de estupro, milhares de meninas são forçadas à maternidade anualmente. Em 2023, apenas 154 meninas em todo o país conseguiram acessar esse direito.
“A gestação forçada é a maior causa de evasão escolar feminina e leva à morte de uma menina por semana no Brasil. A resolução do Conanda, construída com a participação da sociedade civil, não ultrapassa suas funções e nem cria novos direitos, ela apenas detalha como aplicar a lei para salvar vidas. Suspender esta medida é fechar os olhos para a violência e falhar com as meninas brasileiras”, diz trecho do documento do Ministério.
Deputadas do PT rechaçam aprovação
Com voto contrário da Bancada do PT, a decisão caminha na contramão da defesa dos direitos da infância de meninas. O PDL teve amplo apoio da extrema direita, e pode sinalizar um grave retrocesso no atendimento de meninas e adolescentes vítimas de violência sexual.
De acordo com o PT na Câmara, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) classificou o projeto como “cruel e inconstitucional” por ferir o princípio da proteção integral à criança. “Cerca de 20 mil meninas com menos de 12 anos são estupradas por ano no Brasil, e muitas engravidam em decorrência desses abusos. Trazer esse tema para o plenário é atrasar os procedimentos adequados diante de crianças que foram violentadas, muitas vezes por familiares. Manter uma criança estuprada em condição de violência permanente é inaceitável”, afirmou.
Na mesma linha, a deputada Erika Kokay (PT-DF) lembrou que a resolução do Conanda apenas regulamenta o que já está previsto na legislação e criticou setores conservadores que tentam obrigar meninas a levar adiante gestações resultantes de estupro.
“Há quem queira forçar uma criança de 9 ou 10 anos a ser mãe, mesmo que isso lhe custe a vida. Isso é uma violência institucional. A interrupção legal da gravidez é prevista quando há risco à vida da gestante, quando a gravidez resulta de estupro, ou em casos de anencefalia. Quem ataca essa resolução está atacando a vida das crianças e adolescentes deste país”, destacou.
Erika Kokay enfatizou ainda que os abusos sexuais, num percentual absolutamente alarmante, são provocados dentro de casa. “E via de regra, por pessoas que detêm uma ascendência afetiva sobre as crianças. Eu estou falando de padrastos, de pais, ou seja, dentro de casa as crianças são vítimas de abuso”, lamentou.
Infância deve ser protegida
Diversos movimentos de mulheres têm chamado o PDL de “PL da Pedofilia”. Crianças vítimas de estupro não podem ser criminalizadas como mães. O Estado deve garantir cuidado, escuta protegida e saúde pública com perspectiva de gênero e direitos humanos.
A infância deve ser protegida no Brasil. No ano que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos, justamente quem deveria ser protegida está sendo atacada por uma proposta abjeta como a defendida.
Dados do Ministério da Saúde apontam que mais de 20 mil meninas com menos de 14 anos deram à luz em 2022, número que representa um aumento em relação aos anos anteriores. A maioria dessas gestações decorre de violência sexual.
Enquanto isso, projetos como o PL 1904/2024 buscam criminalizar médicos e mulheres, inclusive vítimas de estupro, que realizem a interrupção da gravidez após 22 semanas de gestação, mesmo quando amparado pela lei. Especialistas alertam que a medida fere direitos humanos, coloca vidas em risco e viola tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A deputada Jack Rocha (PT-ES), coordenadora da Bancada Feminina, ressaltou que o debate envolve a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente. “O que está em jogo é o direito de meninas vulneráveis a terem acesso a serviços garantidos pelo ECA. É disso que se trata: de assegurar que o Estatuto continue sendo um instrumento de proteção e não um texto vazio”, pontuou.
Para a parlamentar do PT, sustar essa portaria do Conanda “é enviar o recado perigoso de que a infância brasileira está sendo sacrificada por puro interesse político”. Ela ressaltou que o Conanda é uma instância legal, prevista no ECA desde 1990. “A portaria é resultado de processo político, de debate político, de construção com especialista. Tentar sustar essa portaria, nesta resolução, por puro interesse ideológico é dar um golpe contra o sistema democrático, que protege as crianças e os adolescentes do nosso Brasil”, frisou.
A deputada alertou ainda que a derrubada da resolução fragiliza os conselhos tutelares. “Ela enfraquece a proteção da violência familiar e institucional que acontece, ela coloca as crianças em maior risco de abuso e de negligência e ela retrocede décadas de avanço dos sistemas de garantias de direitos”, lamentou.
Para o Governo Lula, garantir a dignidade e os direitos das meninas é prioridade. O fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), a ampliação de políticas de prevenção à violência sexual e o combate à desinformação são caminhos fundamentais para proteger a infância e assegurar justiça.
Da Redação do Elas por Elas, com informações do PT na Câmara, G1 e MMulheres
