Chomsky compara projeto econômico do PSL ao da ditadura chilena
Em visita ao Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o linguista alerta para os estragos do pensamento neoliberal à humanidade
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O predomínio das teorias neoliberais sobre as economias globais e a condução insustentável do capitalismo levam o planeta a sua inviabilização. A avaliação é do linguista e ativista norte-americano Noam Chomsky, durante entrevista coletiva no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé na noite de ontem (17). Para ele, os capitalistas não estão se importando com consequências como o aquecimento global ou com o nível de exclusão que assola a raça humana.
Chomsky alerta ainda para a forte presença de economistas seguidores da chamada Escola de Chicago – precursora da cartilha segundo a qual o “mercado”, e não os Estados nacionais, é que devem regular o funcionamento das sociedades – em vários governos da região e em várias candidaturas que hoje disputam a Presidência da República. “Inclusive o economista da campanha de (Jair) Bolsonaro.”
Ele se refere ao economista e banqueiro Paulo Guedes, fundador dos Instituto Millenium, do banco Pactual e apelidado de “Posto Ipiranga” do capitão reformado. Segundo Chomsky, Guedes é da mesma linhagem dos “economistas de Chicago” que começaram a implementar suas ideias logo do final dos anos 1970 por meio da ditadura chilena.
O regime do general Augusto Pinochet, como ele observa, foi o primeiro a adotar a radicalização do liberalismo. Desnacionalizou empresas de mineração, acabou com a previdência pública e privatizou as aposentadorias, escancarou o mercado para multinacionais – tudo sob um regime sangrento, que resultou em mais de 3.200 mortos e 38 mil presos e torturados.
Não por acaso, o economista é hoje auxiliar de um candidato que pensa como o sanguinário general chileno. Pinochet, que acumulou fortunas provenientes de corrupção, se tornou réu por crimes contra a humanidade e teve sua prisão decretada em 1998, pelo juiz espanhol Baltazar Garzón, quando se encontrava em tratamento médico em Londres.
Mídia e dominação
Chomsky também falou do ativismo da mídia tradicional contra governos de centro-esquerda na América Latina e comparou com a atuação dos órgãos de imprensa das potências ocidentais, como Inglaterra e Estados Unidos. Para Chomsky, o que acontece no Brasil, no que diz respeito ao papel da mídia no processo político, “não é exceção, mas a regra” (na América Latina).
“Na Nicarágua e Venezuela os governos foram atacados duramente, mas os jornais continuaram circulando. Nos países centrais, como Inglaterra e Estados Unidos, se a imprensa tivesse atuação semelhante, os editores teriam sorte se fossem apenas presos”, disse.
Ele lembrou que a Venezuela foi duramente “condenada” pelos países ocidentais por ter tirado do ar a Radio Caracas Televisión (RCTV), cuja concessão o governo de Hugo Chávez não renovou, sob a acusação de que a emissora conspirou contra ele em 2002, quando o então presidente foi vítima de uma tentativa de golpe de Estado.
Embora concorde com a avaliação de que a atitude de tirar o canal do ar foi um erro de Chávez, Chomsky observou: “Mas é inimaginável acontecer um golpe nos Estados Unidos e o New York Times apoiar esse golpe e continuar circulando. Os governos de esquerda e centro-esquerda na América Latina nas últimas décadas mantiveram uma política de abertura e a imprensa foi livre, embora essa mesma mídia fosse muito dura em relação aos governos”, disse.
Questionado sobre por que os governos do PT não enfrentaram a Rede Globo, o estudioso não simplificou a tese de que uma regulação dos meios resolva o problema da politização.
Segundo ele, nessas potências ocidentais onde há regulação, por exemplo, a imprensa americana ou inglesa não tem uma linha de enfrentamento com o establishment. “Na Inglaterra e Estados Unidos não haveria essa postura (de hostilizar e combater governos), como houve nos países da América Latina durante os governos de esquerda.”
O funcionamento da imprensa ocidental, pontuou, se dá a partir de grandes corporações, pertencentes, por sua vez, a corporações ainda maiores. “Vendem notícias para anunciantes. Os publicitários e empresas dirigem o modo como essas noticias são modeladas e como essas notícias vão ser impressas.”
Ele contou que, em um momento durante o governo Chávez na Venezuela, estava no Chile e ficou “chocado” ao ver de que maneira os liberais e os chilenos de modo geral, normalmente, eram muito críticos ao governo venezuelano. “Entendi ao ler os jornais, que só davam notícias negativas sobre o governo chavista. Durante o período Chávez, uma empresa de pesquisa de opinião chilena fez vários trabalhos na Venezuela e constatou que a confiança dos venezuelanos no governo era das maiores do continente. Mas isso nunca era discutido pelos intelectuais que tinham opiniões negativas sobre a Venezuela.”
Brasil colosso
Ele lamentou que a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Comitê de Direitos Humanos da instituição “não são respeitadas pelos Estados Unidos”. “A ONU não é independente, é limitada por aquilo que os Estados Unidos e outras nações permitem ou não que ela faça.” Chomsky fez o comentário ao ser perguntado sobre o fato de o Estado brasileiro ter ignorado a decisão da organização determinando que os direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fossem respeitados.
O linguista deu o exemplo de que, durante a guerra do Vietnã, os ataques norte-americanos nunca foram discutidos formalmente pelas Nações Unidas. “Em conversas minhas em off com pessoas do alto escalão da ONU, ficou-se sabendo que se a organização interferisse na guerra do Vietnã, ela seria fechada.”
Sobre a atual situação do Brasil, voltou a dizer o que já afirmara no seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, na sexta-feira (14). “Nos anos de Lula e Dilma, o Brasil se tornou o país mais respeitado do mundo (um colosso mundial) e organizou o bloco sul-americano como nunca foi visto antes. Isso pode acontecer de novo.”