Cinco convicções da sentença de Moro que desafiam o bom senso
De inversão do ônus da prova à criação de uma nova acusação, o texto, disponível aqui, ofende tanto os fatos e o Direito que já viraram até livro
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A sentença do juiz de primeira instância do Paraná Sérgio Moro condenando o ex-presidente Lula no caso envolvendo um apartamento “triplex” no Guarujá já logo entrou pela porta dos fundos da história do Direito no Brasil.
São tantos os descalabros jurídicos cometidos pelo magistrado que sua sentença já virou até livro e foi taxada como “fictícia, abusiva e absurda” por juristas de renome nacional e internacional devido à falta de provas.
O texto que mal se enquadra nos parâmetros jurídicos pode ser agora acessado por qualquer cidadão que queira averiguar as convicções que embasam a total falta de provas e argumentos que o embasam desde que foi disponibilizado na segunda-feira (8).
Moro gastou 964 parágrafos para forjar sua condenação sem provas. Destes, 29 foram dedicados ao depoimento do delator premiado Léo Pinheiro, dono da empreiteira OAS, a única entre as 73 testemunhas do processo que confirmou a tese da acusação, de que Lula teria recebido o apartamento (do qual jamais teve a chave, no qual jamais dormiu nem uma noite sequer) como forma de propina em troca de favores em contratos com a Petrobras.
Já os outros 72 depoentes, que deixaram claro que o tal triplex jamais pertenceu ao ex-presidente, mereceram – todos somados! – nada mais do que seis parágrafos na sentença de Moro.
Veja, abaixo, algumas das principais aberrações contidas na sentença do juiz paranaense de primeira instância.
1 – A prova é não ter prova
O delator premiado Léo Pinheiro foi o único que disse que o “triplex” do Guarujá seria destinado ao ex-presidente Lula. Ao fazer esta afirmação, fechou acordo com o Ministério Público Federal e deixou a cadeia, onde aguardava julgamento em segunda instância há mais de um ano.
O restante das testemunhas não foi capaz de chegar nem perto de confirmar a tese mirabolante do MPF: de que o apartamento teria sido dado a Lula em troca de sua intervenção em favor da OAS em três contratos firmados entre a empresa e a Petrobras.
Para Sérgio Moro, porém, o fato de ninguém conseguir confirmar que o apartamento era de Lula é a maior prova de que… o apartamento pertencia a Lula! É essa a lógica utilizada pelo juiz de primeira instância, como se vê no trecho a seguir da sentença:
“Envolvendo a atribuição do apartamento ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as reformas crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, é evidente que José Adelmário Pinheiro Filho, Presidente da OAS, não tinha motivo para alardear entre os seus subordinados, executivos e empregados da OAS Empreendimento (sic), explicações ou detalhes acerca do que os fatos envolveriam”.
2 – A inversão do ônus da prova
Um dos princípios mais elementares do Direito é o de que a obrigação de provar o crime é de quem acusa. Assim, no caso específico do triplex do Guarujá, caberia ao Ministério Público provar o que afirma: que Lula seria uma espécie de proprietário oculto do imóvel e que teria recebido o bem em troca de sua ajuda para que três contratos da OAS com a Petrobras fossem firmados.
Os procuradores não chegaram nem perto de lograr êxito nesta tarefa. Assim, restou a Sérgio Moro exigir a inversão do ônus da prova, ou seja, cobrar da defesa do ex-presidente Lula que provasse da maneira que o magistrado queria que Lula não é nem nunca foi dono do triplex.
Veja trecho da sentença, em que Moro diz que Lula deveria provar que não era dono do imóvel, e sim apenas um potencial comprador:
“Caso a situação do ex-presidente em relação ao triplex fosse de potencial comprador, seria natural que tivesse alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas reformas. Entretanto, não há qualquer prova nesse sentido, um documento por exemplo, ou relato de testemunhas a respeito de eventual discussão da espécie”.
