Intelectuais estrangeiros mostram-se atentos às eleições no Brasil

Em evento promovido pela FPA, Noam Chomsky, Dominique de Villepin, Massimo D’Alema e outros pensadores foram unânimes em destacar o impacto da disputa

Sérgio Silva/FPA

Em meio à prisão política de Lula e o desrespeito a tratados internacionais, o mundo está de olho nas eleições brasileiras. Pensadores do mundo todo se reuniram para discutir democracia, relações internacionais e os avanços do neoliberalismo no Seminário Internacional “Ameaças à democracia e a Ordem Multipolar”, realizado pela Fundação Perseu Abramo na última sexta (14).

Foi unânime entre os participantes a aposta de que o resultado eleitoral terá um enorme impacto no cenário internacional. Seja pela chance de retomada de um projeto cooperativo entre os países, como pontuou o ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero (“O Brasil de Lula deixou três legados importantíssimos para a comunidade internacional: esforço inédito no combate à miséria, olhar desenvolvimento sustentável e a consolidação dos BRICs”).

Ou então, pelo exemplo de superação da anormalidade democrática conforme alertou o ex-diretor da UNESCO Pierre Sané: “Meu país [Senegal], importou duas coisas do Brasil: uma boa, o Bolsa Família para combater a pobreza e uma ruim: a judicialização da política.”

O evento foi divido em duas mesas. Pela manhã, os ex-premiê europeus Dominique de Villepin, Massimo D’Alema, a filósofa Marilena Chauí, o deputado do Mercosul Jorge Taiana e Pierre Sané debateram a crise do multilateralismo (vários países atuando em conjunto). O chanceler Celso Amorim foi mediador.

Villepin defendeu a busca de uma solução comum para aos avanços crescentes do autoritarismo no mundo todo – citando como exemplo a Bulgária, Polônia e Hungria. “Temos que entender que a batalha que vivemos é coletiva. A tentação é apontar o dedo, eliminar, mas nesse mundo do seculo XXI é mais efetivo tratar e compreender. Temos que reagir não só com ideologia, mas com soluções econômicas, sociais e democráticas. Este é o grande desafio.”

Sobre esse tema, o italiano Massimo D’Alema lembrou uma análise de Lula no livro A Verdade Vencerá sobre o crescimento de grupos de ódio via redes sociais. “Lula fala que a internet é muito eficaz para espalhar o ódio. Isso está correto e reflete a realidade em muitos países“, disse.

E complementou com um outro alerta a respeito do papel da internet na democracia. “Os que controlam a internet têm acesso aos dados de milhões de pessoas e podem usá-los também para fins eleitorais, como foi na eleição americana.”

O argentino Jorge Taiana discorda do sucesso do multilateralismo, que vê como uma “tentativa dos EUA para controlar o mundo”. Apesar disso, admitiu que a crise de 2008 não foi o bastante para despertar  mudanças e, ao contrário, abriu espaço para a escalada autoritária. Por isso vê com muita preocupação o que acontece no Brasil. “O que está em jogo não é só a democracia, é se deixarão que floresçam governos que, com reformas, participação e ampla maioria, mude as relações de poder e produza mais democracia. Por isso é gravíssima prisão de Lula e o que ocorre ao Brasil”.

Marilena Chauí encerrou a mesa com uma reflexão sobre o neoliberalismo. Na visão da professora, essa é o grande modelo autoritário dos nossos tempos e responsável pela interferência cada vez mais escancarada do judiciário na política. “Na medida que a política é pensada como jogo de interesses privados, os conflitos são resolvidos pela via jurídica, como é numa empresa.”

Cenário internacional

No debate da tarde, Noam Chomsky,  Luiz Carlos Bresser Pereira, o ex-governador mexicano Cuauhtémoc Cárdenas, o ex-senador chileno Carlos Ominami e Zapaterom ex-chefe de Estado da Espanha, trouxeram à pauta os desafios de seus países em superar a desigualdade.  A ex-ministra Miriam Belchior foi a mediadora.

Chomsky falou sobre a derrota do conservadorismo para o ultraneoliberalismo e o impacto dessas mudanças no tecido social americano. “Embora os EUA sejam de longe o país mais rico do mundo, é um dos piores nos indicadores sociais a OCDE“. Ele também alertou para o domínio do dinheiro nas eleições dos EUA. “Quando um político diz que está trabalhando a favor dos empregos, você tem que entender que ele está trabalhando a favor do lucro.””

Depois de expor alguns dados preocupantes sobre economia e segurança o México, Cárdenas fez um discurso esperançoso sobre o futuro do país, que pela primeira vez em quase um século terá um presidente de esquerda. “Temos que fazer uma reforma política é fiscal, falada há muito tempo e nunca realizada. Uma política de industrialização, e não só de maquilladoras [empresas que importam peças e montam por um preço inferior no país], e combater o narcotráfico com inteligência.

Com base em um  complexo panorama do neoliberalismo, o economista Bresser-Pereira reforçou a proposta de Villepin na discussão anterior: “Não adianta tentar mudar e não ter uma alternativa de sistema estruturada, com uma teoria para se embasar. A esquerda chega ao poder e acaba sendo obrigada a colocar um economista conservador no ministério da Fazenda.”

Ominami defendeu que a esquerda incorpore os novos desafios do século XXI sob um progressismo que, em sua visão, é “radicalmente laico e social, societário, mas não estatista, desenvolvimentista, mas também verde, feminista e aberto ao mundo.”

Último a tomar a palavra, Zapatero falou com entusiasmo dos anos em que ele e Lula estiveram ao mesmo tempo governando, fazendo um pedido explícito aos brasileiros. “Apesar da conjuntura, sou otimista e sei que abraçarei Lula em breve, e o farei com o um presidente do PT no governo. Nunca deixem de acreditar em seus valores, e saber que a luta por democracia é sempre por mais democracia.”

Por Thais Reis, da Agência PT de Notícias

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