Com Salles no Ministério, plano de combate ao lixo no mar está parado
Enquanto ministro Salles critica sujeira em praia para defender ruralista, especialistas em gestão ambiental apontam inoperância do Meio Ambiente
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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aproveitou a foto de uma praia suja no réveillon para defender seus amigos ruralistas, a maioria deles inimigos declarados da preservação ambiental, e ao mesmo tempo atacar a população. “E ainda jogam a culpa dos problemas ambientais no agro… Feliz 2020”, escreveu Ricardo Salles na sexta-feira (3), no Twitter.
A imagem e os dizeres haviam sido publicados no dia 1º por Xico Graziano, outro ferrenho defensor do agronegócio, e que já foi secretário estadual do Meio Ambiente em São Paulo, como o próprio Salles.
É indiscutível a responsabilidade de pessoas que, sem educação e consciência ambiental, deixam seu lixo na praia, como mostra a foto tirada nas primeiras horas de 2020. Mas não é papel do gestor da pasta do Meio Ambiente usar isso para desqualificar as críticas a um sistema agrícola que é o maior consumidor de recursos hídricos, que polui o ar, as águas, o solo e adoece populações com altas doses de agrotóxicos, cujas lavouras e pastos avançam sobre territórios indígenas e quilombolas e assentamentos.
Até porque o nível de conduta de banhistas vem melhorando gradualmente ao longo do tempo, conforme a consciência ambiental vai sendo incorporada ao cotidiano. E muitas prefeituras já desenvolvem rotinas de coleta, por exemplo, para que parias amanheçam limpas no dia seguinte a grandes eventos ou em temporadas de alta frequência de banhistas.
Cabe a um ministro do Meio Ambiente coordenar políticas de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, inclusive costeiros, e biodiversidade e florestas, além de propor estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais. Nisso tudo está a integração do meio ambiente e os meios de produção, inclusive agropecuária.
Lixo no mar
No entanto, desde que assumiu a pasta, há um ano, apesar de uma condenação por crime ambiental em São Paulo, o ministro passou mais tempo atacando organizações ambientalistas e ativistas e participando de encontros com empresários de diversos setores do que trabalhando pelo meio ambiente.
Tanto que o desmatamento e as queimadas foram recorde em 2019 e manchas de óleo de origem ainda desconhecida tiveram tempo e liberdade para atingir o litoral brasileiro do Nordeste ao Sudeste, causando prejuízos ambiental e turísticos incalculáveis diante da inação do governo.
Único projeto do Ministério do Meio Ambiente apresentado até agora, a Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana, pouco avançou. Nada mais foi feito além da assinatura de uma portaria que disciplina a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos – na verdade, incineradores de lixo que produzem energia térmica ou elétrica durante o processo de queima.
O Plano de Combate ao Lixo no Mar foi inserido na agenda de prioridades do governo Bolsonaro “por conta dos impactos gerados nos ecossistemas marinhos e seus serviços ambientais, assim como pelos efeitos negativos causados à saúde humana”, segundo o ministério.
Mutirões
De acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), que reúne profissionais do Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do próprio Ministério do Meio Ambiente, o Plano consiste basicamente no incentivo, pelo MMA, de mutirões de limpeza de praia. E conforme especialistas que falaram sob condição de anonimato, “nada realmente importante foi feito”.
Ainda segundo eles, não há ainda nenhuma articulação com estados e municípios de forma estratégica. E projetos de cooperação foram “um fiasco de execução”: “tudo parado por determinação superior, não escrita”. E o “orçamento só foi liberado em novembro. Ou seja, quase tudo devolvido por falta de tempo para execução”.
Há críticas também em relação ao formato e conteúdo do projeto que recebe o nome de Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana. Para o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy trata-se de mais uma “falácia” do governo, que se apropria da agenda de antigas práticas de comunidades preocupadas com seu meio ambiente. “Desde 1994 essas iniciativas vem ocorrendo a partir do movimento Clean up the World, surgido na Austrália em 1994, que no final da década de 90 e se espalhou para o mundo todo. No máximo podem chamar isso de relatório parcial de atividades de limpeza do lixo nas praias”.
Pelo jeito, as ações de recolhimento do lixo do mar, iniciadas em 22 de março, foram apenas ações midiáticas para causar impacto nas redes sociais do ministro.