Considerado preso político, Lula recebe 35º honoris causa na Argentina
Além de professores e alunos, cerimônia contou com a presença de ministros provinciais, deputados, ex-deputados argentinos e líderes de movimentos sociais
Publicado em
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi homenageado nesta quinta-feira (27) com seu 35º título de doutor honoris. A cerimônia aconteceu na Universidad Nacional del Comahue, na Argentina, e teve direito a um coral argentino cantando a canção de protesto contra a ditadura “Apesar de você”, composta por Chico Buarque. Além de professores e alunos, cerimônia contou com a presença de ministros provinciais, deputados, ex-deputados argentinos e líderes de movimentos sociais de Brasil e Argentina. O vice-governador da província de Neuquén e autoridades de direitos humanos da argentina enviaram cartas, que foram lidas ao final da cerimônia, que foi transmitida ao vivo pela Radio y Televisión de Neuquén.
O Conselho Superior da Universidad Nacional del Comahue se reuniu pela manhã em sessão extraordinária e o reitor, Gustavo Crisafulli, realizou a leitura da porposta, aprovada por unanimidade. A decana da Faculdade de Humanidades, professora Beatriz Gentile, integrante do tribunal encarregado de determinar os avais para a propuesta, leu a decisão da comissão. Rafael Valim, advogado de Lula, entregou uma carta do ex-presidente , que desde ontem já é doutor honoris causa pela universidade argentina.
Na carta, Lula denuncia o golpe contra a vontade do povo e encerra com um agradecimento: “Não tenham dúvida alguma de que a atitude corajosa dessa valorosa instituição, a par de me deixar profundamente grato e sensibilizado, é um grande alento para a luta que neste momento o povo brasileiro trava para derrotar aqueles que querem subjugar seus legítimos interesses. Sinto não estar presente para abraçar a todos e agradecer a vossa generosidade”.
Professor de direito constitucional e juiz federal suplente na Argentina, Pablo Angel Gutiérrez Colantuono postou em suas redes sociais uma mensagem na qual explica a decisão:
Nossa Universidad Nacional del Comahue deixou um pouco mais livre a Lula, doutor honoris causa.
Hoje foi um dia de muita emoção. Muitas pessoas me perguntaram por que. Outras me dizem que não se pode conceder tal reconhecimento a uma pessoa condenada por corrupção, outras que estão convencidas e apóiam a decisão de nossa Universidade. Agora talvez seja a hora de explicar um pouco mais a razão pela qual pedimos e ajudamos a concretizar essa decisão da nossa Universidade. Eu dizia que hoje é um dia de muita emoção porque hoje se concretiza uma caminhada coletiva na qual agregamos muitas vozes para fazer o que está a nosso alcance.
No meu caso, tive a possibilidade de ler arquivos judiciais, material da mídia, pude ouvir políticos, organizações sociais, juristas, entre outras vozes que se manifestaram sobre o caso Lula. Eu li sentenças brasileiras e decisões internacionais. Eu vi Lula, falei com ele, pude olhar nos olhos dele. Tudo isso e mais formou a convicção do erro histórico que está sendo cometido; a história vai provar isso a tempo.
Ele é um preso político, foi condenado e excluído da disputa eleitoral por uma decisão “judiciária” sem qualquer prova — entre outras ilegalidades que podem ser observadas. Ele é prisioneiro daqueles que não concordam em garantir acesso, igualdade e liberdade em nosso Brasil. Da prisão, Lula aumenta dia a dia seu poder político, multiplica-se cada vez mais em outros “Lulas” em liberdade, reivindicando uma verdadeira democracia no Brasil.
Como professor de direito, muitas vezes me perguntei que “direito” estamos ensinando, que idéia de poder judicial passamos, enquanto insistimos num olhar que vê nesse poder político uma espécie de monopólio da justiça, que é um valor essencial de nossas democracias. A decisão de Lula — sim, decisão — de cumprir a ordem ilegítima de prisão após um processo atormentado por ilegalidades — e não resistir democraticamente a essa ordem antidemocrática — foi uma decisão pessoal de conteúdo político profundo. O tempo vai responder e explicar isso.
Fica maior sua figura de “mito”: para a prisão vão negros, trabalhadores, indígenas, entre outros, num sistema seletivo. Lula é um deles; é quem dá visibilidade àquele silencioso povo brasileiro que sofreu exclusão e dominação por múltiplas formas de colonização cultural de um povo. Lula “libertou” o povo brasileiro. É este mesmo povo que agora libera Lula das paredes da injustiça de um poder judiciário que ninguém acredita ter feito “justiça”.
Hoje nossa Universidade deixou Lula um pouco mais livre dessa prisão. Você pode não estar de acordo com o que eu compartilho aqui e te respeito como peço seu respeito. Peço somente um favor, que você se permita perguntar: Pode ser que tudo isso tenha sido um absurdo legal e político? Pode ser que existem presos políticos na democracia? Pode ser que aconteçam golpes de Estado modernos gerados dentro da própria democracia? Pessoalmente, tenho certeza suficiente para dizer que me dói todos os dias saber que, enquanto escrevo e penso sobre o Brasil, Lula está preso por uma decisão política que violou tudo pelo qual lutamos em nossas faculdades de direitos: Respeito pelo devido processo legal.
Recomendo ouvir a leitura da opinião de Beatriz Gentile que precede a decisão e as palavras do Reitor Gustavo Crisafulli.
Obrigado pela leitura.