3 – A sentença que foge à acusação
O Ministério Público Federal acusou Lula de um crime descrevendo um roteiro para seu cometimento. Os procuradores, no entanto, foram incapazes de provar a tese que eles mesmos apresentaram.
Assim, Moro condenou Lula por outros motivos que não estavam na peça de acusação inicial. A sentença de Moro não só foi além da acusação, o que já seria uma aberração, como de fato inventou um modus operandi que jamais lhe foi narrado.
Na sentença, Moro não demonstra os vínculos entre os contratos firmados entre a OAS e a Petrobras e o tal apartamento do Guarujá. Não havendo tal vínculo, desmonta-se toda a tese de crime do MPF, já que perece a ideia de propina paga ao ex-presidente em troca de um favor.
Sérgio Moro tem o requinte de admitir que não há este vínculo, mas inventa outro motivo – jamais alegado pelo MPF e, portanto, nunca contestado pela Defesa – para condenar Lula:
“Este juízo jamais afirmou que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente. A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas”.
4 – Convicções por cima das provas
Sérgio Moro, sendo o juiz do processo, deveria colocar na balança os fatos apresentados pela defesa e pela acusação, e com base na Justiça estabelecer sua sentença. O que ele fez, porém, foi atuar como mais um procurador do Ministério Público.
Ele se prestou ao serviço, por exemplo, de desqualificar uma das testemunhas defesa, no caso, José Sérgio Gabrielli, pessoa de reputação ilibada e carreira profissional exemplar, que ocupou a presidência da Petrobras de 2005 a 2012.
O MPF, em suas alegações finais, jamais levantou qualquer questionamento em relação a esta testemunha. Sérgio Moro, porém, por iniciativa própria e não provocada, resolveu fazê-lo. Já que não gostava do que disse a testemunha, decidiu dizer que ela não merecia crédito.
Já o delator Léo Pinheiro, que nem sequer estava obrigado a dizer a verdade no processo, por ser ele também réu, nunca recebeu a mais leve descrença de Sérgio Moro. Tudo que ele disse foi tratado como verdade absoluta. Veja trecho da sentença referente à testemunha de defesa de que Moro não gostou:
“Foi ainda ouvido José Sergio Gabrielli de Azevedo. (…) Afirmou não ter conhecimento de qualquer atuação do ex-presidente em relação a esses crimes de corrupção e que nunca recebeu qualquer orientação dele nesse sentido. O depoimento de José Sergio Gabrielli de Azevedo não é de muito crédito, visto que era o Presidente da Petrobrás no período em que vicejou o esquema criminoso que vitimou a empresa, o que o coloca em uma posição suspeita”.
5 – Testemunhas e provas ignoradas
O juiz Sérgio Moro achou por bem simplesmente ignorar o que disseram 30 testemunhas de Defesa ouvidas no processo. São executivos da Petrobras, parlamentares e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, com suas oitivas, deixaram provada a inconsistência da tese acusatória. A tais depoimentos, o juiz de primeira instância não dedicou sequer uma linha de sua sentença.
A acusação do Ministério Público constrói – assim inovando as doutrinas de processo penal – um chamado “contexto”, em que tentam construir uma tese de que o governo Lula era uma organização criminosa unicamente disposta a levar vantagem financeira e perpetuar no poder, e que Lula era o mandatário de tudo, por trás de todo e qualquer crime cometido.
Pois 30 testemunhas, que foram ao tribunal obrigadas por lei a dizer somente a verdade, contestaram a inventiva teoria dos procuradores. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, disse que ficou sabendo por meio de auditorias de irregularidades na Petrobras ocorridas durante seu governo, mas que “o presidente não tem como saber de tudo”. Foi ignorado por Moro, que disse:
“Sem embargo da qualidade dos depoentes, qualificam-se propriamente como testemunhas pessoas que conhecem os fatos do processo. Tais depoimentos no máximo tangenciam os fatos do processo, já que os depoentes não tinham conhecimento específico deles”.
Por Vinícius Segalla, da Redação da Agência PT de Notícias