Com voto contrário do PT, Senado aprova o retrocesso do marco temporal
Senadores contrariam decisão do STF e afrontam direitos indígenas. “Temos um Legislativo anti-indígena. Essa PEC será judicializada”, diz coordenadora do PT
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O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (9) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que estabelece a tese do marco temporal. A votação foi impulsionada pela bancada ruralista. O texto prevê que só poderão ser demarcadas as terras indígenas que estivessem sob posse de povos originários na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. O marco temporal, tese já rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, ignora a natureza ancestral e os direitos dos povos originários.
A aprovação representa um dos maiores retrocessos da história recente do país, abrindo caminho para o agravamento de conflitos no campo e violações ambientais. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em Belém, a COP-30, o presidente Lula assinou a demarcação de dez territórios indígenas e de terras quilombolas. O Senado, no entanto, anuiu com a inconstitucionalidade.
O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), criticou a celeridade da tramitação de uma proposta de grande relevância, colocada em votação no plenário sem as discussões necessárias.
“Uma matéria dessa importância, com essa relevância, deveria ser analisada e votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Essa é uma matéria constitucional de extrema relevância. É fundamental que seja discutida com calma, tranquilidade. Não pode uma matéria dessa natureza ser assim, a toque de caixa”, criticou o líder.
De acordo com a coordenadora Nacional do Setorial de Assuntos Indígenas do PT, Quenes Gonzaga Payayá, a tese do marco temporal, de que os povos indígenas só podem permanecer em seus territórios se provarem que estavam naquela terra no dia 5 de outubro 1988, ignora a história do país e que eles são originários dessa terra. “Os povos indígenas sempre estiveram aqui. Não tem porque o Legislativo avançar de forma açodada com uma lei inconstitucional. Nós temos um Legislativo anti-indígena. Essa PEC também será judicializada. Não aceitaremos nenhum direito a menos aos povos indígenas contra esse retrocesso”, anunciou.
A PEC 48/2023, além de ser uma violação de direito fundamental, é também uma afronta ao Supremo. Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal já havia, por maioria, decidido que o direito indígena à terra é originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado brasileiro, derrubando a tese do marco temporal.
Segundo o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), será preciso reagir com grande mobilização para frear a votação da PEC na Câmara. “Nós precisamos de uma grande mobilização para que mais uma situação de injustiça contra os povos indígenas não aconteça. Por isso é fundamental ficar atento para não deixar acontecer mais retrocessos aos povos originários e na agenda ambiental”, afirmou.
O PT na resistência
A votação da PEC 48/2023 foi marcada pela firme oposição da Bancada do PT no Senado Aprovada em dois turnos, os senadores petistas denunciaram a manobra como uma tentativa de legislar sobre cláusula pétrea e alertaram para a insegurança jurídica que a medida cria no país.
Ao insistir na pauta e aprová-la, o Senado, sob liderança da ala bolsonarista e do centrão, agrava a crise institucional entre os poderes e enfraquece a democracia.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), declarou que a aprovação da proposta de alteração constitucional não vai pacificar o tema. Para ele, o caminho para uma solução definitiva seria o debate entre os poderes da República.
“Precisamos caminhar para uma racionalidade. O ministro Gilmar Mendes chegou a fazer um acordo reconhecendo o direito à remuneração da terra nua e da benfeitoria. Mesmo votada aqui e na Câmara, essa matéria não colocará fim ao conflito. Ficará se questionando quem dará o atestado se a tribo estava, ou não, em 1988 naquele território”, alertou o senador.
Ao votar contra a PEC 48/2023, o PT reafirmou seu compromisso histórico com os povos indígenas e com a preservação ambiental.
O placar no primeiro turno foi de 52 votos a favor da PEC e 14 contra. No segundo, foram 52 votos favoráveis e 15 contrários.
A luta continua
Frente ao retrocesso ocorrido no plenário do Senado, a batalha pelos direitos indígenas não acabou. Movimentos sociais e partidos do campo progressista, liderados pelo PT, já articulam novas estratégias.
